Com a exposição das falas tétricas da reunião ministerial de
Bolsonaro, saem do Planalto sinais de preocupação diante de um eventual estrago
que possa ocorrer nas relações do Brasil com a China.
Se um ministro chinês dissesse que o Brasil “é aquele cara
que cê sabe que cê tem de aguentar”, porque eles nos vendem proteínas de que
precisamos, e outro acrescentasse que a “globalização cega” levou o país a
comprar alimentos de quem espalhou o “comunavírus”, a milícia bolsonarista
estaria com a faca nos dentes. Bizarrices desse tipo partiram dos ministros
Paulo Guedes, na reunião, e Ernesto Araújo, num artigo.
O professor Delfim Netto já ensinou que os governos precisam
abrir a quitanda pela manhã, com berinjelas para vender e troco para a
freguesia. O governo de Jair Bolsonaro só abre à noite, não tem troco nem
legumes, e briga com as freguesas. À primeira vista faz isso movido por
estranhas convicções, mas as encrencas que ele cria com a China são produto da
inépcia.
Durante a existência do capitão, a diplomacia brasileira
cuidou de grandes questões que envolviam o interesse nacional. Assim foi com o
estranhamento ocorrido no século passado com a Argentina em torno da construção
da hidrelétrica de Itaipu, ou mesmo com os Estados Unidos durante o governo de
Jimmy Carter em torno do Acordo Nuclear assinado com a Alemanha. Nesses dois
casos, existiam contenciosos. Com a China não há contencioso algum, salvo
recônditos sentimentos racistas. No limite, o Império do Meio acaba mal falado
porque compra berinjelas brasileiras. O doutor Guedes diz que “tem que
aguentar” o chinês e orgulha-se de ter lido obras do economista John Maynard Keynes
“três vezes, no original”. Ler o inglês no original é motivo de orgulho, vender
soja para o chinês chega a ser um desconforto.
O povo chinês viveu o que ele mesmo chama de “século da
humilhação”. O palácio de verão dos imperadores foi saqueado por uma tropa
anglo-francesa em 1860 e no início do século passado um parque localizado no
enclave internacional de Xangai tinha um cartaz que avisava: “Proibida a
entrada de cachorros e de chineses”. Quando o ministro da Educassão Abraham
Weintraub fez graça brincando com a fala do Cebolinha para sugerir que a China
seria a beneficiária da ruína provocada pela pandemia, sabia que lidava com um
preconceito. Seu erro estava em julgar-se superior aos chineses, e muita gente
pensa assim.
Em 1979, quando o poderoso Deng Xiaoping visitou Nova York,
precisou pedir dinheiro a um amigo para comprar um presente para sua neta, uma
boneca que chorava e fazia xixi. Hoje as crianças americanas brincam com
bonecas chinesas.
Na transcrição liberada com embargos pelo ministro Celso de
Mello, Bolsonaro disse que “não queremos brigar com XXXXXX, zero briga com a
XXXXX.” A XXXXX não briga, espera.
Fica aqui o registro de que o ministro zombou da curiosidade alheia nos embargos que impôs ao texto da fatídica reunião de 22 de abril. Alguns cortes são risíveis, pois basta medir o trecho suprimido para se perceber o que está escrito ali.
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