O Ministério da Educação mantém-se fiel à tradição, no
governo Jair Bolsonaro, de protagonizar crises políticas. A gestão de uma pasta
fundamental para o desenvolvimento do país começou mal, avançou mandato adentro
de forma trôpega e, durante a pandemia, apequenou-se.
O setor tem diversos desafios a enfrentar. Muitos deles se
tornaram urgentes, mas outros poderiam ter sido resolvidos há tempos.
Os potenciais problemas da pasta tornaram-se perceptíveis já
no período de transição, no fim de 2018. Militares e acadêmicos que formulavam
seu planejamento estratégico foram surpreendidos quando Ricardo Vélez Rodríguez
entrou no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) como um professor pouco
conhecido e saiu como o indicado para ocupar a função de ministro de Estado. A
vaga era entregue à ala ideológica que formava a base eleitoral do presidente
recém-eleito, criando severos obstáculos à execução do plano programado pelos
técnicos que integravam este grupo setorial da campanha eleitoral.
Não demoraria para que Vélez caísse. Mesmo assim, o cargo
permaneceu sob influência do grupo que passou a usar a política externa, além
das áreas de direitos humanos e da educação, para manter militantes
bolsonaristas mobilizados em defesa de um governo com cada vez mais frentes de
batalha nos campos político e jurídico.
Não foi à toa que estas três áreas foram expostas, com a
divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril.
O episódio colocou o titular do Ministério da Educação,
Abraham Weintraub, no epicentro das turbulências hoje existentes entre o
Executivo, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Legislativo. Ele chegou a se
manifestar com tanta eloquência na reunião que o presidente pediu mais
engajamento de outros ministros citando seu exemplo, mas de “forma mais educada
um pouquinho”. Weintraub colocou-se aos presentes como militante e nada do que
falou poderá ser reproduzido em livros infantis.
O resultado não poderia ser mais preocupante para um gestor
com diversos assuntos a despachar com os outros Poderes. A capacidade de
articulação institucional de Weintraub é, hoje, uma nulidade. A notícia
positiva para ele, por outro lado, é que justamente essa disposição para o
enfrentamento foi que o manteve, pelo menos até agora, no cargo.
No fim de 2019, sua demissão era dada como certa por
auxiliares do presidente. Bolsonaro precisou negar que estaria planejando mudar
novamente o comando da Educação, sempre com o argumento de que gestões
anteriores teriam deixado o Brasil pessimamente posicionado no Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Antes de exonerá-lo,
ponderava, seria justo dar crédito e condições para o ministro trabalhar.
E resultados é o que se espera neste momento em que a
pandemia pode gerar graves danos para o ensino, para a vida de pais, mestres e
alunos, além de também afetar a solvência de empresas do setor.
A reação inicial do governo até que foi ágil. O Planalto
enviou ao Congresso um pedido para que fosse reconhecida a situação de
calamidade pública em meados de março. No primeiro dia de abril foi editada uma
medida provisória voltada especificamente para a área da educação durante a
pandemia.
A MP flexibiliza o calendário escolar para garantir que os
alunos tenham acesso a todas as horas-aula relativas aos 200 dias letivos
exigíveis pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ou seja, 800
horas anuais, mesmo que de forma remota.
O Executivo reconheceu, na MP, a gravidade da covid-19 e os
potenciais riscos das inevitáveis aglomerações que ocorreriam nas creches,
escolas e universidades. Mas, desde então, outros gestos do Ministério da
Educação e do próprio presidente não corroboraram com essa visão.
Bolsonaro tentou articular com o governador do Distrito
Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que colégios cívico-militares encabeçassem um
movimento de retorno às atividades. A ideia não foi adiante.
Também falhou o plano do ministro de evitar o adiamento do
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). As discussões sobre o assunto passaram a
ser conduzidas diretamente entre a Câmara e o presidente.
O titular da pasta também tem sido alijado das discussões
sobre outro tema que angustia o setor e gestores locais: o financiamento da
educação. Uma proposta de emenda constitucional estabelecendo um novo Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica precisa ser aprovada e
regulamentada ainda neste ano, pois o atual Fundeb vale apenas até dezembro.
Deputados gostariam de aumentar a participação do governo
federal no financiamento da educação básica, mas prefeitos ouviram uma proposta
da equipe econômica que acabaria por não contemplar totalmente o setor. A ideia
seria privilegiar a destinação de verbas para a saúde, por causa da pandemia. Em
outras palavras, renovar o fundo como ele é hoje sem carimbar os recursos. As
prefeituras poderiam adquirir testes para covid-19, respiradores e outros
equipamentos médico-hospitalares, em vez de comprar material escolar. Não há
acordo ainda. A educação ficaria, novamente, em segundo plano.
Cabe ao poder central coordenar as ações do setor público e
da iniciativa privada. Será um erro deixar que pais e alunos considerem 2020 um
ano letivo perdido, mesmo que o futuro profissional dos estudantes ainda esteja
nublado.
À medida do possível e dependendo das limitações e especificidades de cada local, métodos de ensino remoto e de reposição do conteúdo perdido precisam ser objeto de total atenção do governo federal. O retorno às salas de aula também precisará ocorrer de forma ordenada e seguindo diretrizes sanitárias. Cada Estado ou município terá que saber o momento certo de fazê-lo. Voluntarismos vindos do ministério ou do Palácio do Planalto não contribuirão nesse processo, sobretudo se forem apenas para manter a militância aquecida. Misturar a situação atual com as discussões sobre a polêmica educação domiciliar, uma bandeira bolsonarista, tampouco parece ser boa ideia.
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