terça-feira, 31 de agosto de 2021

O NOME DA CRISE

Editorial Folha de S.Paulo

Movimentos atabalhoados e truculentos do governo Jair Bolsonaro precipitaram a divulgação de um manifesto organizado por associações empresariais e subscrito por mais de duas centenas delas.

Na versão que chegou aos meios de comunicação, trata-se de um pedido de entendimento entre os Poderes, em um texto tão comedido que passaria por anódino não fosse a desordem instaurada pelo chefe do Executivo —e nem mesmo há no documento atribuição de responsabilidade pela crise.

Por meio de suas intervenções, no entanto, auxiliares do presidente como o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o chefe da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, cuidaram de explicitar o sujeito oculto do conflito institucional e o objeto implícito da preocupação empresarial: as ameaças golpistas de Bolsonaro.

Além disso, tal reação acabou por levar um setor do agronegócio a publicar de modo oficial e por sua conta um apelo muito mais firme pelo diálogo, pela tolerância e pela defesa da democracia.

A iniciativa veio de associações preocupadas com a deterioração da imagem internacional do Brasil, com o ambiente e com afrontas ao Estado democrático de Direito.

Apesar de disseminar temores entre os organizadores do manifesto, que ficaram na defensiva, o governo acabou por escancarar seu isolamento —e por demonstrar que pretende calar qualquer voz que julgue contrária a seus desígnios, de resto mais uma evidência de sua crescente paranoia.

Para tanto, manipulou a condição de administrador de bancos públicos para ameaçar a Febraban e as instituições privadas.

Contou, ademais, com o auxílio de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados e líder do centrão. Lira acertou com Paulo Skaf, presidente da Fiesp e até ontem um bolsonarista integral, um adiamento, talvez “sine die”, do documento empresarial.

Tenta-se de modo autoritário e contraproducente ocultar más notícias que venham a desanimar as manifestações do 7 de Setembro, com as quais Bolsonaro busca exibir apoio popular em seu desafio ao Congresso e ao Judiciário.

Ainda que um texto formal venha a ser divulgado somente depois das manifestações bolsonaristas do Dia da Independência, ou mesmo seja deixado de lado, Bolsonaro atraiu para si mais descrédito.

Fica cada vez mais claro que o bravateiro conta apenas com o apoio de franjas radicais e minoritárias do eleitorado e da sociedade organizada; que recusa qualquer diálogo e quer sufocar a crítica, não importa o tamanho ou a origem da insatisfação social. A tentativa de abafar uma mostra de insatisfação deu-lhe visibilidade.

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NADA JUSTIFICA O OLHO GORDO EM NOSSAS TERRAS

Sonia Guajajara, Folha de S.Paulo

Sonia Guajajara - Coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e ex-candidata do PSOL à Vice-Presidência da República (2018)

Minha língua materna é a ze’egete, que significa “a fala boa”. Sou formada em letras, também conheço muito bem o português. “Narrativa”, palavra favorita dos seguidores do presidente Jair Bolsonaro, é definida no dicionário como “texto em prosa cujos personagens figuram situações fictícias, imaginárias”. E ela define a fala má dita na semana passada por Bolsonaro sobre o julgamento da tese do marco temporal no Supremo Tribunal Federal: “Se mudar o entendimento passado, de imediato nós vamos ter que demarcar, por força judicial, uma outra área equivalente à região Sudeste como terra indígena. Acabou o agronegócio”. Como é possível caber tanta ficção em apenas duas frases?

Ruralistas chegaram a pagar anúncios de página inteira em jornais para ajudar a vender a fantasia presidencial; mas, no mundo real, se o STF decidir sepultar de vez o marco temporal não estará modificando nenhum “entendimento passado”. Na verdade, quem fez isso foi a Advocacia-Geral da União (AGU), durante o governo Michel Temer (MDB), quando emitiu o parecer 001/2017.

O marco temporal —que determina que somente os povos indígenas que já estivessem ocupando suas terras na data da promulgação da Constituição, em 1988, poderiam reclamar sua posse— não era previsto por lei. A AGU se valeu do voto do ex-ministro Ayres ​Britto no julgamento sobre a homologação da terra indígena (TI) Raposa Serra do Sol para formar seu entendimento.

Em 2009, a corte havia decidido que a TI deveria ser demarcada “de forma contínua”; logo, posses não indígenas ficariam de fora da área delimitada. Apenas o voto de Britto fazia menção ao marco temporal. O Supremo foi acionado de novo, em 2013, para julgar apelações contra a decisão. E, além de manter o veredicto, determinou que ele não teria efeito vinculante. Aliás, a tese nem sequer foi aplicada no processo Raposa Serra do Sol, já que havia posses não indígenas nos limites de seu território que datavam do início do século 20 e foram anuladas. Isso não é história, é fato histórico.

Bolsonaro prometeu que o Brasil voltaria ao que era há 50 anos, mas a aprovação do marco temporal faria o país recuar ao período colonial. Alvará de 1º de abril de 1680, sancionado pela lei de 6 de julho de 1775, já estabelecia que, em “terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas”. O presidente também não será obrigado a fazer nada “de imediato”: o artigo 67 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 previa um prazo de cinco anos para que todas as TIs estivessem demarcadas. O Estado já está 28 anos atrasado.

Hoje, as terras indígenas ocupam 13,8% do território nacional. Parece muito, mas a proporção é menor que a média mundial, 15%, segundo estudo publicado na revista "Nature Sustainability”. Se comparadas à área ocupada por propriedades rurais, a gente perde de goleada: 41%. São 421 TIs já homologadas, que totalizam 1,066 milhão de km2 e 303 em fase de demarcação, ou 110 mil km2. Nelas vivem mais de 600 mil pessoas. Enquanto isso, 51,2 mil latifúndios, ou 1% das propriedades, ocupam 20% do Brasil. São dados do Diário Oficial da União, do IBGE, da Funai, do Instituto Socioambiental e do projeto MapBiomas.

Ainda para efeito de comparação, a TI Ibirama-La Klãnõ, reclamada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina e cujo julgamento o STF tornou de repercussão geral, tem 370 km2 e dela dependem 2.057 indígenas; já a Fazenda Nova Piratininga, em Goiás, que pertence a três empresários, ocupa 1.350 km2.

Não há nada que justifique o olho gordo em nossas terras: só na Amazônia há 510 mil km2 de área não destinada, que poderiam ser usados para produção. TIs são fundamentais para conter o desmatamento —apenas 1,6% da perda de vegetação nativa no país se deu em seus limites entre 1985 e 2020—, e elas armazenam 28,2 bilhões de toneladas de CO2 na Amazônia, 33% do total.

Sem as terras indígenas, o planeta vai esquentar e o céu vai parar de chover. Não somos nós que podemos acabar com o agronegócio, mas ele mesmo.

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QUEBRA DE SIGILO

Da Folha de S.Paulo

Justiça do Rio quebra sigilo de Carlos Bolsonaro em investigação sobre 'rachadinha'

RIO DE JANEIRO A Justiça do Rio de Janeiro autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) em meio à investigação de desvio de recursos públicos em seu gabinete na Câmara Municipal do Rio.

O pedido do Ministério Público, revelado pela Globonews e confirmado pela Folha, mirou o filho de Jair Bolsonaro bem como outras 26 pessoas, incluindo a ex-mulher do presidente, a advogada Ana Cristina Siqueira Valle, que também teve seus sigilos quebrados.

A suspeita contra Carlos é a prática de "rachadinha", num esquema semelhante ao atribuído ao irmão, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). Nele, os funcionários são obrigados a devolver parte do salário para o parlamentar.

Ana Cristina é suspeita de ser operadora do esquema no gabinete de Carlos. Ela teve sete parentes empregados na Câmara, uma delas Andrea Siqueira Valle, que também é investigada no caso de Flávio. A ex-mulher do presidente teve dez familiares empregados no antigo gabinete do senador na Assembleia Legislativa.

Em nota, a defesa do vereador afirmou que ele "permanece à disposição para prestar qualquer tipo de esclarecimento".

A investigação foi aberta depois de notícias sobre funcionários lotados no gabinete de Carlos que aparentemente não prestavam serviço para o vereador. A Folha revelou dois desses casos, em 2019.

Em abril, a reportagem descobriu que Carlos empregou até janeiro uma idosa que mora em Magé, município a 50 km do centro do Rio. Nadir Barbosa Goes, 70, negou à Folha que tenha trabalhado para o vereador. Ela recebia, como oficial de gabinete, uma remuneração de R$ 4.271 mensais.

Nadir é irmã do militar Edir Barbosa Goes, 71, atual assessor do filho do presidente. A mulher dele, Neula de Carvalho Goes, 66, também foi exonerada pelo vereador.

A reportagem encontrou o militar em sua residência, vestindo uma bermuda e camisa do Brasil, às 13h de uma segunda-feira. Irritado, o funcionário da Câmara se negou a responder às perguntas e disse que caberia ao gabinete prestar esclarecimentos.

"Eu não sou obrigado a trabalhar todos os dias lá. Não tem espaço físico", afirmou. A reportagem quis saber qual função o militar desempenha. "Não importa", respondeu.

Edir também afirmou que a intenção da Folha, ali, seria a mesma de reportagem que revelou que Walderice Conceição, vendedora de açaí em Mambucaba, na costa verde do Rio, era assessora fantasma do então deputado federal Jair Bolsonaro.

À reportagem o chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro, Jorge Luiz Fernandes, disse que esses funcionários entregavam mala direta para a base eleitoral do vereador em Campo Grande, na zona oeste do Rio, e anotavam as reivindicações dos eleitores, principalmente de militares.

Para trabalhar diariamente na entrega de correspondências, Nadir teria de percorrer uma distância diária de mais de 130 km.

Outra funcionária suspeita de ser fantasma revelada pela Folha é Cileide Barbosa Mendes, 43, espécie de faz-tudo da família Bolsonaro. Enquanto esteve lotada no gabinete de Carlos, ela apareceu como responsável pela abertura de três empresas nas quais utilizou como endereço o escritório do hoje presidente Jair Bolsonaro.

Na prática, porém, ela era apenas laranja de um tenente-coronel do Exército —ex-marido da segunda mulher de Bolsonaro— que não podia mantê-la registrada no nome dele como militar da ativa.

Após ter sido babá de um filho de Ana Cristina Valle (que foi companheira de Bolsonaro e é mãe também de Renan, filho dele), Cileide foi nomeada em janeiro de 2001 no gabinete de Carlos, que era vereador recém-eleito. Novato na política, Carlos tinha 18 anos na época.

No início de 2019, porém, ele fez uma limpeza em seu gabinete, assim que o pai assumiu o Palácio do Planalto. Nos meses de janeiro e fevereiro, o vereador exonerou nove funcionários. Cileide foi um deles, demitida após 18 anos —recentemente com remuneração de R$ 7.483.

