Apologia da mentira
As edições desta quarta-feira dos principais jornais do país
ofereceram espaço tão generoso ao discurso de Bolsonaro durante a 2ª Cúpula
Presidencial do Pacto de Letícia pela Amazônia que só pude imaginar uma coisa:
ficaram tão chocados quanto eu fiquei, e e irão refutá-lo ponto por ponto. Isso
não aconteceu.
Sem tirar nem pôr, o discurso foi uma defesa apaixonada da
mentira. Bolsonaro disse que “não há nenhum foco de incêndio, nem um quarto de
hectare desmatado” na floresta. “É uma mentira essa história de que a Amazônia
arde em fogo”. Segundo ele, a floresta amazônica permanece “intacta”.
Afirmou que em julho último, o Brasil apresentou redução de
28% no desmatamento em relação a 2019, mas não mencionou que os números totais
indicam avanço de 34% no desmate. Os dados são do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), alvo de críticas do presidente no passado.
Repetiu a conversa de que convidou embaixadores e
representantes de outros países que defendem a proteção da Amazônia a
sobrevoarem região entre Manaus e Boa Vista para confirmar que está tudo bem. E
reforçou que, por ser uma floresta úmida, a Amazônia “não pega fogo”. Sim, “não
pega fogo”.
Como se não bastasse, referiu-se ao seu como um governo que
não tolera e muito menos incentiva a prática de crimes ambientais. Assegurou:
“Nossa política é de tolerância zero, não somente para o crime comum, mas
também para a questão ambiental. Combater os ilícitos é essencial para a
preservação da nossa Amazônia”.
O desmatamento na Amazônia que será divulgado em novembro
próximo será muito maior que o de 2019. As projeções indicam que a taxa deverá
ficar entre 12 mil km2 e 16 mil km2, uma escalada de aumento de destruição da
maior floresta tropical do planeta só comparável aos piores momentos de sua
história.
Dados dos satélites do Inpe mostram que, até 9 de agosto,
23.749 focos de calor foram detectados na Amazônia. Um aumento de 1% em relação
ao mesmo período do ano passado, que teve 23.420 focos. E a temporada de
queimadas está só começando: historicamente, o pico de registros acontece no
mês de setembro.
Um levantamento do Fakebook.eco, iniciativa do Observatório
do Clima e uma rede de organizações da sociedade civil para combater a
desinformação ambiental, revelou que, até 31 de julho, o Ibama gastou apenas
20,6% dos R$ 66 milhões autorizados para ações de fiscalização. É a execução
mais baixa dos últimos anos.
A aplicação de multas também caiu: foram 3.421 autos de
infração de janeiro a julho, uma queda de 52,1% em comparação com o mesmo
período do ano anterior. Em 2019, primeiro ano em do governo Bolsonaro e do
ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, observou-se uma redução de 17% das
multas ambientais.
Guedes tenta assustar Bolsonaro com o fantasma do
impeachment
O apagão do ex-Posto Ipiranga
De público, pelo menos, ninguém da equipe do presidente
Bolsonaro jamais ousara admitir que ele pudesse correr o perigo de ser deposto
por meio de um processo de impeachment. Paulo Guedes, ministro da Economia,
admitiu. Logo ele, tido como uma das colunas de sustentação do governo. A outra
coluna ruiu desde que Sérgio Moro demitiu-se do Ministério da Justiça.
Foi Bolsonaro que chamou Guedes de seu Posto Ipiranga, onde
nada falta e tudo se resolve. Poderia tê-lo chamado de ministro número 1,
tamanha a importância que lhe conferiu antes e depois de se eleger presidente.
Pois bem: o posto vem sofrendo sucessivos apagões. E se alguma vez foi o número
1, já não é mais. O título está sendo disputado por outros ministros em
ascendência.
O plano de Guedes para arrumar o governo e fazer a economia
crescer deu em pouca coisa por culpa do próprio ministro, das hesitações de
Bolsonaro em bancá-lo, e dos efeitos da pandemia do coronavírus. Resultado
natural: os principais auxiliares de Guedes começaram a debandar. Foram embora
frustrados e à procura de novos desafios. Guedes poderá segui-los em breve.
Nas últimas semanas, Mansueto Almeida deixou a Secretaria do
Tesouro, Caio Megale a diretoria de programas da Secretaria Especial da Fazenda
e Rubem Novaes a presidência do Banco do Brasil. Por fim, Salim Matar largou a
Secretaria da Desestatização, e Paulo Uebel a da Desburocratização. A perda de
tanta gente em tão pouco tempo foi batizada por Guedes de debandada.
Embora tenha dito que a reação do governo à debandada será
“avançar com as reformas”, Guedes passou todos os sinais de quem nem ele
acredita mais no que diz. Na mesma ocasião, ao lado de Rodrigo Maia (DEM-RJ),
presidente da Câmara dos Deputados, e empenhado tanto quanto ele em aprovar as
reformas, Guedes comentou como se tirasse o seu da reta e apontasse para o
alto:
– Se o presidente da República quiser mandar alguma reforma,
ela é mandada. Se ele não quiser, não é mandada. Quem manda não é o ministro.
Quem manda não são os secretários, e o secretário quando o negócio não tiver
andando, ele pode desistir ou ele pode insistir. Então, é simplesmente isso que
aconteceu.
Contou o que ouviu dos dois mais recentes demissionários:
“Em nome da transparência, o Salim hoje me disse o seguinte: ‘A privatização
não está andando. Eu prefiro sair’. E o Uebel me disse o seguinte: ‘A reforma
administrativa não está sendo enviada. Eu prefiro sair’. Esse é o fato. Essa é
a verdade”. A estocada final de Guedes teve endereço certo:
– Se tentarmos [em 2021] seguir com o [atual] padrão de
gastos iremos para o caos. Os conselheiros do presidente que o [instigam] a
pular cerca e a furar teto o levarão para uma zona de incerteza, uma zona
sombria. Uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal e o presidente
sabe disso. Então, o presidente tem nos apoiado.
Não, Bolsonaro não tem apoiado Guedes como ele esperava.
Como seu único objetivo é se reeleger, deixou-se seduzir pela ala militar e
civil do governo que quer gastar mais com obras de infraestrutura e programas
assistencialistas. Tudo por mais votos no curto prazo. Teto de gastos? Dá-se um
jeito de driblá-lo. Reforma administrativa? Fica para depois.
E não adianta o choro do mercado financeiro, nem as críticas
dos que acreditaram no discurso das reformas. Nos cálculos de Bolsonaro e dos
que roubaram seu coração, em 2022 os chorões e os críticos estarão condenados a
votar nele para barrar a volta da esquerda ao poder. É prego batido e ponta virada.
Se quiser sobreviver, Guedes terá de abrir o cofre. Vida que segue.
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