terça-feira, 21 de dezembro de 2021

'NÃO VAI ACONTECER GOLPE'

João Victor, Paula Losada, Diário de Pernambuco

Em 1974, o Brasil completava uma década sob jugo da ditadura militar. Naquele ano, o jovem recifense Raul Jungmann, então com 22 anos, decidiu integrar o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), único partido de oposição formal ao regime. Sua vida pública teve início em 1977, ao assumir a gerência de projetos do Centro de Desenvolvimento Empresarial de Pernambuco. Em 1990, foi nomeado secretário de Planejamento do estado e, três anos depois, catapultado a nível federal ao ser empossado no cargo de secretário-executivo da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República (Seplan), no governo de Itamar Franco.

Entre idas e vindas do MDB para o PPS (Partido Popular Socialista, hoje Cidadania), Jungmann comandou o então recém-criado Ministério de Política Fundiária e Desenvolvimento Agrário, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Após ser eleito deputado federal, em 2002, se aproximou de temas como a segurança pública e defesa nacional. Em 2016, foi convidado por Michel Temer para assumir o Ministério da Defesa. Deixou o cargo, dois anos depois, passando a comandar o Ministério da Segurança Pública. Em entrevista ao Diário, ele fez uma ampla análise sobre a conjuntura nacional, incluindo o cenário para a eleição presidencial, e a “bolsonarização” das polícias, e cobrou do Congresso Nacional sua responsabilidade sobre a regulação dos cargos e o papel dos militares em um governo.

Deixou o cargo, dois anos depois, passando a comandar o Ministério da Segurança Pública. Em entrevista ao Diario, ele fez uma lúcida análise sobre a conjuntura nacional, incluindo o cenário para a eleição presidencial, e a “bolsonarização” das polícias, e cobra do Congresso Nacional sua responsabilidade sobre a regulação dos cargos e o papel dos militares em um governo.

Entrevista – Raul Jungmann // ex-ministro da Defesa

Eleições

O cenário de 2022, sob o ponto de vista político, vai ser marcado pelas eleições gerais, notadamente com destaque para as eleições presidenciais. Essas eleições tendem a não repetir o que foi 2018, que foi uma eleição crítica, onde os parâmetros de eleições presidenciais anteriores não valeram. E que parâmetros eram esses? Por exemplo, os palanques regionais, a questão dos recursos, do tempo de TV. Para ficar em alguns desses parâmetros, que eram de grande importância nas eleições passadas, eles tiveram sua importância mitigada, reduzida, e aí resultou na eleição do atual presidente, Jair Bolsonaro. Mas também o fato de que o eleitor estava num processo de rejeição – fruto sobretudo da Lava-Jato, da questão econômica, do desemprego e, também, dos problemas na área de segurança – da política tradicional. Essa eleição tende a voltar, se não totalmente, mas muito ao jeito das eleições anteriores. Ou seja, vai ser uma eleição com elementos mais tradicionais voltando a ter importância. Mas também será uma eleição muito acirrada, muito tensa, uma eleição que, portanto, vai gerar muita turbulência, não tenho a menor sombra de dúvidas. Já no aspecto econômico, a previsão é que vamos ter uma recessão, que eu acho que não tende a acontecer. Acho que nosso crescimento vai ficar entre 1 e 1,5%, então vamos ter a taxa básica de juros voltando ao redor de 11 e 11,5%, a inflação rodando em torno de 5,5%, vamos ter uma redução na margem de desemprego, não vai ser uma grande redução. De um lado, não vai ser o desastre que alguns estão projetando, mas também não vai ser uma eleição confortável para o presidente da República. Acho que na disputa, hoje, propriamente dita, temos três candidatos: o de maior chance, que é o Lula; em segundo lugar, Bolsonaro; e, com alguma chance, se Bolsonaro cometer algum erro sério, que é o ex-juiz Sergio Moro, que vai disputar votos de massa no mesmo campo, naqueles 55% que teve Jair Bolsonaro no 2º turno em 2018.

