quinta-feira, 17 de setembro de 2020

UMA MUDANÇA DE RUMO

Merval Pereira, O GLOBO

Na metade de seu mandato, o presidente Bolsonaro abre mão de pilares de sua eleição para tentar um voo populista mais amplo. Foi eleito em boa parte pelo programa de economia liberal do hoje ministro da Economia, Paulo Guedes. O eleitorado das grandes cidades e das capitais, o mercado financeiro, industriais, empresários, apoiaram o presidente na esperança de que, como admitia não entender nada de economia, deixaria Guedes dar as cartas.

Muita gente apoiou Bolsonaro também por causa do então juiz Sergio Moro, mesmo que ele ainda não fosse do governo. O apoio à operação Lava-Jato e ao próprio Moro sinalizava uma política anticorrupção. Bolsonaro ampliou assim seu eleitorado, que se resumia aos conservadores mais radicais e às diversas categorias de militares e policiais que lhe deram nada menos que sete mandatos consecutivos de deputado federal.

Estes dois temas, o combate à corrupção e o liberalismo econômico, já não fazem mais parte do núcleo programático de Bolsonaro. Os problemas que seus filhos enfrentam na Justiça, que se entrelaçam com suas próprias dificuldades, levaram o presidente a confirmar prematuramente o que queria esconder desse eleitorado ampliado.

A relação familiar com milicianos pode ser representada por Fabrício Queiroz, que foi subtenente da Polícia Militar do Rio e tornou-se o braço direito de Jair e seus filhos, acusado de ser o operador do senador Flávio Bolsonaro num esquema de “rachadinha” que está sendo investigado.

Queiroz tem negócios de transporte de vans em Rio das Pedras, região do Rio dominada pela milícia, e foi preso escondido na casa de Atibaia de Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro. Com tantos rolos, teve que abrir mão da fantasia de combate à corrupção para tentar controlar a Polícia Federal e reduzir os danos familiares.

Também sua suposta conversão liberal vai aos poucos se revelando inviável frente a suas convicções mais profundas: Estado autoritário, privatizações paralisadas, teto de gastos sob risco, reformas limitadas, populismo.

Bolsonaro vai entrar provavelmente na segunda parte de seu mandato abrindo mão de um pedaço importante do eleitorado que o elegeu, tentando se aproximar dos setores mais desprotegidos que medem suas escolhas políticas pelos interesses imediatos que o auxílio emergencial na pandemia veio remediar. Assim como o Bolsa-Família representava para o PT a chave da popularidade de Lula.

Mas, neste momento, Bolsonaro não tem solução para avançar além do programa social que virou marca petista, estrategicamente está numa situação muito difícil. Certamente o presidente Bolsonaro está muito abalado pela impossibilidade de fazer o Renda Brasil, um Bolsa-Família turbinado. Era sua grande jogada, porque viu o efeito disso no auxílio emergencial.

Só que há uma diferença brutal, o auxilio de R$ 600 não pode ser replicado eternamente, atingiu muito mais gente do que o Bolsa Família, e descobriu cerca de 20 milhões de “invisíveis” que não estavam em nenhum programa social.

Ampliou muito a ajuda do governo, o que se refletiu na popularidade do presidente, que, no entanto, pode ser abalada pela necessidade de redução para R$ 300. Bolsonaro, portanto, caiu em uma armadilha que ele mesmo montou, base da reeleição e da sustentação popular.

Vamos ver agora, a partir da redução do auxílio emergencial, como ficará a imagem do presidente. Como ficou demonstrado ontem, quando autorizou o senador Marcio Bittar, relator do Orçamento, a tentar uma solução para um novo programa social, Bolsonaro não vai abrir mão desse instrumento eleitoral populista que já se mostrou eficiente desde os governos petistas.

Vai ser difícil encontrar uma saída com qualquer ministro que queira manter um mínimo equilíbrio fiscal. Pode acontecer na Economia o que aconteceu na Saúde, onde não conseguiu ministro que fizesse o que queria, e acabou botando alguém da sua confiança.

O ministro Paulo Guedes já se mostrou flexível diante da pressão política do presidente, mas parece resiliente em relação às contas públicas. Se a sede de popularidade for maior do que a de equilíbrio fiscal, Bolsonaro pode até aumentar sua popularidade em certos setores da população, mas a crise será brutal. Está num beco sem saída, depois de ter aparecido como o grande vitorioso desse auxílio emergencial.

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