terça-feira, 21 de dezembro de 2021

POPULISMO PENAL

Editorial Folha de S.Paulo

Sem entrar no mérito da condenação pelo Tribunal do Júri de quatro envolvidos na tragédia da boate Kiss, pode-se afirmar que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, de ordenar o cumprimento imediato das penas de prisão expõe uma espécie de populismo vigente no Judiciário.

A começar, o caso chegou às mãos de Fux de forma tortuosa. O recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul —no linguajar técnico, suspensão de liminar— nem sequer serve, pela legislação, para que se suspenda um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça gaúcho, como fez o presidente do STF.

A suspensão é própria da esfera cível, não penal, e cabe em casos de grave lesão a ordem pública, saúde, segurança e economia.

Ao aceitar o recurso do Ministério Público em prol da prisão imediata, "considerando a altíssima reprovabilidade social das condutas dos réus", de acordo com suas palavras, Fux contradiz o preceito básico de que na seara penal não se permitem aventuras —é da liberdade alheia que se trata, afinal.

Não se deve enfraquecer o instrumento de habeas corpus ao sabor dos humores da opinião pública, justamente por ser um mecanismo concebido para coibir abuso de poder que acarrete violência ou violação da liberdade de locomoção.

Fux emitiu ainda uma segunda decisão enfatizando que o TJ-RS não poderia revogar a detenção, porque esta somente poderia ser alterada pelo próprio STF.

O remendo não veio sem críticas contundentes de especialistas e entidades. A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, em nota de repúdio, afirmou que a medida "se deu em injustificável supressão de instância".

Não se trata da primeira decisão desta natureza emitida por Fux, que em outubro de 2020 havia revogado habeas corpus concedido a um líder do crime organizado, André de Oliveira Macedo, concedido como André do Rap.

À época o Supremo referendou a revogação de Fux, mas não sem apontar a necessidade de menos casuísmo e criticar o poder ilimitado do presidente do tribunal.

A corte faria melhor em agir no que lhe cabe: não atropelar instâncias inferiores, mas apresentar a diretriz correta para as matérias em questão. Também é necessário, em nome da segurança jurídica geral, fortalecer o controle colegiado ante os voluntarismos do presidente e dos demais ministros.

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