Imagine there’s no heaven/It’s easy if you try/
No hell below us/Above us only sky/
Imagine all the people living for today
JOHN LENNON
No hell below us/Above us only sky/
Imagine all the people living for today
JOHN LENNON
Serão meses muito difíceis. Poderemos perder pessoas
queridas — próximas ou não. Ficaremos em isolamento, nossas vidas de pernas
para o ar. Talvez tenhamos a doença, talvez não. Como muitos, sou de uma
geração para a qual as grandes guerras são de interesse histórico, mas não
estão no plano da vivência, da travessia. Sou de uma geração para a qual a
gripe espanhola, que matou dezenas de milhões de pessoas, pertence aos livros e
aos artigos científicos. Não pretendo minimizar a gripe espanhola e o sofrimento
que ela causou. Mas ela foi uma gripe. O Covid-19, como tenho dito, não é.
Será duro, insisto. E todo mundo precisa de um alívio, de
uma exalada forte, de um pouco de alento nesses tempos de incerteza brutal e de
muita dor.
“É nosso dever darmo-nos algum alívio, construído pelo
exercício da imaginação”
Assim como a imaginação nos serve para construir cenários e
pensar sobre a crise, como ela haverá de se manifestar e que medidas o governo
deve tomar — escrevi sobre o assunto recentemente neste espaço — a imaginação
também pode nos orientar para o que virá depois. E haverá um depois, isso é
certo. Países não vão desaparecer, o mundo não vai desaparecer. A China não
desapareceu. A Itália — quanta dor pela Itália — tampouco desaparecerá. Então,
o que pode vir depois? Pode ser que o mundo se desarranje por completo, pode
ser que tudo permaneça desarticulado por muito tempo. Mas prefiro imaginar
saídas pela capacidade de superação das pessoas. E prefiro imaginá-las a partir
de alguns sinais dados pelas respostas de política econômica mundo afora.
Logo antes de a crise estourar, um dos grandes problemas
para a economia mundial era a desigualdade e suas ramificações políticas. Vimos
muitos eleitores ao redor do planeta irem às urnas com raiva e desilusão, não sem
razão. Em muitos casos, da raiva e da desilusão vieram os populistas, os
extremistas, os nacionalistas. Parecia que um ciclo se fechava, abrindo outro
sombrio. Mas, de súbito, tudo parou. Governos eleitos pelo calor visceral que
havia tomado a sociedade foram forçados a mudar de rumo. E falo de líderes
autoritários, refratários à ciência, veiculadores de notícias falsas,
misóginos, racistas e merecedores de tantos outros adjetivos que não cabe
citá-los, porque o espaço acaba. Viram a húbris e a valentia imaginária
sucumbir a uma fitinha de RNA. O vírus, em seu estado natural — fora do corpo
humano —, não passa de algo que derrete ao toque de um sabonete. Entretanto,
ele leva vidas como derruba mitos.
Há dez dias, ninguém imaginava que o governo de Donald Trump
ofereceria cheques para sustentar a população americana. Há dez dias, ninguém
imaginava que Paulo Guedes e sua turma do Estado minimalista viriam a mudar
radicalmente o discurso, agora voltado para os mais pobres e para os mais
vulneráveis. Considero as medidas anunciadas ainda insuficientes, mas isso já
não importa mais. O Rubicão foi cruzado. Repito: o Rubicão. Os olhos do governo
foram forçosamente voltados para aqueles que muita gente resiste a enxergar.
Pensei em Victor Hugo.
A crise será longa, o que significa que as medidas e a
visibilidade dos vulneráveis não desaparecerão. O mundo que renascerá disso,
imagino, será marcado por uma construção mais atenta à solidariedade. Um mundo
em que o momento presente, este agora em que talvez você esteja lendo este
artigo preso dentro de sua residência, espero que cercado de pessoas queridas,
passe a ser o mais importante de todos. Neste mundo, em que o presente se
impõe, é muito difícil ignorar nossa própria humanidade e os gestos que dela
nascem para acolher os menos afortunados.
Para enfrentar o que vem pela frente, deixo a imaginação.
Deixo os versos de John Lennon:
No need for greed or hunger/A brotherhood of man/Imagine
all the people sharing all the world.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute
for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins
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