quinta-feira, 20 de agosto de 2020

PEÇAS QUE SE MOVEM

Editorial Folha de S.Paulo
No interminável xadrez do Oriente Médio, a região geopoliticamente mais complexa do mundo, às vezes as peças se movem.
Foi o que aconteceu, com a devida fanfarra eleitoral do patrono Donald Trump, no acordo entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, anunciado na semana passada.
Pelo arranjo, a monarquia do golfo Pérsico deve se tornar o terceiro país árabe a estabelecer relações com o Estado judeu, depois de Egito (1979) e Jordânia (1994).
A diferença é que aquelas nações haviam combatido Israel. Agora, os Emirados na realidade querem a cooperação para eventualmente lutar ao lado de Tel Aviv. O paradoxo de uma paz para a guerra encontra sua explicação atravessando as águas do Golfo Pérsico, no Irã.
O país dos aiatolás opera há décadas uma expansão regional, por meio de grupos xiitas em lugares como o Líbano ou o Iêmen.
Do outro lado, está o centro do mundo sunita, o ramo majoritário do Islã, no Oriente Médio —a Arábia Saudita. Os potentados da península Arábica no geral se alinham ao soberano em Riad, com a notável exceção do Qatar. Há anos existem contatos discretos entre israelenses e esses sunitas.
Agora, rasga-se o véu de segredo, em nome de uma aliança que, se der certo, deverá atrair outros árabes moderados. A contenção do Irã pode ser buscada pela via econômica, mas a história não permite descartar a via do conflito armado.
Como no caso do inócuo plano de paz apresentado por Trump no começo deste ano, o sujeito oculto do processo é a questão palestina.
Aos erros de suas lideranças e à opressão israelense, ora política oficial americana, soma-se enfim o pragmatismo de um Estado árabe em relação aos palestinos.
Os Emirados tentaram disfarçar, colhendo uma promessa morna de suspensão do plano de Binyamin Netanyahu de anexar 30% das áreas da Cisjordânia com apoio dos EUA.
Da mesma forma, houve protestos entre árabes, além da previsível queixa do Irã. O mais provável, contudo, é que os palestinos sejam deixados para trás em sua causa nacional, abrindo o caminho para novos e perigosos movimentos de peças no tabuleiro.
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