Há uma roleta na cúpula do Judiciário que sempre cobrou algum preço de quem lá chegou. No governo Bolsonaro, diferente de todos os outros, a cobrança passou a ser à vista. O “novato” Kassio Nunes Marques, com direito a toga por décadas, não decepcionou a quem o pôs lá.
Ao liberar cultos e missas presenciais, em meio ao momento mais grave da pandemia, não só ignorou decisões anteriores do STF, escancarou um alinhamento com o negacionismo de Jair Bolsonaro. Criou, assim, uma nova saia justa no tribunal que será corrigida nessa quarta-feira (7). Ele sabia disso antes mesmo de receber um cascudo do colega Gilmar Mendes.
O Supremo Tribunal Federal, com seus vai e vem, tem muitos defeitos. Entre eles não estão a briga contra a ciência nem a adesão a genocídios. Vai barrar todas as iniciativas de Bolsonaro nesse sentido. Nessa segunda-feira (5), ele surtou de novo. Em mais uma visita à periferia de Brasília, o presidente da República inventou mais uma lorota contra a saúde pública. Na íntegra:
— O Brasil precisa voltar a trabalhar. Estarei em Chapecó esta semana com o prefeito João Rodrigues, onde fez um trabalho excepcional no tocante a recursos dados pelo estado no atendimento, na ponta da linha, de quem precisava do tratamento. Uma obra fantástica. Um exemplo a ser seguido. Por isso estou indo pra lá. Para não só ver, mas mostrar para todo o Brasil que o vírus é grave, mas seus efeitos têm como ser combatidos. E mais ainda, naquele município o médico tem liberdade total para trabalhar com o paciente. Total. E esse é um dever do médico. Uma obrigação e um direito dele — disse Bolsonaro, repetindo que as medidas para combater o vírus não podem ser mais danosas que o próprio vírus. — Por isso os índices foram lá para baixo.
Além de ser uma mentira de perna curta, a saúde em Chapecó está em colapso, com 100% de ocupação das UTIs. É um município rico, símbolo da pujança do agronegócio, mas vive o mesmo caos do país inteiro. É apenas mais uma cascata de Bolsonaro.
O que eleva a gravidade dessa leviandade é o vírus que se espalha pelas instituições públicas. É simplesmente inacreditável a disputa que rola a vista de todos pela vaga a ser aberta em julho com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio no STF. Virou um torneio nefasto.
Como Bolsonaro pôs como critério para sua indicação o aval dos evangélicos, o procurador-geral da República, Augusto Aras, resolveu puxar o saco dos crentes em sua disputa com o Advogado-Geral da União, André Mendonça, um evangélico de carteirinha.
Nada contra a disputa de religiosidade entre eles. O problema é que, com o apoio de Kassio Nunes Marques, Aras e Mendonça insistem em liberar geral igrejas e templos, locais de aglomeração, em um momento crucial que, à revelia do omisso governo federal, governos estaduais e prefeituras tomam decisões com base na realidade.
Com todos seus defeitos, o STF tem que dar uma basta nessa corrida insensata.
A conferir.
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