Polícias

É fato que o presidente da República se destacava como um sindicalista tanto para o segmento militar quanto para o segmento policial, e depois que se elegeu ele procurou sempre destacar e buscar proximidade com as forças policiais. Temos, por exemplo, o fato inusitado que é o presidente da República comparecer a formalidades, promoções, festas etc, de polícias – ora, as polícias são estaduais, portanto elas estão subordinados ao governador. Um presidente não tem atribuições a esse respeito. Em meados deste ano, tivemos uma polêmica, que foi a Lei Orgânica das Polícias, que retirava poderes dos governadores, que criava, inclusive, uma espécie de poder paralelo federal que ficaria no Ministério da Justiça, e muitas outras questões mais nessa lei que não prosperou – eu sempre achei que ela não teria que prosperar, mas que durante um certo tempo teve o apoio do governo central, especificamente de Bolsonaro. O que ocorreu no Recife [policiais militares feriram manifestantes com balas de borracha, em maio], é um fato da maior gravidade. Fiquei muito preocupado, porque aquilo é como se fosse uma senha para dizer o seguinte: olha, protesto contra o Bolsonaro nós vamos reprimir. E não havia o que reprimir. Era um movimento pacífico, tranquilo, ordeiro e houve, claramente, uma quebra da hierarquia. No caso de Pernambuco, houve uma reação, uma abertura de investigação, troca de comando etc, e espero que não volte a acontecer fatos como esses que aconteceram. A questão que fica é: se o presidente perde a eleição, no primeiro ou no segundo turno, o presidente vai aceitar e dizer que as eleições foram legítimas ou o presidente, como no passado fez diversas vezes, vai dizer que as urnas eletrônicas não são confiáveis, que existe a possibilidade de fraude e que não reconhece uma eleição que ele entende fraudada? Isso pode abrir espaço para uma crise institucional.

Ameaças golpistas

O presidente Jair Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, o comandante da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Por que ele fez isso? Porque eles eram insubordinados? Não. Porque eles eram ineficientes e incapazes? Também não. Porque eram corruptos? Nenhum deles tem nenhum traço disso, pelo contrário, eram homens sérios, republicanos, que estavam exercendo com competência suas atribuições. Eles foram demitidos porque não concordaram no uso das Forças Armadas para fins políticos. Eu cheguei a dizer em entrevista que o presidente fazia bullying com as Forças Armadas. O presidente vivia o tempo todo cobrando que eles se manifestassem politicamente e em apoio, vivia cobrando que eles discordassem publicamente, que eles afrontassem os governadores que faziam lockdown, as decisões do STF, que eles criticassem decisões do Legislativo. E por não concordar com isso, eles foram demitidos. Então, essa é a prova mais contundente que eu tenho para demonstrar que as Forças Armadas não estavam nem estão disponíveis para essa hipótese do golpe. Não vai acontecer golpe.

Pazuello

[Eduardo] Pazuello é um caso de punição. Óbvio, claro que ele feriu o Regimento Disciplinar do Exército (RDE) e o Estatuto dos Militares. Militar não pode se envolver em política. Por que não pode se envolver com política? Porque política tem sempre dois lados; tem partido, tem oposição, tem várias visões. E o papel constitucional das Forças Armadas é defender a todos – seja governo, seja oposição; seja branco, seja preto; seja rico, seja pobre; seja esquerda, seja direita. Por isso, ela tem função de Estado, por isso ela é rigidamente controlada nesse sentido. O que Pazuello fez devia ser motivo de punição. Agora, pelo que me falaram, a posição do Alto Comando era pela punição. Mas veja a saia-justa do comandante do Exército: quem foi que autorizou e chamou o Pazuello para subir ao palanque? O comandante em chefe, que é o presidente da República, mas, não esqueçamos, o presidente tem esses dois “chapéus”. Quem deu a ordem para que ele falasse ao público? Foi o comandante em chefe. Então, como abrir um processo contra o Pazuello sem concomitantemente abrir um processo contra o comandante em chefe de todos os militares? Houve essa opção por não punir, mas no meu modo de entender está equivocado. Uma outra questão que a gente tem que levantar sempre é o seguinte: há uma grande responsabilidade do Congresso Nacional em relação a isso. Ao Congresso compete regular quais são os cargos e o papel dos militares em um governo, e o Congresso não faz isso. A crise do Pazuello não existiria se o Congresso já tivesse definido que militares da ativa não podem ir para governos, salvo as exceções: a Presidência da República (porque compete a eles a defesa da presidência e da vice-presidência da República), a área cibernética (no mundo inteiro é assim), a atômica (por todas as implicações que tem) e a área espacial.

