O Pantanal é uma lindeza. Quem vê não quer parar de olhar
aquela beleza de alagado, aquela multidão de pássaros. Há pontos do Pantanal
que se a gente admirar bem cedinho fica pensando que deve ter sido assim o
começo do mundo. São 150 mil km2 no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Até o dia
13, estavam queimados 29 mil km2. Isso é um quinto do bioma. Mas o fogo avança
um pouco mais a cada dia. No Parque Estadual Encontro das Águas, 85% da área
está queimada e lá moram onças pintadas. O Pantanal é a maior planície alagada
do mundo. O Brasil tem tudo imenso quando o assunto é ativo ambiental. É dono
da maior parte da maior floresta tropical do planeta. Tem a maioria das águas
da maior bacia hidrográfica do mundo. Que tamanha insensatez a nossa.
— A gente está assistindo a uma tragédia anunciada e
crescente. No começo do mês, eram 12% do Pantanal afetados e agora aumentou
para 19%. A fauna está sendo muito atingida, os animais estão desidratados e
sem comida e isso vai acabar afetando todo o ciclo de reprodução de animais
listados em situação de extinção. A gente está vendo também um impacto
econômico imenso — diz a cientista política Alice Thuault, diretora adjunta do
Instituto Centro de Vida (ICV).
Nossas aflições se somam. O que afeta a Amazônia agrava o
problema no Pantanal, que precisa do Cerrado. Os biomas se falam.
— O nível dos rios está muito baixo. Isso é cíclico, mas o
desmatamento da Amazônia está impactando o equilíbrio do Pantanal. Eu digo que
é tragédia anunciada porque todo mundo viu o que estava acontecendo, e a gente
não deu conta, como sociedade, de colocar isso na agenda pública, dos tomadores
de decisão — diz Alice Thuault.
Os tomadores de decisão no Brasil estão empurrando o país
para o abismo ambiental. Este governo desprezou todos os alertas, desmontou o
Ibama e o ICMBio, tirou dinheiro dos seus orçamentos, não liberou os recursos
que tinha em caixa, estimulou insistentemente o crime ambiental por atos, por
palavras, por portarias e instruções, passando sempre a boiada nas leis.
Espantou até os países que estavam doando para o Brasil proteger suas riquezas.
— Pelo corte de recursos, a máquina pública não está presente.
O dinheiro do Fundo Amazônia está fazendo falta nas ações de preservação. O
Mato Grosso tem um Corpo de Bombeiros antigo, mas que está sem orçamento. O
Prevfogo, do Ibama, este ano não fez a qualificação de brigadistas, por causa
da Covid — diz a diretora do ICV.
Perto do Parque Encontro das Águas fica a Baía do Guató,
última terra indígena demarcada. Todas as aldeias dos Guató foram destruídas
pelo fogo que não começou lá, mas sim em terras vizinhas:
— Hoje recebi a imagem da água que eles têm para beber,
parece barro. Na Baía dos Guató foram protocolados vários pedidos para montar
brigadas. Estão todos esquecidos do poder público. Primeiro é preciso apagar o
fogo, depois será necessário socorrer as comunidades. Os indígenas e também os
quilombolas que perderam toda a sua produção de subsistência.
Uma tragédia que se desdobra em várias. De onde veio o fogo?
As investigações mostram que 67% da destruição foi consequência de incêndios
que começaram em nove pontos, cinco deles em áreas que têm cadastro ambiental
rural de fazendas dedicadas à pecuária.
O Pantanal é muito específico. Quem vê tanta água, na época
da cheia, acredita que ela sempre estará lá. Mas o bioma é frágil. As águas
estão de visita, precisam do Cerrado preservado, porque no Cerrado, que parece
seco, é onde nascem as águas. Se a Amazônia arde, o Pantanal fica mais seco. A
fragilidade da vida se vê, por exemplo, na Arara Azul. Grande e linda e
vulnerável. Ela tem suas exigências. Precisa de uma árvore, o manduvi
(Sterculia apetala) para sobreviver. E faz seus ninhos nas árvores velhas que
já têm um oco, onde elas se instalam na reprodução. Por um trabalho de 30 anos
do Instituto Arara Azul a população dessas aves começou a aumentar. O que será
delas ao fim dessa devastação?
O Pantanal é uma das preciosidades do Brasil. A flora é
resiliente, ela pode voltar devagar, e com a ajuda de viveiros para o
replantio, pensa a diretora do ICV. Mas a fauna está morrendo. Há organizações
que estão saindo para hidratar os animais. A natureza do Brasil está pagando um
preço alto demais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário