Êxitos na política externa e constrangimento da
extrema-direita favorecem o governo na preparação do terreno para o segundo
biênio
A primeira-dama queimou a largada acocorando-se para ofender
Elon Musk, e 34 chefes de Estado, o maior quórum de uma reunião do G20,
acordaram com a notícia de que a segurança do evento estava sendo provida por
militares que chegaram a fazer planos para envenenar o colega anfitrião.
Parecia que tudo ia dar errado para um presidente que pretendia fazer uma
retumbante estreia na trilha dos grandes eventos mundiais que presidirá - COP30
e Brics acontecerão em 2025-, mas a emenda saiu melhor que o soneto.
Janja da Silva recebeu uma reprimenda pública inédita do
marido ao mesmo tempo em que o Brasil anunciava entendimentos com a China para
buscar alternativas à Starlink de Musk. A notícia de que o G20 estava
salvaguardado por golpistas se provaria falsa e a operação policial que
ameaçava ofuscar o evento acabou trazendo dividendos externos e internos para o
governo.
No noticiário internacional, a operação da
Polícia Federal foi retratada na linha “as instituições estão funcionando” no
país em que o multilateralismo foi celebrado como um ato de resistência a
Donald Trump. A diplomacia brasileira arrancou uma declaração final, a primeira
em três anos de G20, a despeito do alvoroço provocado pela autorização de Joe
Biden, em solo brasileiro, ao uso de mísseis americanos pela Ucrânia contra a
Rússia. A menção a este conflito teve 83 palavras contra 152 do parágrafo sobre
Gaza e Líbano. Tudo isso menos de dois anos depois do fim do governo que
constrangeu o Brasil perante o mundo nos fóruns internacionais.
Se, no último G20, os chefes de Estado se depararam com uma
foto de Narendra Modi a cada 50 metros ao longo dos 12 km que separavam o
aeroporto de Nova Déli da área hoteleira da capital indiana, o culto à
personalidade não encontrou guarida no Rio. Não houve culto nem mesmo a
obsessões que um dia deram o tom à política externa petista. Em nenhum dos três
discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi pronunciado o termo “sul
global”.
O G20 foi sucedido por uma visita de Estado de Xi Jinping,
saudada pelo “Financial Times” como o coroamento de uma estratégia bem-sucedida
da China em ocupar os espaços escancarados pela ausência de prioridade para a
América Latina na diplomacia americana. A China, diz o ex-embaixador do Brasil
em Pequim Marcos Caramuru, é o parceiro estável de um mundo que está às
vésperas de assistir a volta de Donald Trump à arena. Num cenário que favorece
a formação de novas alianças, o Brasil se posiciona de maneira vantajosa para
explorar uma relação que se iniciou com o reconhecimento da China comunista sob
Ernesto Geisel quatro anos antes que os Estados Unidos o fizessem.
A visita de Xi seguiu a cartilha com 37 memorandos e nenhum
anúncio estrondoso que pudesse vir a caracterizá-la como um divisor de águas do
desenvolvimento nacional, como chegou a ser retratada por integrantes deste
governo. Nos dias que antecederam a visita, diplomatas brasileiros se
precaveram. Avisaram não ter controle sobre a “narrativa” chinesa sobre o
status da relação do Brasil com o programa “Cinturão e Rota” definida pelo
governo brasileiro como de “sinergia”. Os temores não se confirmaram. O “South
China Morning Post”, um dos mais influentes jornais da região, deixou claro que
o Brasil não tinha aderido ao programa.
A gordura acumulada pelo presidente com a agenda diplomática
acabou coroada pela operação da PF sobre os militares golpistas. Se as bombas
na Praça dos Três Poderes já haviam embatucado a extrema-direita e seus sócios
na política nacional, foram as digitais de Jair Bolsonaro na tentativa de
golpe, expostas pela operação, que, de fato, os constrangeu - vide a
agressividade do mais centrado do clã, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Ainda que a concomitância seja fortuita, o acordo entre as
Forças Armadas e o Ministério da Fazenda em torno das propostas para a reforma
da aposentadoria dos militares foi anunciado um dia depois da operação
policial. Registre-se que este acordo se mantinha travado mesmo depois que o
ministro da Defesa, José Múcio, intermediou um encontro dos três comandantes
militares com o ministro Fernando Haddad.
Se a reforma ainda enfrentava alguma resistência, esta ruiu
ante a evidência de que os militares não dispunham de gordura para queimar
neste momento. Não teriam como não contribuir com a cota de sacrifício de cada
um, mote do discurso de Lula para o pacote. O presidente não conseguiu que a
idade mínima para a aposentadoria dos militares, que findou em 55, chegasse a
60 anos, mas o acordo representa a superação do último grande entrave do pacote
que pretende recolocar as finanças públicas dentro do arcabouço fiscal.
A operação da PF também acabaria por fortalecer a conduta do
atual comando do Exército em relação ao golpismo militar. A minuta do
envenenamento do presidente da República e do seu vice acabaria servindo como
um “conforme quisemos demonstrar” sobre a fronteira sem limites de uma força
armada contaminada pela politização.
É este o terreno sobre o qual os rumos do segundo biênio do
governo Lula começarão a ser definidos. O presidente ainda tem o Congresso pela
frente, o que não chega a ser um detalhe, mas recuperou a posse da bola.
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