A carga horária prevista para assessores comissionados da Câmara Municipal do Rio é de seis horas diárias, que não precisam ser cumpridas no espaço físico da Casa. Esses funcionários não batem ponto e têm a frequência assinada pelo próprio vereador.

O MP-RJ também aponta suspeitas no uso de dinheiro vivo por parte do vereador. Ele cita o uso de recursos em espécie, por R$ 150 mil, na aquisição de um imóvel, e para o pagamento de uma dívida de R$ 15,5 mil com uma corretora de valores.

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BOLETIM MÉDICO

José Roberto Burnier e Vivian Reis, TV Globo e G1 SP

Dilma chega a SP para cirurgia no coração

A ex-presidente da República Dilma Rousseff (PT) chegou a São Paulo na segunda-feira (30) para realizar um procedimento cirúrgico no coração no Hospital Sírio-Libanês. A internação vai ocorrer na quarta-feira (1), de acordo com a assessoria de imprensa dela.

Há três meses, Dilma teve um mal-estar e se internou para exames em um hospital de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde mora. Ela recebeu alta um dia depois em bom estado de saúde.

Na ocasião, a assessoria do PT não informou o que causou o mal-estar, mas disse que a ex-presidente participava de uma reunião virtual, quando teve uma indisposição. Ela teria comentado que não se sentia bem.

A TV Globo apurou que Dilma tem um problema no septo interatrial, chamado forame oval patente, um buraquinho na membrana que separa os dois átrios.

A pequena abertura se fecha depois do nascimento, mas em 25% a 30% dos casos, não se fecha e pode provocar um acidente vascular cerebral (AVC), por exemplo.

A assessoria de imprensa da ex-presidente informou ao G1 que ela será internada no Sírio-Libanês na quarta-feira para um cateterismo e fechamento do forame. O procedimento diagnostica e trata problemas no coração.

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OS SUPER-HOMENS TROPICAIS

Artigo de Fernando Gabeira

Todos tememos um pouco as pessoas a quem perguntamos se está tudo bem e que respondem com longas reclamações, recheadas de detalhes.

Eu arrisco ser uma dessas pessoas, quando volto de algumas viagens pelo interior do Brasil. Não está tudo bem. O inverno foi duro, e as geadas em algumas regiões destruíram cafezais, milharais e até bananeiras.

Nem sei se vi tudo bem, porque me desloquei no meio de nuvens de poeira que a seca trouxe para as estradas secundárias do Sudeste. As cachoeiras, em grande número, tornaram-se discretos filetes de água, como é o caso da Rasga Canga, no Parque Nacional da Serra da Canastra.

A seca me pareceu uma realidade tão nítida, e a crise hídrica tão evidente, que não posso me calar sobre ela, embora saiba que nem sempre esses problemas interessem.

Acontece que, além da escassez de água, caminhamos para a falta de energia. Na verdade, a escassez de água não é apenas um dado conjuntural: perdemos 15,8% de nossa água doce nas últimas três décadas.

Por que menciono algo tão áspero como seca, nuvens de poeira, cachoeiras minguantes? Porque é preciso fazer campanhas de uso racional de água e energia e, se dependermos do governo, isso não sairá. Assim como não saiu a vacinação antes que fizéssemos uma tremenda gritaria.

A mesma tendência a negar está presente agora. O governo considera o voto impresso o principal problema do Brasil. O desmatamento progressivo só interessa na medida em que possam faltar árvores que dão o papel para imprimir os votos.

Menciono a insistência oficial em negar a realidade, mas queria vê-la sob outro ângulo também. O ministro da Educação afirmou que o governo não quer saber de inclusivismo, de integração nas escolas de pessoas com deficiência, porque atrapalham o ritmo dos trabalhos.

Sempre acreditei em incluir essas pessoas nas escolas. Sei que não basta a vontade, mas também a criação de condições para que isso aconteça com eficácia.

Minha filha é psicóloga e professora. Ela vê a inclusão como um dos aspectos mais importantes de seu trabalho.

Entre outras características, temos essa que nos coloca como indesejáveis para o governo Bolsonaro.

Gostaria de lembrar um grande nome da cultura alemã: Nietzsche. Foi um brilhante filósofo preocupado em libertar as pessoas de consolos em outro mundo, para que vivessem alegremente sua vida terrena.

Mas Nietzsche foi um pouco longe, na medida em que afirmava que, quanto mais solitária, mais forte seria a pessoa para suportar sua liberdade. Ele achava a comunidade uma ilusão, e sua filosofia tornou-se um risco ecológico e político. Vivemos num mundo que precisamos proteger e entre pessoas com quem precisamos colaborar.

A empatia era uma lacuna na filosofia de Nietzsche, e ele acabou inspirando algumas ideias do nazismo. O governo Bolsonaro foi também atingido por alguns dos humores dessa ácida concepção. O pavor de uma política de inclusão não o iguala ao nazismo, mas revela que pertence à mesma família política.

Nesse diálogo, lembro também apenas que não podemos seguir o caminho dos adversários e excluí-los da humanidade porque seu coração secou. Isso não significa que devamos deixar de responsabilizar essas ideias quando se apresentam numa visão de pandemia que acabou contribuindo para a morte de milhares de pessoas.

Sei que é difícil explicar que um governo com vontade de exclusão tenha apoio de muitos grupos religiosos. Mas essa contradição, trabalho num outro momento.

