Tramas reveladas pela PF expõem necessidade de cordão de
isolamento entre a política e as Forças Armadas
As investigações
da Polícia Federal acerca das tramas golpistas no entorno de Jair
Bolsonaro vão confirmando o que já se sabia: o ex-presidente é um filhote dos
porões da ditadura
militar, discípulo e admirador de Carlos
Brilhante Ustra e da facção de torturadores e fanáticos que viviam nos
subterrâneos tenebrosos do regime e acabaram derrotados durante seu processo de
decadência.
Mentiroso contumaz, sádico e inimigo da democracia,
Bolsonaro foi
acusado de indisciplina em campanhas por ganhos salariais no Exército
e de tramar explosões de bombas para desestabilizar os comandos. Foi
considerado culpado por uma junta de três coronéis e depois absolvido
por 8 a 4 pelo Superior Tribunal Militar, numa decisão acochambrada,
que antecedeu sua saída da Força.
Beneficiando-se de medidas judiciais
heterodoxas da Lava Jato, que levaram seu maior rival à prisão, Bolsonaro
cresceu num momento internacional de turbulências em democracias. Contou com o
apoio de elites econômicas de visão curta, quando não apenas chucras e
irresponsáveis, e de uma classe média indignada com a corrupção e com o sistema
político. Ganhou ainda o voto de uma massa de pobres desesperançados,
entorpecidos pela mistificação religiosa e pelo moralismo evangélico
reacionário.
Com sua experiência de ativista incendiário, Bolsonaro
promoveu comícios e alastrou a politização na caserna, sob a sombra cúmplice de
figuras sinistras como o general
Eduardo Villas-Bôas. Seu partido usava farda.
Visto inicialmente com simpatia por setores expressivos da
mídia, que acreditaram numa hipotética revolução liberal na economia a ser
liderada pelo mitômano (o termo é de Persio Arida) Paulo
Guedes, o ex-capitão não demorou muito a mostrar os dentes, que, aliás, já
havia exibido, mas se fingia que não morderiam.
Conhece-se bem o que se passou a viver no Brasil, um
vendaval a cada semana. O governo desmontou os mecanismos de proteção
ambiental, apostou contra a crise climática e as vacinas, passou a atacar a
imprensa, com sua característica perversão misógina, e a solapar a lógica da
democracia. O ministério, um horripilante trem fantasma, contava com um general
da ativa, Eduardo Pazuello, na Saúde.
Como nunca se viu desde a ditadura, a ocupação
de cargos públicos por militares e policiais disparou. Ao mesmo tempo,
surgiam as relações com milicianos e apostava-se no armamentismo.
Às primeiras evidências de fracasso político, Bolsonaro
entregou a chave do cofre para o centrão e tratou de investir contra as
instituições que poderiam certificar uma já factível derrota eleitoral.
Tramava-se contra
o Estado de Direito, golpistas acampavam diante de quartéis acolhedores, e
a urna eletrônica era apedrejada todo dia. Um resultado negativo seria visto
como fraude.
A conspiração dos nostálgicos dos porões, que arrastou
beócios extremistas à
"festa de Selma", continua se revelando ao país. O complô, que
incluía até planos de assassinatos de autoridades, não contava com a maioria da
cúpula militar, mas nada pode ser visto como fato isolado. É preciso de uma vez
por todas estabelecer um cordão de isolamento entre a política e as Forças
Armadas. E revisar na Carta o artigo
142, que só fomenta pretensões fantasiosas na caserna.
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