sexta-feira, 20 de março de 2020

O PÃO MAIS DURO

Editorial O Estado de S.Paulo
Entre 2009 e 2018 o desemprego no mundo declinou gradualmente. Mas essa tendência se estancou e deve permanecer estagnada por ao menos dois anos, segundo o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) Perspectivas Sociais e do Emprego no Mundo. Não à toa, a organização destaca que 7 entre 11 sub-regiões do globo experimentaram um crescimento na incidência de protestos contra o desemprego e suas consequências.
O declínio no desemprego dos últimos anos se deu sobretudo nos países de renda alta. Isso, diga-se de passagem, serve como um contra-argumento ao temor generalizado de que as transformações tecnológicas estão levando ao desemprego em massa. Em contraste, países de renda média que passaram por crises econômicas mantiveram altas taxas de desemprego e é improvável que consigam revertê-las nos próximos anos.
A OIT estima que há 188 milhões de desempregados no mundo, ou 5,4% da força de trabalho. Somados a toda mão de obra subutilizada, são 470 milhões (13%) de pessoas. Dos 3,3 bilhões de trabalhadores do mundo, 2 bilhões (61%) são informais. Destes, 1,4 bilhão trabalha em países de renda média ou baixa, em condições vulneráveis e por remunerações bem menores que as dos assalariados típicos. Mais de 630 milhões de trabalhadores, quase 1 em 5, não recebem o suficiente para tirar a si mesmos e suas famílias da faixa de pobreza extrema ou moderada. Nos países de renda baixa essa parcela chega a 66% dos trabalhadores.
Some-se a isso as disparidades de gênero e de geração. A força de trabalho ativa das mulheres é de 47%, enquanto a dos homens é de 74%. Na América Latina, o nível médio de educação das mulheres é mais alto, mas elas recebem 17% menos, uma situação ainda mais dramática quando se considera que o número de lares sustentados por mulheres está em ascensão. O aumento da coabitação, de divórcios e de mães solteiras faz com que no Brasil, por exemplo, as mulheres já sejam chefes de família em 30% dos lares. Cerca de 267 milhões de jovens no mundo (22%) não trabalham nem estudam. Mesmo na Europa e Ásia Central a qualidade dos empregos para os jovens foi prejudicada pela crescente incidência de empregos temporários.
Além de todos esses desafios, o volume total de capital disponível para o trabalho tem encolhido. Entre 2004 e 2017, a parcela de renda do trabalho – em oposição à renda auferida pelos detentores do capital – declinou de 54% para 51%. Segundo a OIT, este decréscimo está em grande parte relacionado à erosão da renda dos autônomos, com a proliferação de novas formas de trabalho precário e informal.
Entre os próprios trabalhadores a desigualdade de renda é expressiva. Os 10% mais bem pagos recebem em média US$ 7.400 ao mês, enquanto os 10% mais pobres recebem US$ 22. Em quase todos os países – com algumas exceções, como China e Índia – a desigualdade de renda está estagnada, e, segundo as revisões estatísticas da OIT, é maior do que se supunha anteriormente.
Para o Brasil, as projeções são angustiantes. Entre 2019 e 2025, a taxa de desemprego deve cair apenas de 12% para 11,4% (acima da média mundial de 5,4%). Ou seja, em cinco anos o número de desempregados recuaria apenas de 12,8 milhões para 12,6 milhões. Entre os jovens o índice de desemprego hoje é de 25%. No total, somando-se subempregados, desalentados, informais e outros em condições precárias, a mão de obra subutilizada chega a quase 25 milhões, cerca de 25% da força de trabalho, bem acima da média mundial de 13%.
Trata-se de uma tragédia humanitária que demanda a atenção de todos. As medidas do governo para estimular a contratação se reduziram a baratear a mão de obra para os empregadores. Mas não há por que eles contratarem quando a capacidade ociosa da indústria, por exemplo, oscila na casa dos 25% a 30%. Por mais tração que as reformas e medidas do governo consigam dar à economia, o desemprego seguirá alto por alguns anos. É imperativo que o governo Bolsonaro dê mais atenção às políticas sociais do que deu em seu primeiro ano.
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