Não só pela empatia, como pela própria eficácia, a política de inclusão deve seguir sendo nosso horizonte na vida social. Sigamos em frente. Eles não querem o inclusivismo, não queremos o exclusivismo. Estamos empatados. Veremos adiante para quem a História sorrirá.

Artigo publicado no jornal O Globo em 30/08/2021

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SUPREMO, CHEFE SUPREMO

Fernando Coimbra, Folha de S.Paulo

Fernando Coimbra - Cineasta, é diretor dos filmes 'O Lobo Atrás da Porta' e 'Castelo de Areia' e de episódios da série 'Narcos", entre outros

Ele tinha acabado de acordar de uma noite mal dormida. Mais uma, entre muitas. Os buracos negros, crescendo e engolindo seus olhos, estavam inevitavelmente mais profundos. Sua pele, reptiliana, mais espessa e mórbida. Mas nada disso importava. Essa é mais uma manhã que Jair acorda e, ao olhar no espelho, pensa orgulhoso de si: "Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas".

Chefe é o cargo que sempre sonhara para si e que levara toda uma vida de cambalhotas e micagens no Congresso para alcançar. Supremo é um título que deve pertencer somente a ele: supremacista maior da nação. E, por isso, o tal tribunal federal dever ser fechado, enquanto o outro, o superior eleitoral, incendiado. Supremo só pode haver um.

Já as Forças Armadas, bem, a história dele com as tais Forças é um tanto singular. Expulso das mesmas quando ainda era um insubordinado tenente, Jair passou a vida sonhando ser o seu chefe supremo, só para poder implodi-las de dentro. Seria sua maior vingança, colocar cada um daqueles generais repletos de medalhas penduradas no peito para desempenhar o papel que Jair conhece melhor do que ninguém: bobo da corte. E, enquanto esses velhos senhores atiram sua reputação do alto de suas janelas, as Forças Armadas seriam tomadas pelas armadas forças das milícias que Jair sempre fez parte e admirou, mesmo que nunca como chefe.

"Hoje, seriam todos vingados", pensou Jair, enquanto sua Coca-Cola matinal descia borbulhando pela garganta, para logo depois soltar um orgulhoso arroto: "Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas!".

Quem diria que aquela maratona de sonecas no Congresso Nacional, interrompidas uma vez aqui e outra ali para dar declarações estapafúrdias que provocavam o delírio de meia dúzia de neonazistas pardos e terceiro-mundistas, o levaria a tal cargo? Quem imaginaria que aquele gabinete mal-assombrado por funcionários fantasmas, que escapavam pelas inúmeras "rachadinhas" de suas paredes, se tornaria o lugar sagrado e idolatrado onde um dia trabalhou o então deputado, futuro ditador da República dos Estados Unidos do Brasil?

Naquele mesmo gabinete, Jair sonhara durante suas intermináveis sonecas com o dia em que transformaria o país em um novo Porto Rico, uma espécie de estado bastardo do Tio Sam. E, num futuro não tão distante, algum dos seus filhos "zeroalgumacoisa" seria responsável pela definitiva incorporação do país ao Gigante Supremo da América ("ah, supremo!"), tornando-se, enfim, uma espécie de Havaí. Caetano Veloso já cantara: o Havaí seja aqui. Mas Jair não sabe disso porque acha que o cantor é viado e comunista, e acredita que, se ouvir sua música, pode ser tornar uma dessas coisas —se é que há diferença entre elas.

Música para Jair, aliás, é o rufar dos tambores militares. Que nostalgia ele sente ao ouvi-lo. Suas memórias de criança, assistindo aos desfiles de 7 de Setembro, sonhando um dia vestir aquela farda. Queria poder marchar diante da multidão e ser aplaudido, ovacionado, amado e idolatrado como o chefe supremo das Forças Armadas que hoje ele é.

Enquanto olha pela janela do seu palácio, imagina os tanques que logo desfilarão para ele. Só para e por ele. "Vou ter meu desfile de 7 de Setembro particular!", pensa, enquanto esboça um tímido sorriso. Será a intimidação final contra o Congresso e o Judiciário. As trombetas do agronegócio serão tocadas pelos anjos da bancada da Bíblia, com uma salva de tiros do pessoal da bala. Tradição, família e propriedade. E Deus acima de tudo —menos do chefe supremo das Forças Armadas.

O desfile em frente ao palácio, não fosse o sangue ralo nas veias, teria provocado uma ereção. Os demais chefes não supremos das forças posam ao seu lado, obedientes e resignados. À sua frente, seus brinquedos barulhentos soltam uma fumaça preta que lhe recorda de tantas outras igualmente agradáveis: a da Amazônia dos ambientalistas irritantes, a da Cinemateca Comunista Brasileira, a dos pneus queimados pelos caminhoneiros que o apoiam contra o governador paulista.

Em meio aos seus delírios, Jair sente uma pontada no estômago. Talvez seja o excesso de Coca-Cola com leite condensado e as noites mal dormidas. Mas essa pontada o obriga a levar a mão à boca do estômago, num gesto napoleônico que lhe causa uma outra pontada ainda mais aguda. Uma pontada de satisfação.

Mais um dia chega ao fim, e Jair nada fez além de exaltar sua própria força, pois é isso que um chefe supremo da nação deve fazer. Foi assim que ele aprendeu com o pessoal do Vivendas da Barra e com a multidão que o exalta nos grupos de WhatsApp.