Militares

Sem sombra de dúvidas, no Governo Bolsonaro você tem o maior número de cargos preenchidos por militares, mas antes de chegar aos 6 mil, nós tínhamos em governos anteriores (inclusive no governo do PT, no Governo de Fernando Henrique e também no Governo Temer) 2.800-3.000 [militares]. Os militares, só na Presidência da República, chegam a praticamente 900. E antes também era assim. Eu não estou querendo desdizer que no Governo Temer houve um incremento; houve sim. E houve também uma decisão muito polêmica, que foi o meu sucessor sendo um general – aliás era meu número 2. Eu era ministro e o [Joaquim] Silva e Luna, que hoje é presidente da Petrobras, era o secretário-geral. No primeiro momento houve o acordo de que o Luna ficaria interinamente, depois o presidente da República resolveu ouvir os comandantes militares e mantê-lo permanentemente. Eu queria chamar a atenção para uma coisa. Eu já fui daqueles que achava que o Ministério da Defesa deveria ser ocupado só por civis, que isso era o coroamento da subordinação necessária, constitucional, dos militares ao poder político, civil. Mas, depois da minha experiência, eu faço algumas ressalvas a isso. Primeiro lugar: quem de fato tem o controle das Forças Armadas é o Congresso Nacional.  Em países democráticos quem faz o controle de todo o Executivo, incluindo as Forças Armadas, é o Congresso Nacional. O Congresso Nacional [brasileiro] não assume nenhuma responsabilidade com as Forças Armadas; isso é muito grave. Numa democracia, todos nós somos criticáveis, não tem problema. Agora, por que não se critica, também o Congresso Nacional que não assume suas funções democráticas e suas responsabilidades com a defesa nacional e com as Forças Armadas? De fato, não precisamos de tantos militares [em postos civis], agora você tem que limitar isso.

Guerra às drogas

Eu acho que a nossa política de combate às drogas, hoje, é uma política falida. Vamos pegar o caso da Lei de Drogas [11.343/2006], que faz uma diferenciação entre o usuário da droga e o traficante. Então, em tese, o usuário de droga não era para sofrer penalidade, ou seja, ela não era para ser tratado pelo Código Penal; era para ser tratado como um caso de assistência social, como um caso de saúde. Como o Congresso Nacional não estabeleceu limites para porte de drogas, então isso passa a ser definido pelo Judiciário, e aí cada juiz, de acordo com seu entendimento, ou trata como usuário ou não. O que que acontece? Você hoje tem garotos, que portando uma pedra de crack ou uma trouxa de maconha, vão parar no regime fechado. Agora, uma boa parte desses jovens não tem antecedente criminal, não cometeu crime violento, não estava armado e tinha família. Então, você pega esse jovem e coloca  dentro do sistema prisional brasileiro – que para mim é o maior problema de segurança pública e violência no Brasil, e que não é discutido, há uma interdição em torno desse tema. Nós temos hoje uma enorme quantidade de jovens nas prisões, que são o home office do crime organizado, porque é de dentro da prisão que se organiza a violência cá fora.

Rio de Janeiro

Eu sou amigo do Freixo [deputado federal pelo PSB] há bastante tempo. Eu tive muito envolvido com o Rio de Janeiro, com a Olimpíada. Depois veio a operação GLO e depois a questão da intervenção [federal, no Rio, em 2018], a morte da Marielle [Franco, vereadora do RJ], a criação do Ministério de Segurança Pública, então eu tenho um certo conhecimento do Rio, Eu disse para ele: Marcelo, eu colaboro com você e com qualquer candidato que queira tirar o Rio deste buraco de violência e corrupção em que o Rio, infelizmente, se afundou. Se você prestar atenção, os quatro, cinco últimos governadores foram ou estão presos, seis ou sete membros do Tribunal de Contas do Estado foram presos, você tem 10 deputados estaduais que também foram presos. O Rio vive, hoje, uma situação gravíssima. Sobretudo no caso das milícias. As milícias que têm uma ampla participação das forças policiais – é muito triste, doloroso, dizer isso, mas é a verdade, embora tenha gente muito boa e muito honesta, que é a maioria dentro da polícia. É como se fosse uma porta giratória entre polícia e milícia. As milícias, hoje, controlam 60% do território do Rio e 25, 30% da população vive sob o terror das milícias. Então, o Rio é um caso crítico. E digo mais: o bolsonarismo não surgiria em nenhum outro estado, exatamente por conta das características que tem no Rio. Então, o Rio de Janeiro é uma questão nacional e da maior importância.

Planos para 2022

Eu fico onde estou. Tenho 40 anos dos meus 69 [dedicados à vida pública] – na verdade, muito mais. A primeira vez que participei de uma eleição em Pernambuco foi em 1974. De lá para cá, participei disso tudo e chega um momento que você [pensa em] enfrentar eleição, sem dinheiro e sem vender sua consciência, é uma coisa absolutamente terrível. Você chegar numa campanha e sair “passando o chapéu”, pedindo dinheiro, e as pessoas muitas vezes imaginando – vendo o cenário que aí está, eu até compreendo – que você faz parte dessa patifaria. E também a própria idade que conta… Costumo dizer brincando que tenho mais tempo de retrovisor que de para-brisa; tenho mais tempo vencido do que tempo a vencer. Eu não largo a política. Falo o tempo todo, busco influenciar decisões, converso, me reúno com políticos, falo com colegas ou ex-colegas do Congresso, com ministros…Enfim, eu estou na política. Agora, na política eleitoral não mais. Não pretendo mais.

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