Paulo Guedes já perdeu a guerra entre os liberais e os
“fura-teto”, como apelidou os que desejam ampliar os gastos públicos e driblar
a emenda do teto constitucional, que tem servido como âncora da política
econômica. O problema é que entre os “fura-teto” está o próprio presidente, que
nunca se preocupou com a disciplina fiscal, como mostra sua trajetória no baixo
clero. Agora, Bolsonaro conta como aliados os militares palacianos, o ministro
Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e também os novos aliados do
Centrão, ávidos pelas obras, contratos e verbas que se anunciam.
Sem privatizações
Às vésperas da apresentação do Orçamento de 2021, que deve
ocorrer no final do mês, essa disputa ficou escancarada. Na terça-feira, 11,
dois auxiliares diretos de Guedes pediram demissão: o secretário de
Desestatização, Salim Mattar, e o secretário da Desburocratização, Paulo Uebel.
Mattar, o bem-sucedido dono da Localiza que foi para Brasília a convite de
Guedes, saiu sem conseguir entregar privatizações, que nunca andaram no governo
Bolsonaro, apesar da promessa de arrecadação de R$ 1 trilhão. Uebel deixou o
time porque a Reforma Administrativa, prevista para conter os gastos com
funcionalismo, foi travada pelo próprio presidente. Só nas últimas semanas,
saíram Rubem Novaes (Banco do Brasil), Mansueto Almeida (Tesouro) e Caio Megale
(Secretaria da Fazenda). Marcos Cintra (Receita Federal) já havia deixado o
governo em 2019, assim como o liberal Joaquim Levy (BNDES), alvejado pelos
Bolsonaro. Os próximos da lista podem ser Waldery Rodrigues (Fazenda) e Carlos
da Costa (Produtividade, Emprego e Competitividade). “Alguns empresários
imaginaram que podiam ir para o governo e administrar como uma empresa privada.
Isso é um equívoco. Há regras, que estão na Constituição. O próprio Guedes
nunca teve experiência na área pública. Ele só vai permanecer se aderir ao toma
lá dá cá”, diz o economista Odilon Guedes, da FAAP.
Negando a realidade política, o ministro da Economia sempre
apostou que sua agenda liberal iria prevalecer. Mas a pressão chegou ao ponto
de ser tachado de “idiota” e “primário” pelos que lutam pela mudança no
Planalto. Na ala militar, o grupo anti-Guedes é liderado pelo general Braga
Netto (Casa Civil). No setor civil, pelo ministro Rogério Marinho. Sentindo-se
acuado e tentando usar seu prestígio junto ao mercado para receber apoio
explícito do presidente, o titular da Economia reagiu em público com uma ameaça
velada: “Os conselheiros do presidente que o estão aconselhando a pular a cerca
e a furar o teto vão levar o presidente para uma zona de impeachment”. Também
revelou os bastidores agitados no Planalto: “Um está reclamando que está indo
devagar e o outro está dizendo ‘vai no ritmo que eu quiser, eu sou o
presidente, eu que tive o voto. Se você quiser, você sai’”. Deu essa declaração
no mesmo dia em que se encontrou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a
quem recorreu para tentar barrar as tentativas de driblar o teto de gastos que
partem do próprio Palácio do Planalto.
Depois da “debandada”, como Guedes classificou o desmanche
na sua equipe, Bolsonaro procurou dar uma demonstração de apoio. Num encontro
encenado, reuniu um dia depois Guedes, Maia, o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre, e Marinho, que vai lançar nas próximas semanas o Pró-Brasil, o novo
PAC, um programa de investimentos em infraestrutura. “O norte do governo
continua sendo a responsabilidade fiscal e o teto de gastos”, disse o
presidente. Os mercados se agitaram com os indícios da mudança de rota. O dólar
subiu, exigindo intervenção do Banco Central, e a Bolsa recuou. Os títulos da
dívida de médio prazo começam a subir, antecipando os efeitos negativos
previstos com uma mudança na política econômica.
O risco de Guedes passar por uma fritura, como aconteceu com
o ex-ministro Sergio Moro, com desarranjos na economia, ficou concreto. Poucas
vezes se viu um ministro da Economia falar publicamente em “debandada” e em
impeachment. Se as desavenças no coração do poder eram veladas, agora ficaram
explícitas. O abandono da proposta liberal não vai levar a um enxugamento do
Estado, com redução de custos e maior eficiência. Em breve serão apresentadas
as linhas do Pró-Brasil e do Renda Brasil (o Bolsa Família repaginado), que não
contam com o apoio de Guedes e nada mais são do que pacotes sem lastro e sem
fundos para garantir a reeleição de Bolsonaro. Os próximos capítulos da briga
devem ser dramáticos.
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