Antes de dormir, ele toma mais uma Coca-Cola e assiste aos vídeos de sua parada particular. Ri dos chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica ali ao seu lado: oficiais subordinados ao insubordinado capitão do mato. Ri da destruição triunfal dos seus algozes.

"A Constituição sou eu, o Exército sou eu", pensa ao finalmente se deitar na cama, os olhos abertos contemplando o firmamento para além do teto do palácio. Lá as estrelas parecem brilhar exclusivamente para ele, o chefe supremo das Forças Armadas. Jair finalmente tem tudo que sempre sonhara. Só lhe falta o sono.

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O SUPREMO E AS TERRAS INDÍGENAS

Editorial O Estado de S.Paulo

Em tempos de debate acirrado sobre o papel e os limites do Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte retoma nesta semana um julgamento que tem despertado especial atenção. Trata-se do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 que, sob o pretexto de discutir a reintegração de posse de uma área em Santa Catarina, tenta reabrir a questão da demarcação das terras indígenas. O tema exige especial prudência, seja por respeito à Constituição, seja por suas muitas implicações sociais, políticas e econômicas.

Chama a atenção, em primeiro lugar, o tratamento desvirtuado que alguns têm dado ao caso, como se fosse uma manobra de produtores rurais para que o Supremo negue ou restrinja um direito previsto na Constituição. Nada mais distante disso. O recurso foi apresentado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e envolve uma área de proteção ambiental cuja posse foi atribuída ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina. É essa a área que a Comunidade Indígena Xokleng pleiteia.

Resistindo à pretensão de alguns para transformar a disputa numa questão política, cabe ao STF aplicar a Constituição. “São reconhecidos aos índios (...) os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, diz o art. 231.

Os índios não têm direito sobre qualquer terra que eventualmente venham a ocupar, e sim “as terras que tradicionalmente ocupam”. Além disso, para pacificar discussões que poderiam surgir, a própria Assembleia Constituinte definiu que “são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.

Em 2009, o Supremo tratou longamente da questão, no julgamento sobre a Reserva Raposa Serra do Sol. O acórdão não apenas pacificou uma disputa que vinha desde os anos de 1970, mas definiu as diretrizes a serem seguidas em todos os processos de demarcação de terras indígenas em curso. Por sua relevância, foi chamado de “estatuto das reservas indígenas”.

Em seu voto, o relator daquela ação, ministro Ayres Britto, lembrou “que a nossa Lei Maior trabalhou com data certa: a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) como insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, ‘dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam’. Terras que tradicionalmente ocupam, atente-se, e não aquelas que venham a ocupar. Tampouco as terras já ocupadas em outras épocas, mas sem continuidade suficiente para alcançar o marco objetivo do dia 5 de outubro de 1988. Marco objetivo que reflete o decidido propósito constitucional de colocar uma pá de cal nas intermináveis discussões sobre qualquer outra referência temporal de ocupação de área indígena”.

A Constituição de 1988 não veio estimular indefinidamente a criação de novas reservas ou favorecer a proliferação de novos conflitos sobre o tema. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 67, indica precisamente que “a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. O texto constitucional tem, assim, um nítido sentido de pacificação, com precisa limitação temporal.

Por mais que agora determinados movimentos sociais façam barulho – tem gente alardeando que não aceitará decisão do Supremo contrária a seus interesses –, a revogação do chamado marco temporal não é uma medida que esteja à disposição do Supremo, como se coubesse à Corte redigir os direitos indígenas.

A solução para a questão das terras indígenas foi dada pela Assembleia Constituinte, dentro do expresso objetivo de pacificar os conflitos. Cabe ao Supremo aplicá-la, sem ter a pretensão de inventar um novo ajuste. Além de extrapolar suas competências, uma medida à margem da Constituição suscitaria novas e infindáveis disputas.

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SE OS ATOS DE 7 DE SETEMBRO FOREM GRANDES, A DITADURA SE APROXIMARÁ DO BRASIL

Marcelo Coelho, Folha de S.Paulo

Marcelo Coelho - Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

Não parece plausível que Bolsonaro e seu bando consigam dar um golpe e acabar com a democracia daqui a menos de uma semana. Mas, seja lá o que venha a acontecer, não foi por falta de aviso.

Sete de setembro, em todo caso, é uma boa data. Se as manifestações da extrema direita forem expressivas, a simbologia verde e amarela ajudará a cimentar o caminho para os próximos passos no rumo de uma ditadura. Formulo a pior hipótese —a coisa dá certo para Bolsonaro. Um bando de malucos, não tão pequeno quanto o dos americanos que invadiram o Capitólio, ocupa o STF.

Instaura-se o impasse. Como nas velhas teorias revolucionárias, surge a tal da “dualidade de poder”. São os casos em que as forças da “ordem” (polícia, Exército) já não sabem a quem obedecer. Expulsam os manifestantes, como manda o Judiciário? Ou aderem aos rebeldes, como quer Bolsonaro?

Prossigo imaginando o pior possível. Forças Armadas e polícia abstêm-se de reprimir o movimento. Joga-se na cartada da negociação, com Bolsonaro numa posição de força. Os democratas de “bom senso” pedem calma. Alguns, é claro, organizam manifestações contra o golpe. Os indignados vão às ruas.

