Uma das maneiras mais eficazes – e desonestas – de
interditar um debate é atribuir simploriedade às ideias do interlocutor,
enquadrá-las num “slogan” pejorativo e, assim, promover sua incompreensão no
imaginário histórico e coletivo de uma sociedade. De fato, muitas vezes, a
artimanha usada para sabotar o debate é mais engenhosa do que a iniciativa dos
que pretendem enriquecê-lo. E, desta forma, as sociedades não progridem.
A Ilha de Vera Cruz é, possivelmente, a maior vítima desse
perverso “controle” de ideias. Aqui, o passado não acaba nunca, a mistificação
costuma prevalecer sobre a lógica e a ciência, o que está visivelmente errado
não se muda porque, simplesmente, a maioria dos viventes, diz-se, não aceita.
E, assim, fazemos vistas grossas para o anacronismo e banalizamos nossas
tragédias.
Um exemplo inaceitável de banalização cotidiana: 60 mil
brasileiros vão morrer assassinados neste ano. Sessenta mil cidadãos vão perder
suas vidas em 2020 porque é esta uma estatística macabra. Há alguns anos é esse
o número de pessoas marcadas para morrer neste país. O perfil médio dos assassinados
é de jovens entre 17 e 24 anos, aqueles que, nas nossas famílias, nessa idade
estão estudando ou iniciando sua brilhante carreira profissional.
A estatística, esta implacável, nos envergonha e humilha,
como a perguntar: “Ei, vocês, como sociedade, não vão fazer nada para acabar
com isso?”.
Brasileiro deve odiar estatística porque essa maldita
ciência nos lembra, todo santo dia, o que somos como sociedade. Pois é. Por que
o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) teve a pachorra de
nos inscrever no PISA, exame que avalia a qualidade da educação por meio de
provas feitas por estudantes de 15 anos em três disciplinas (leitura,
matemática e ciências). Aplicado pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o “maldito” PISA faz um ranking do desempenho
de 80 países (36 integrantes da organização e 44 associados, isto é, que
pediram para participar do programa).
A cada dois anos, desde 2000, o Pisa nos informa que nossos
estudantes vão muito mal nas provas. O que o teste revela não deve ser
embaraçoso para nossos adolescentes, mas, sim, para nossa sociedade, que aceita
conviver com esse vexame há décadas, séculos, desde o início dos tempos.
No último exame do Pisa, realizado em 2018, nossos alunos
ficaram abaixo da média da OCDE nas três disciplinas. Ficamos na 57ª posição em
leitura, 70ª em matemática e na 66ª em ciências entre os 80 países avaliados.
Em 2018, a pontuação média em leitura do exame foi de 487 pontos. Em matemática
e ciências foi de 489 pontos. O Brasil ficou com 413 pontos em leitura, 384 em
matemática e 404 em ciências.
Os habitantes têm o hábito de fazer piada da própria
desgraça. Gostamos, por exemplo, de fazer troça dos atentados terroristas que
nossos jovens cometem contra a língua portuguesa em seus exames, que circulam
na internet para nos fazer rir da própria desgraça. A bordo de nossos carros,
lemos nas ruas e estradas anúncios escritos à mão, repletos de erros de português.
Novamente, achamos graça, embora, apenas, hoje em dia, apenas alguns de nós
percebam que, na placa onde se lê “aluga-se apartamentos”, o idioma sofre de
maus tratos.
O desconforto para quem se incomoda com tudo isso está no
fato de quase ninguém, neste imenso pedaço da Terra habitado por 210 milhões de
pessoas, importar-se com o assunto, principalmente, quem tem consciência da
mazela. Nos jornais, diariamente vemos economistas e empresários se queixando
da baixa produtividade da nossa economia, especialmente, da baixa qualidade da
nossa mão de obra. Nessas horas, o tom usado para tratar de nosso problema
secular é severo, sem espaço para piadas. Isso indica que nossas elites
intelectual e econômica, oxalá, reconhecem o problema, mas por que a situação
não muda?
Um outro caso, quase anedótico, de mistificação que se faz
contra o debate de ideias diz respeito à própria OCDE. A entidade foi criada em
1960 por um grupo de nações ricas da Europa, além dos Estados Unidos. É uma
organização multilateral, mas não tem o mesmo caráter do FMI ou do Banco
Mundial. Só entra para o clube quem é convidado.
O que faz a OCDE? A principal missão da instituição é
estabelecer boas condutas em várias áreas para as nações que a integram. Quem
as segue ganha um selo internacional que lhes garante, entre outras vantagens,
baixo custo creditício no mercado internacional. No Brasil, aplicamos à OCDE a
pecha de “clube dos ricos”, uma forma rasa de não haver a chance de entrarmos
para o grupo.
Na próxima coluna, trataremos do chamado “Consenso de
Washington”, cujas preceitos foram interditados pelo debate nacional como se
fossem algo maléfico para o país, a saber:
1.Disciplina fiscal. Altos e contínuos déficits fiscais
contribuem para a inflação e fugas de capital;
- Reforma
tributária. A base de arrecadação tributária deve ser ampla;
- Taxas
de juros. Os mercados financeiros domésticos devem determinar as taxas de
juros de um país. Taxas de juros reais e positivas desfavorecem fugas de
capitais e aumentam a poupança local;
- Taxas
de câmbio. Países em desenvolvimento devem adotar uma taxa de câmbio
competitiva que favoreça as exportações tornando-as mais baratas no
exterior.
- Abertura
comercial. As tarifas devem ser minimizadas e não devem incidir sobre bens
intermediários utilizados como insumos para as exportações.
- Investimento
direto estrangeiro. Investimentos estrangeiros podem introduzir o capital
e as tecnologias que faltam no país, devendo, portanto ser incentivados.
- Privatização.
As indústrias privadas operam com mais eficiência porque os executivos
possuem um “interesse pessoal direto nos ganhos de uma empresa ou
respondem àqueles que tem.” As estatais devem ser privatizadas.
- Desregulação.
A regulação excessiva pode promover a corrupção e a discriminação contra
empresas menores com pouco acesso aos maiores escalões da burocracia. Os
governos precisam desregular a economia. Direito de propriedade.
- Os direitos de propriedade devem ser aplicados. Sistemas judiciários pobres e leis fracas reduzem os incentivos para poupar e acumular riqueza.
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