O Brasil poderá dar importante salto no complexo universo de
defesa amanhã, em Miami, quando fecha um acordo com os Estados Unidos para pesquisa,
desenvolvimento, testes e avaliação de produtos nessa área. Esse acordo
materializa a aliança extra-OTAN, amplia o acesso do Brasil ao riquíssimo
mercado internacional de defesa e, indiretamente, melhora a posição brasileira
na disputa por uma vaga à OCDE.
O Brasil é o 14.º país no seleto grupo que já fez esse mesmo
acordo com os EUA, sob a sigla RDT&E. Nenhum deles é da América Latina, nem
mesmo do Hemisfério Sul: França, Inglaterra, Itália, Holanda, Alemanha, Índia,
Suécia, Estônia, Finlândia, Noruega e Coreia do Sul. O objetivo é harmonizar
produtos de defesa com base nos EUA e na OTAN.
Depois de jogar todas as fichas na aproximação com os EUA,
sem receber o equivalente em troca, finalmente o presidente Jair Bolsonaro –
que jantou ontem com Donald Trump em Palm Beach – pode dizer que está fazendo
um gol. Para Defesa e Itamaraty, um golaço. Para os céticos, uma dúvida: o
governo tem obsessão por defesa, mas e a desigualdade social?
Não confundir indústria de defesa com indústria de armas e
munições, que reúne só 1,7% das empresas do setor no Brasil. Todo o resto é, em
resumo, nas áreas de satélites, comunicações, segurança cibernética,
plataformas terrestres e navais, controle aéreo e por aí afora. De todas, só
três são estatais, Emgepron, Imbel e Amazul.
Do ponto de vista estratégico, essas áreas não dizem
respeito só às Forças Armadas, mas trazem benefícios para a tecnologia, a
indústria em geral e a sociedade civil, como ocorreu com a internet e o GPS,
entre tantos outros.
Do ponto de vista econômico, o governo considera que “o céu
é o limite”, pela grande sofisticação, altos preços e mercado internacional do
setor. Com o selo RDT&E, os produtos brasileiros terão outro patamar. Há,
ainda, a questão da tecnologia e do treinamento de pessoal no Brasil, onde a
defesa já responde por 250 mil empregos diretos e igual número de indiretos,
com uma renda três vezes maior que a média nacional e um efeito multiplicador
poderoso: cada real aplicado tem potencial de gerar 9,8 reais na economia.
O acordo, que será assinado pelo chefe do Estado-Maior
Conjunto do Brasil e pelo comandante do Comando Sul dos EUA, não envolve
recursos. Isso é uma outra história, ou um outro acordo, ainda não em
discussão, mas já no radar do Brasil: o RDT&F, sendo o F de “funding”, ou
financiamento. Além do acordo de defesa, Bolsonaro já assinou o decreto do
“Global Entry”, para ampliar a dispensa de vistos para grandes empresários, e
estão em pauta em Miami comércio, troca de tecnologia, investimentos e
infraestrutura. Até por isso, é estranho que Paulo Guedes não vá. De repente,
pressa para as reformas?
Não se pode diminuir a simbologia de Trump abrir as portas
para um jantar, sábado à noite, para o brasileiro, mas o encontro teve caráter
informal, não de reunião de trabalho para percorrer a extensa agenda comum. Até
porque, cá pra nós, nenhum dos dois gosta dessas chatices.
Também não custa lembrar: quem é melhor comerciante, Trump
ou Bolsonaro? Aliás, se um tema era certo no jantar, era o 5G. Trump não quer
nem ouvir falar em 5G da China, só não se sabe como colocaria para Bolsonaro:
em forma de advertência, ameaça ou premiação pela decisão. Mas a pressão é
forte. A ver.
Para Bolsonaro, o troféu da viagem será a foto com Trump,
mas Trump não é eterno, os EUA não são os únicos parceiros e a nossa verdadeira
guerra é a tragédia social. Não adianta ser aliado extra-Otan dos EUA e entrar
na OCDE só com o discurso de que, um dia, quem sabe, isso reverterá para toda a
sociedade. Quem tem fome tem pressa.
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