A maioria, entretanto, pode achar melhor esperar para ver —o momento não recomenda confrontos, meus amigos. É preciso buscar o entendimento, sem radicalizações. A “polarização” não interessa a ninguém etc. Supondo que as coisas fiquem nesse pé por um tempo, Bolsonaro pode ainda dobrar a aposta —confusão com caminhoneiros, estradas interrompidas, tratores nas estradas, um quartel ou outro em insurgência.

Loucura, você pode pensar. Nem os bancos estão a favor de Bolsonaro. A popularidade dele é baixíssima. A inflação cresce, há uma crise energética pela frente, a situação da saúde é isso que se vê, o desemprego continua… Mas é aí que Bolsonaro pode avançar. Requer do Congresso uma autorização extraordinária, do tipo Hugo Chávez, para governar por decreto.

Entra Paulo Guedes —com todas as reformas que o Congresso não quer aprovar. As chamadas “classes conservadoras” coçam a cabeça. “Haha, esse Bolsonaro é um maluco… Mas o Paulo Guedes sabe o que está fazendo…”

O banqueiro, o empresário, o economista liberal, o “formador de opinião” começam a pensar. Mais de um ano até as eleições, nessa confusão toda, com Bolsonaro enfraquecido, um impeachment “traumático”, o Congresso mandando sem fazer nada? “Não, meu caro, não há nada de desejável nisso.”

Esperar? Para que em 2022 ganhe Lula, com um novo plano de reformas liberais?

A alternativa de plenos poderes a Paulo Guedes pode parecer bem mais sedutora. Um estado de exceção de seis meses, sem o Congresso e o STF para atrapalhar… Por que não? O momento é de pacificar os ânimos... Já vejo os debates. É golpe? Não é golpe? “Afinal, o Congresso delegou poderes ao chefe do Executivo. O que há de tão irregular assim?”

Surgem novos protestos. “Ah, mas isso é só a esquerda contra o pacote do Paulo Guedes. Nenhum desses caras está pensando em defender a democracia.”

A coisa arrefece. Caminhoneiros, agricultores, polícia, Exército, tudo volta subitamente ao “normal”. Como cereja do bolo, o presidente aceita ser vacinado, sorridente. Entramos num “período excepcional”, com muita gente dizendo que será de curta duração. Se você chamar isso de golpe ou de ditadura, será “radical”.

Os autoritarismos contemporâneos não seguem o padrão do Brasil em 1964 ou do Chile em 1973. De Fujimori em diante, a fórmula do “autogolpe” parece melhor e foi levada à perfeição por Chávez.

Bolsonaro tem força para isso? Hoje eu diria que não. Como disse, imaginei apenas a pior hipótese. Acho difícil que as manifestações do Sete de Setembro levem a um impasse tão nítido. A esperança é que sejam um fracasso patético, como os de Donald Trump. Se não forem, deixam Bolsonaro numa posição melhor do que a que ele tem hoje.

Não se trata exatamente de um tudo ou nada. Mas a aposta de Bolsonaro está bem clara. Quanto mais ele blefa, mais se torna caro, para a democracia, pagar para ver.

Publicada em 31 de agosto de 2021 - Charge de André Stefanini

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A RESISTÊNCIA MINEIRA

Roberto Brant, Capital Político

Se o Brasil fosse apenas o que estamos vivendo hoje, seria razoável concluir que somos um país perdido e sem futuro. Não me recordo de ter visto em todas as décadas em que vivi, um país com problemas tão difíceis e urgentes para enfrentar e, ao mesmo tempo, uma classe política, em sua quase totalidade, tão medíocre, desfibrada e sem grandeza.

Desde o final da Segunda Guerra, nosso país viveu muitas turbulências e padeceu de muitas dificuldades, mas em todos os momentos sempre houve um pequeno núcleo de lideranças que sobressaia e se punha à altura das circunstâncias. Por esta razão sobrevivemos e, mais do que isso, progredimos, transformamos a economia e a sociedade e até evoluímos na escala da civilização. Hoje, tudo isto parece distante e apagado no tempo.

É sempre uma questão controversa avaliar o papel dos grandes homens na trama dos acontecimentos humanos. Há quem pense que os processos sociais têm a sua própria força e prescindem das personalidades para realizarem o destino de que são portadores. Meu sentimento, no entanto, é que muitas vezes os homens fazem a diferença, para o bem ou para o mal.

A política brasileira nos últimos 70 anos teve seus grandes homens. Basta que nos lembremos de Getúlio Vargas, Juscelino, Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Na Assembléia Constituinte, onde comecei minha vida política, estavam lá Mário Covas, Fernando Henrique, José Serra, Roberto Campos, Delfim Neto, Luiz Eduardo, Afonso Arinos, Florestan Fernandes, Jarbas Passarinho, Jorge Bornhausen. A classe política era, então,  parte de nossas melhores elites.

Hoje estamos nas mãos de homens sem biografia e sem história, de escassa cultura e incapazes de se distinguir da mais anônima multidão. Não é, portanto, sem razão que os brasileiros vivam com um sentimento de orfandade e de desamparo, sem esperança de que a política resgate o país do fundo do poço em que fomos atirados.

A história, contudo, nunca chega ao fim. As sociedades podem sempre começar de novo. Na medida em que as dificuldades se aproximam de um ponto extremo, o que os homens ainda guardam de consciência e de vitalidade pode, de repente, reaparecer. Se olharmos com atenção, podemos ver alguma coisa se movendo no horizonte.

