quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

SE TUDO FOSSE AMARELO, NADA SERIA AMARELO

Fabio Alperowitch, Folha de S.Paulo
Ouvi a frase que escolhi como título deste artigo do meu professor de direito há cerca de três décadas, creio eu parafraseada do dramaturgo Luis de Tavira. Adormecida, a frase voltou subitamente a me instigar.
Nos últimos dias, as redes sociais ficaram ensandecidas: grupos criticando o mercado financeiro ao verem a Bolsa de Valores quebrando recordes históricos concomitantemente à disparatada aparição do então secretário da Cultura, Roberto Alvim, que dispensa maiores adjetivações. “Como pode o mercado ser tão insensível e tosco ao negligenciar tal ato?” Comentários dessa natureza inundaram não só as redes sociais, como também matérias e editoriais de veículos de todos os portes.
Paradoxalmente, exatamente na mesma semana, o maior gestor de ativos do mundo, a BlackRock, com US$ 7 trilhões de ativos sob gestão, aderiu ao Climate Action 100+, colocando a sustentabilidade no cerne de sua filosofia de investimento, e assumindo o compromisso público de engajar as empresas a fazerem o mesmo. Serão mesmo os investidores tão insensíveis?
Ao fazer conjecturas de que o “mercado” é isso ou aquilo, parte-se do pressuposto de que existe uma entidade chamada mercado com um pensamento único, em uma rasa generalização que, muitas vezes, esses mesmos críticos reclamam de serem vítimas de tal fato.
Infelizmente, casos como o acima citado vêm ocorrendo numa frequência maior do que a coerência pode pressupor. Uma parcela do dito “mercado” também muitas vezes se perde em considerações e pressupostos, os quais teriam mérito uma nova reflexão.
Por uma razão antropológica qualquer, assuntos referentes a direitos humanos foram associados a uma ideologia no Brasil e, consequentemente, repelidos pela ideologia adversa. Esse fenômeno não ocorre, por exemplo, na Europa, onde claramente tais temas são corretamente considerados acima de qualquer ideologia.
O ambiente altamente polarizado no qual vivemos tem causado dois fenômenos antagônicos. Há uma parcela das pessoas que considera os aspectos ideológicos em primeiro lugar. Chega-se à insensatez de julgar talento musical por ideologia, e acaba que uns não ouvem mais Chico Buarque, e outros não ouvem mais Lobão, como se a visão de mundo fosse prerrogativa para o talento.
Contudo, há outra parcela da população que, justamente por vivermos em meio à polarização, sente mais interesse e vontade de expor seus valores e propósitos, em uma necessidade de se afastar do debate mais extremado.
Voltando ao referido “mercado”, é exponencialmente crescente o número de investidores que buscam algo além de retorno financeiro. Sem prejuízo de seus rendimentos, cada vez mais tem sido relevante buscar a forma e não só o fim. Ou seja, a busca do lucro precisa, para esses, estar alinhada com seus valores éticos, sociais e ambientais, rejeitando oportunidades que não possuam tal orientação.
Engana-se quem crê que uma parcela pequena dos investidores pense assim. Calcula-se que já haja US$ 50 trilhões investidos com preocupações ASG (ambientais, sociais e de governança corporativa). Igualmente engana-se quem pensa que no Brasil não funcione assim. Embora não haja uma estatística doméstica clara, é nítido que esse tema esteja cada vez mais alto na agenda dos investidores domésticos, em um fenômeno que está ainda em seu início.
Muitas empresas estão trazendo o debate da sustentabilidade para o âmago de seus planos de negócio, e algumas delas já transformaram o assunto em vetor de prioridade na criação de valor.
As companhias mais atentas já entenderam que o capitalismo está em metamorfose, e cabe às mesmas se adaptarem. A busca do lucro a qualquer custo tende, curiosamente, a reduzir os lucros futuros; ao passo que a busca da criação de valor para todos os “stakeholders” —acionistas, colaboradores, clientes e fornecedores— tende a elevar os lucros futuros. Ainda que pareça contraditório, ao dividir, multiplica-se.
O conceito da palavra sustentabilidade é ainda muito erroneamente percebido. No sentido estrito, ainda se associa ao verde e ao meio ambiente, pura e simplesmente. Considerando uma lógica mais ampla, tem mais a ver com perpetuação.
O embate dos que veem o “mercado” como vilão versus o “mercado” que vê questões socioambientais como ideológicas é um tanto pequeno e tacanho. Ao tirar os preconceitos e ver o mundo sob novas lentes, aquele mundo todo amarelo que meu professor me alertou seria um tanto mais interessante.
Fabio Alperowitch
Cofundador e diretor financeiro da Fama Investimentos
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