quinta-feira, 17 de setembro de 2020

INDECISÃO ELEITOREIRA

Editorial Folha de S.Paulo

O veto de Jair Bolsonaro a um novo programa de renda básica financiado com cortes de benefícios previdenciários e assistenciais expõe com crueza os atuais dilemas da gestão dos gastos públicos, com implicações para a vida dos mais pobres, a economia e a política.

As diretrizes para lidar com tais questões, no entanto, continuam indefinidas. Mais que isso, parecem emaranhadas no interior de uma administração disfuncional e submetida a rompantes eleitoreiros.

A crise do Renda Brasil resulta disso. Se o presidente está decidido a manter o teto de gastos e ampliar o Bolsa Família, tem de aceitar corte de despesas sociais, ou com o funcionalismo. Caberia à sua equipe apresentar alternativas que considerassem esses limites e ao presidente, tomar uma decisão.

Bolsonaro, entretanto, opta pela demagogia enquanto parece esperar alguma mágica orçamentária. Posa como defensor dos pobres e procura empurrar a solução do problema para outrem, como de costume. Nesta quarta (16), como que transferiu ao Congresso a responsabilidade de fazer os cortes impopulares a fim de financiar o novo programa de renda básica.

A crise também ofereceu novas evidências da incapacidade do presidente de inspirar confiança na sociedade e transmitir a mensagem de que há um governo organizado e preocupado com a estabilidade política. Seu método, comprova-se, é o ato impetuoso e conflitivo.

Transpareceu ainda a descoordenação dentro do próprio Ministério da Economia, de tamanho desmedido e recheado de conflitos internos. O ministro Paulo Guedes, por sua vez, não parece ter condições políticas de definir prioridades.

Guedes tornou-se notório pela constância com que anuncia planos fabulosos que evaporam em poucas horas, sem produzir resultados. Tampouco se mostra capaz de negociar seus projetos a contento com o presidente, com colegas do Planalto, com a sociedade e com o Congresso. Acaba de romper com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, adepto das reformas.

A desordem e a indefinição suscitam desconfianças sobre o rumo da política de contenção dos gastos públicos. Se o governo se revela incapaz de tomar decisões difíceis e imagina que milagres podem financiar programas necessários como o de renda básica, levanta-se a suspeita de que pode sobrevir uma burla improvisada do teto de gastos.

A crise do Renda Brasil, portanto, é uma demonstração concentrada de desgoverno. Ficam em suspenso a política fiscal, a economia e o destino dos mais afetados pela pandemia. Instado pela realidade a tomar decisões de governo fundamentais e construtivas, Bolsonaro se refugia no mundo de sua campanha eleitoral permanente."

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