Temos visto que a maioria do Congresso parece alheia aos problemas do país e apenas ciosa dos seus interesses. Emerge da pandemia com todos os seus poderes somente para aprovar o que for necessário à nova eleição dos seus membros: recursos para campanha, restauração das coligações e novas regras eleitorais mais convenientes para quem já tem o seu mandato.

Não temos uma agenda para o país. O Presidente da República está no mesmo nível e só tem olhos para sua reeleição, qualquer que seja o preço a pagar, mesmo que seja a destruição das instituições.

Nesse ambiente de negligência e de falta de espírito público, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco desponta como uma voz de resistência. Depois da aprovação pela Câmara da volta das coligações, para perpetuar a existência de uma multidão de partidos inúteis, adiantou-se para se opor à aprovação da manobra, pelo Senado. 

Distanciou-se das conveniências e assumiu o risco de desagradar gente poderosa, em benefício da qualidade da vida democrática. Quando o presidente, para insuflar sua militância radical, pediu o impeachment de um ministro do Supremo, em vez de jogar o ônus da rejeição para todo o Senado, assumiu-o sozinho em defesa das instituições.

São gestos de coragem e de afirmação, que destoam do medo e da conveniência que mantêm acovardada a classe política e que incentivam o clima de confrontação em curso no Brasil. Quem sabe elas contagiem outros homens de bem e de convicções democráticas, que até agora têm se mantido em silêncio.

Sinto que o país está saudoso da voz de Minas, que lhe tem faltado ultimamente. Não da voz baixa e submissa, sem acentos de grandeza, mas   aquela voz ancestral que, ao longo da história, sempre chegou primeiro para lutar pelo progresso e pela liberdade.

Roberto Brant foi deputado federal constituinte por Minas Gerais, secretário de Fazenda no governo Hélio Garcia em Minas, ministro da Previdência e Assistência Social do governo de Fernando Henrique Cardoso. Preside atualmente o Instituto CNA. Escreve nos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.

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ASSÉDIO MORAL

Do G1, DF

Assédio moral: Ministério Público do Trabalho pede afastamento imediato de Sérgio Camargo da Fundação Palmares

O Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF) pediu o afastamento imediato de Sérgio Camargo da presidência da Fundação Palmares por assédio moral. Segundo a investigação, Camargo é responsável por perseguição político-ideológica, discriminação e tratamento desrespeitoso.

A Ação Civil Pública, ajuizada na última sexta-feira (27) e divulgada nesta segunda (30), será julgada pela 21ª Vara do Trabalho de Brasília.

O G1 não conseguiu falar com Sérgio Camargo e nem com a Fundação Palmares até a última atualização desta reportagem. Em uma rede social, ele escreveu: "Baseado em que, manés? Depoimentos mentirosos de traíras e de militantes que fiz muito bem em exonerar/demitir? Haja paciência!". Em outro post, escreveu: "Assédio moral é o brioco de quem me acusa!"

O MPT requer também que a Fundação Palmares "não permita, submeta ou tolere a exposição de trabalhadores a atos de assédio moral praticado por qualquer de seus gestores, além de cobrar, no prazo de 180 dias, diagnóstico do meio ambiente psicossocial do trabalho, realizado por profissional da área de psicologia social".

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O Ministério Público do Trabalho pede ainda que a Fundação Palmares e o presidente Sérgio Camargo sejam condenados, "a título de reparação por danos morais coletivos, no valor de R$ 200 mil, a serem pagos de maneira solidária".

Um ano de investigações

As investigações duraram um ano e, segundo o MPT-DF foram ouvidas 16 pessoas, entre ex-funcionários, servidores públicos concursados, comissionados e empregados terceirizados. A conclusão do procurador Paulo Neto, autor da Ação Civil Pública, foi de que "há perseguição político-ideológica, discriminação e tratamento desrespeitoso por parte do Presidente da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo."

"Os depoimentos são uníssonos, comprovando, de forma cabal, as situações de medo, tensão e estresse vividas pelos funcionários da Fundação diante da conduta reprovável de perseguição por convicção política praticada por seu Presidente e do tratamento hostil dispensado por ele aos seus subordinados", diz Paulo Neto.

Para o procurador, a investigação comprova que o gestor "persegue os trabalhadores que ele classifica como 'esquerdistas', promovendo um 'clima de terror psicológico' dentro da Instituição".

Histórico

A nomeação de Sérgio Camargo para a presidência da Fundação Cultural Palmares foi oficializada em 27 de novembro de 2019 e gerou uma série de críticas e indignação.

Numa publicação antes de ser nomeado para o cargo, o jornalista classificou o racismo no Brasil como "nutella". "Racismo real existe nos Estados Unidos. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda", afirmou.

Ele também postou, em agosto de 2019, que "a escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes". "Negros do Brasil vivem melhor que os negros da África", completava a publicação.

Sobre o Dia da Consciência Negra, Sérgio Camargo afirmou que o "feriado precisa ser abolido nacionalmente por decreto presidencial". Ele disse que a data "causa incalculáveis perdas à economia do país, em nome de um falso herói dos negros (Zumbi dos Palmares, que escravizava negros) e de uma agenda política que alimenta o revanchismo histórico e doutrina o negro no vitimismo".

Sérgio publicou uma mensagem numa rede social na qual disse que "sente vergonha e asco da negrada militante". "Às vezes, [sinto] pena. Se acham revolucionários, mas não passam de escravos da esquerda", escreveu.

