Democracia pressupõe liberdade de expressão, organização e
manifestação. Isso inclui o novo sujeito político que emerge agora que a
internet quebra as formas clássicas de intermediar a informação, tornando cada
um, ao mesmo tempo, autor e protagonista de sua narrativa. Mas essa inclusão
põe também um imperativo ético: a democracia só se realiza numa cultura de paz,
condição para que a contribuição desse novo sujeito seja produtiva e inédita de
fato.
Feita a escolha, o pacifismo tem muitos meios de se
expressar. Na ação institucional de quem tem alguma função pública, na ação
policial e até na desobediência civil dos movimentos sociais, a escolha de
meios pacíficos é sempre possível, mesmo que difícil.
Lembro quando tomamos essa decisão, há muitos anos, no
movimento liderado por Chico Mendes. Quase todo mês velávamos um companheiro
assassinado –índios, seringueiros, agricultores e moradores dos bairros pobres
das cidades. Fomos estimulados a portar armas, iniciar uma guerrilha, retrucar
com violência. Tomamos outro caminho.
O movimento seringueiro criou o “empate”, às vezes, com a
participação de mulheres e crianças se colocando entre os serradores e as
árvores, sob a mira de jagunços. Certa vez, a polícia veio nos retirar, ficamos
parados e cantamos o hino nacional. Perdemos todas as batalhas; em paz,
ganhamos a guerra.
Chico foi morto, mas venceu. Se tivesse aderido às armas,
não organizaria as comunidades, não fundaria escolas nem cooperativas. Morreria,
talvez num tiroteio, mas sua morte não seria lamentada, suas ideias não se
disseminariam nem teriam resultado.
Na violência, todos perdem. O fazendeiro que arma jagunços
para expulsar índios, o policial que espanca presos, o jornalista que divulga
preconceitos, o religioso que estimula a intolerância, o parlamentar que cria
leis contra o povo, todos pensam que estão avançando, mas promovem o
retrocesso. Dura pouco seu ganho de poder, dinheiro, voto e audiência. Mas dura
muito, e fica de herança para seus filhos, a sociedade autoritária e violenta
que ajudaram a criar.
Vivemos numa democracia superficial, debatemo-nos com o
entulho gerado nos anos de ditadura. Gritos de guerra animam avanços de uma
facção contra a outra, tendo o atraso como resultado geral. Os ganhos de uns
levam à derrota de todos. A caracterização do adversário como inimigo resulta
em guerra.
Podemos mudar. Cada um de nós pode fazer a escolha por uma
democracia profunda, assentada no respeito pelo outro, qualquer outro. Podemos
ser militantes da paz, nosso caminho e nosso alimento. E a teremos em casa, no
trabalho e nas ruas; na maleta, na mochila, na mente, no coração.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na Folha de
S.Paulo.
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