Nesta semana, um episódio nos fez duvidar da humanidade. Uma
menina de dez anos, estuprada dentro de casa havia quatro, ficou grávida de seu
agressor. Menina que é, foi ao hospital porque estava com dor de barriga.
Descobriu-se grávida.
Autorizada pela Justiça para agir como já prevê a lei, pôde
interromper a gravidez fruto do estupro (hipótese de aborto legal prevista no
artigo 128, II, do Código Penal), que oferecia risco não só à criança feto mas
também à criança mãe (hipótese de aborto legal prevista no artigo 128, I, do
Código Penal).
Teve início o espetáculo macabro: uma ministra do governo
comenta o caso e irrompe a frente antiaborto.
A técnica usada? Constrangimento e ameaça. Os gritos de
“assassina” em frente ao hospital me lembraram Castro Alves clamando ao Deus
dos desgraçados: seria loucura ou verdade tanto horror perante os céus?
A crueldade da turba diante do hospital pode nos fazer
esquecer que eles não são os únicos representantes da fé. O intolerável carrega
perigos que vão além da crueldade e do absurdo. Nietzsche nos alerta que,
observado por tempo demais, o abismo olha para dentro de nós. Ao condenarmos o
intolerável, precisamos cuidar para não nos tornarmos intolerantes.
Nem todo religioso é fanático, e essa constatação simples
tem relevância fundamental num país em que o Estado é laico, mas o eleitorado,
em grande parte, é cristão.
Há mais lideranças entre os cristãos do que conhecem aqueles
que vivem fora da igreja. Para cada Mal —a exclusão do final do nome serve a
dois propósitos, o de ressaltar a qualidade e o de não dar visibilidade—
existem outros tantos bons.
Precisamos desse diálogo e dessa cooperação, pois também é
cidadão quem traz um terço, Bíblia ou o evangelho na mão. Se uma mulher não
fala por todas as mulheres, um negro não fala por todos os negros, um cristão
não fala por todos os cristãos. A generalização presta serviço ao fanatismo,
porque reduz uma coletividade diversa e complexa ao barulho e ao oportunismo.
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