O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o
vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, assinaram, ontem, a primeira fase do
acordo comercial entre os dois países, depois de uma guerra comercial que durou
um ano e meio e abalou a economia mundial. O ponto central do acordo é uma
promessa da China de comprar mais US$ 200 bilhões em produtos dos EUA ao longo de
dois anos, para reduzir o deficit comercial bilateral com os norte-americanos,
que chegou a US$ 420 bilhões em 2018. A China se compromete a comprar produtos
manufaturados, agrícolas, energia e serviços dos EUA.
“Hoje (ontem), demos um passo crucial, que nunca tínhamos
dado antes com a China”, disse Trump durante a cerimônia na Casa Branca. O
pacto entre os dois países pode ter o papel de desanuviar não somente o
ambiente econômico, mas também o ambiente político mundial, que vive uma
escalada de tensões, a principal, agora, entre os Estados Unidos e o Irã, tendo
por epicentro o controle do Iraque. A guerra comercial resultou no aumento das
tarifas alfandegárias por ambos os lados, no valor de centenas de bilhões de
dólares em mercadorias, o que afetou mercados financeiros, cadeias de
fornecimento e o crescimento global.
Em números, a situação é a seguinte: os Estados Unidos vão
manter tarifas de 25% sobre uma vasta gama de US$ 250 bilhões em bens e
componentes industriais chineses usados pela manufatura norte-americana, até a
segunda fase do acordo, mas a China deve comprar US$ 12,5 bilhões em produtos
agrícolas dos EUA no primeiro ano e US$ 19,5 bilhões, no segundo ano; US$ 18,5
bilhões em produtos de energia no primeiro ano e US$ 33,9 bilhões, no segundo ano;
US$ 32,9 bilhões em manufaturados dos EUA no primeiro ano e US$ 44,8 bilhões,
no segundo ano; e US$ 12,8 bilhões em serviços dos EUA no primeiro ano e US$
25,1 bilhões, no segundo ano.
O que vai acontecer depois, ninguém sabe ainda, mas as
repercussões e projeções do que já foi acertado certamente serão discutidas na
reunião de Davos, à qual o presidente norte-americano Donald Trump anunciou que
pretende comparecer. De certa forma, o acordo roubará a cena do Fórum Econômico
Mundial, que completa 50 anos e cuja pauta está focada na questão ambiental.
Muitos chefes de Estado estarão presentes, além de grandes executivos e
personalidades. Qual será a repercussão do acordo entre os Estados Unidos e a
China para o Brasil? De certa forma, o acordo favorece os norte-americanos em
relação ao nosso agronegócio, seja pela demanda cativa, seja pela vantagem
estratégica em termos logísticos.
Rota do Pacífico
No seu livro Sobre a China, o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger já apontava o deslocamento do eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico e advertia sobre os riscos da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China. Dizia que, no século passado, houve duas guerras mundiais por causa da disputa entre a Inglaterra, uma potência marítima, e a Alemanha, uma potência continental, pelo controle do comércio no Atlântico. A grande questão, agora, é como essa disputa entre a maior potência marítima do planeta, os Estados Unidos, e a maior potência continental, a China, vai se resolver.
No seu livro Sobre a China, o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger já apontava o deslocamento do eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico e advertia sobre os riscos da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China. Dizia que, no século passado, houve duas guerras mundiais por causa da disputa entre a Inglaterra, uma potência marítima, e a Alemanha, uma potência continental, pelo controle do comércio no Atlântico. A grande questão, agora, é como essa disputa entre a maior potência marítima do planeta, os Estados Unidos, e a maior potência continental, a China, vai se resolver.
A grande contribuição do livro de Kissinger quanto a isso é
seu esforço no sentido de construir pontes diplomáticas do Ocidente com a
China, a partir de sua própria experiência, pois foi o grande artífice da
reaproximação entre os dois países em plena guerra fria. A conduta chinesa nos
âmbitos dos direitos humanos e de seu “imperialismo” regional sempre foi alvo
de ataques por parte dos países ocidentais, a partir da aproximação entre os
dois países houve uma mudança de eixo de percepção do Ocidente sobre os
chineses, que deram uma guinada econômica em direção ao capitalismo
excepcionalmente bem-sucedida, a ponto de a percepção da opinião pública
mundial mudar completamente em relação aos chineses. No lugar da imagem dos
guardas vermelhos da Revolução Cultural de Mao Tse Tung, surgiram os grandes
grupos de turistas ávidos pelo consumo da cultura ocidental, com suas roupas,
bolsas e tênis de marcas, além de smartphones de última geração.
Entretanto, ninguém se iluda, o regime político continua
sendo uma ditadura do Partido Comunista, o status autônomo de Hong Kong não
será restabelecido e a China tornou-se uma potência econômica com crescente
projeção militar sobre o Pacífico, o Índico e a costa africana do Atlântico
Sul. No caso do Brasil, continuará sendo o nosso principal parceiro comercial,
mas não temos o mesmo poder de barganha dos Estados Unidos para defender nosso
parque produtivo nesse novo cenário criado pelo acordo.
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