Não faltam sinais de que estamos mergulhando na treva,
enquanto o crime organizado muda de escala
Alejandro Arcos foi morto e decapitado seis dias depois de
se eleger prefeito de Chilpacingo, no estado mexicano de Guerrero. O crime
escancarou a força de cartéis da droga, estrategicamente ali instalados, às
margens do oceano Pacífico. Os estudiosos da questão debatem quando a situação
saiu do controle no país. No livro "Midnight in Mexico" (Meia-Noite
no México),
o jornalista Alfredo Corchado narra o que chama de descida do país rumo às
trevas com as mudanças das políticas do governo federal em relação às drogas –da
tolerância mutuamente proveitosa entre os políticos do PRI (Partido da
Revolução Institucional) e os chefões dos cartéis à fracassada guerra às drogas quando o PAN (Partido de Ação
Nacional) chega ao poder. Ao mesmo tempo, o autor vai acompanhando as trágicas
transformações da cidadezinha onde nasceu, na fronteira dos Estados
Unidos, trazidas pela chegada do narcotráfico.
Aqui, como lá, não faltam sinais de que
estamos mergulhando na treva, enquanto o crime organizado muda de escala,
abrangência das suas rentáveis atividades e capacidade de desafiar governos. A
eliminação do empresário que lavava dinheiro para o PCC, ao desembarcar
—sob escolta— no aeroporto de Guarulhos, "é o crime dizendo que está mais
poderoso que o Estado", avalia o ex-policial e deputado estadual paulista
Paulo Batista do Reis (PT). Talvez não seja —ainda—, mas o recado parece ser esse.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cerca de 72 facções
criminosas agem no país, algumas incidindo de norte a sul, sem falar nas suas
alianças internacionais.
Hoje, as atividades do crime já não se restringem ao tráfico
de drogas; abarcam também transações ilícitas com madeiras, minerais,
combustíveis adulterados e até pessoas –além de lavagem de dinheiro, fraudes
financeiras, administração de hotéis e postos de gasolina, comércio de armas,
extorsão, segurança privada, aluguel de imóveis, fornecimento de serviços de TV
e internet, apostas, golpes online e financiamento clandestino de campanhas
políticas.
Um ótimo resumo da questão, dos avanços institucionais já
obtidos —importantes, porém insuficientes— e dos desafios pela frente, pode ser
lido em "Brasil - Experiências de (in)segurança pública em São Paulo e Rio
de Janeiro", parceria da Fundação Fernando Henrique Cardoso e da Escola de
Segurança Multidimensional da USP, com patrocínio do Diálogo Interamericano, respeitado think thank de
Washington.
O documento tem duas qualidades. A primeira é a de trazer a
discussão para a agenda progressista, na qual ela tem crônica dificuldade de se
firmar. Assim, o registro de abusos policiais, a discriminação racial, os
maus-tratos e a superlotação dos presídios não travam o reconhecimento de que a
segurança é demanda forte e legítima da população nem bloqueiam o debate de
medidas concretas para a repressão eficaz ao crime.
O segundo mérito consiste em focalizar o que realmente faz
falta: a construção de mecanismos de coordenação governamental entre os três
níveis da Federação, de forma a aumentar a eficiência da ação pública. Há um
caminho a percorrer até que o debate se transforme em ação. Mas disputar a
agenda com o populismo de direita já é um começo promissor.
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