sábado, 18 de janeiro de 2020

PEÇA TRAGICÔMICA

Editorial Folha de Folha de S.Paulo
O episódio tragicômico de um vídeo lamentável com referências ao nazismo e a demissão do ex-secretário da Cultura Roberto Alvim revelam como a permissividade com o autoritarismo chancelada pelo presidente Jair Bolsonaro gera frutos cada vez mais nefastos.
Não fossem as atitudes cotidianas do próprio presidente da República nesse sentido, seria difícil imaginar que um auxiliar direto se sentisse livre para encenar uma peça tão descabida.
Nas ocasiões em que um de seus filhos, Eduardo, e um ministro, Paulo Guedes (Economia), aventaram a adoção de algo parecido com o AI-5 no Brasil, Bolsonaro não se incomodou, abrindo a porteira agora arrombada por Alvim. 
Nesse caso, nem o principal ideólogo do obscurantismo bolsonarista acreditou: "É cedo para julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça”, comentou Olavo de Carvalho sobre o vídeo em que Alvim copia trechos de discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler.
Alvim havia postado a peça para divulgar o Prêmio Nacional das Artes, lançado horas antes de participar de uma transmissão ao vivo com o presidente. Em seu discurso, o ex-secretário repetiu frases de um pronunciamento de Goebbels para diretores de teatro durante o período da Alemanha nazista. 
Além de copiar o discurso do famigerado ministro, Alvim usa no vídeo a mesma estética de Goebbels, imitando sua aparência e o tom de voz. Outra referência ao nazismo é a música de fundo, da ópera “Lohengrin”, de Richard Wagner, obra que Hitler contou em autobiografia ter sido decisiva em sua vida.
A peça só não é cômica pelo fato de ter sido feita a sério e produzida por alguém que deveria ser responsável pela cultura de um país democrático como o Brasil. 
A falta de noção de Alvim foi tamanha que mesmo que quisesse apenas agradar o chefe, cujo retrato aparece ao fundo no vídeo em questão, teria se equivocado. Há cerca de um ano, o próprio Bolsonaro criticou indiretamente o nazismo ao afirmar que ele era um movimento de esquerda, numa tentativa estapafúrdia de vinculá-lo ao Partido dos Trabalhadores. 
O obrigatório afastamento do ex-secretário bajulador foi rápido, mas não evitou que o governo Bolsonaro tenha afundado um pouco mais no ridículo perante a opinião pública, dentro e fora do país.
O episódio serve de lição para que o governo escolha com mais critério auxiliares para postos de responsabilidade —e de alerta para a sociedade e as instituições da República sobre até onde o governo Bolsonaro é capaz de chegar. Trata-se de uma linha vermelha que jamais deveria ter sido ultrapassada.
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