Em 13 de maio, aniversário da Lei Áurea, Sérgio Camargo publicou artigos depreciativos a Zumbi no site oficial da instituição. Em redes sociais, disse que Zumbi é "herói da esquerda racialista; não do povo brasileiro. Repudiamos Zumbi!".

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segunda-feira, 30 de agosto de 2021

O DESESPERO TOMA CONTA DE BOLSONARO

Carlos José Marques, ISTOÉ

O presidente já sabe que está cada dia mais distante o seu sonho de voltar a ocupar a cadeira do Planalto por mais quatro anos, em um eventual, desejado por ele e gradativamente inalcançável segundo mandato. Percebe a popularidade despencando, a falta de lastro em realizações dignas de nota, de sustentação partidária, de instrumentos suficientes que lhe garantam prestígio junto ao público. Nota o desprezo a sua incompetência latente, a ausência de apoio político, de credibilidade e mesmo de argumentos convincentes para resgatar rebanhos de potenciais apoiadores desgarrados e desatentos. Bolsonaro fez de tudo errado e chegou a conta. Implodiu pontes com os mais diversos setores. Desarranjou a máquina pública. Ignorou relações internacionais estratégicas e desdenhou da agenda global por resultados ambientais, sanitários e em prol dos direitos humanos. Virou o pária. 

O pior presidente do mundo no combate à pandemia, segundo pesquisas de organismos internacionais. É hoje o exemplo de líder a ser odiado, descartado. Não cabe mesmo nos moldes atuais a ideia de um caudilho, no típico personagem que encarna: radical, intolerante, totalitário, perseguidor, irresponsável, insensível. Difícil para o Brasil encontrar concorrentes à altura para disputar a condição de mais despreparado mandatário da história. Na cadeira de comando, o “mito” Messias mostrou uma gestão (para dizer o mínimo) desastrosa. Buscou a arruaça. Sempre. Embaçou o próprio horizonte ao insistir na corrosão do Estado e parece não entender a dimensão avassaladora dos atos. Protagoniza um embuste, dado a alianças pedestres da política. Não controla a língua e tagarela sandices que, há muito tempo, deveriam tê-lo levado ao impedimento. Mesmo aliados estão se irritando com tamanho descontrole e inabilidade no trato. 

É pelo conjunto da obra que Bolsonaro derreteu e, talvez, por começar a perceber as consequências dessa escalada, partiu à apelação pura e simples, colocando em prática um plano diabólico de desestabilização institucional. Como aquele garoto mimado, dono da bola, que quer parar o jogo porque não está gostando do resultado, passou a testar os limites da governabilidade, ou da ausência dela, de uma maneira jamais tolerada até então. Foi para cima dos demais poderes. Em ataques abertos, peitou o Supremo, os ministros, a Carta Magna e, por fim, o Brasil inteiro. Tirou da cachola, sem o menor senso, que não vai ter eleição se não for da maneira dele. E que maneira seria essa? Na base de brechas eventuais para que possa manipular os votos e até alegar fraude no resultado, caso necessário. Metodicamente, ele tenta sabotar as urnas e a democracia, minando a credibilidade do sistema. Deseja incinerar as liberdades individuais. 

No showzinho particular, armou um cenário fake, manipulou provas fajutas e resgatou vídeos mequetrefes da esgotosfera digital para fazer valer seus argumentos. Seria cômico, não fosse trágico. Em uma live, ao lado de um astrólogo de tenda de feira — que estava ali ninguém sabe até hoje o porquê —, e na qual prometia apresentar evidências concretas de resultados pretéritos manipulados, foi ridicularizado pelas próprias bobagens. Deprimente a opereta. Capaz de gerar vergonha alheia. Deve ter sentido a besteira que fez, tendo em vista a péssima repercussão. Dali a dobrar a aposta nos erros foi um pulo.

De uma vez por todas, os brasileiros precisam acordar para os fatos: Bolsonaro não quer saber de Constituição, de valores republicanos, de democracia. Não se interessa por nada que soe com a ideia de vontade da maioria. Importa somente o poder em suas mãos e alimenta os anseios mais recônditos de um regime de exceção com o qual domine tudo e todos. A estratégia nesse sentido está desenhada, trazendo na essência o golpe de Estado como ferramenta. Recurso extremo, mas o único com o qual acredita poder seguir à frente do Planalto, caso as demais maquinações falhem. E como se daria o ardil desse golpe? O roteiro está escrito, aprovado e guardado a sete chaves. 

Em um belo dia, sob a alegação de uma “ameaça comunista”, personificada na figura do arquirrival e opositor de campanha Lula — que, mesmo sem dar uma única palavra, já lidera todas as pesquisas de preferência popular —, o capitão do serrado angariaria um punhado de generais da reserva, mais a tropa de ministros militares que lhe prestam vassalagem e arquitetaria uma tomada de poder à força, com a obediência resignada de recrutas bem tratados à base de promessas de melhoria do soldo. Decretaria nulo o processo eleitoral. Na ponta do povo, para revestir o movimento com algum caráter popular, entregaria um Bolsa Família turbinado, na casa de insustentáveis R$ 400 — mesmo quebrando o caixa federal — para mostrar a “generosidade” de sua liderança, na velha e surrada fórmula do pão e circo à massa incauta. 

Conquistado setores nesses dois polos, e ungido pelo apoio de alguns parlamentares fisiológicos, sedimentaria o ambiente para o grande ardil: o controle absoluto do Estado, numa bofetada aos direitos do cidadão e ao regimento constitucional. Tudo isso acontecendo em pleno século 21. Os atores estão sendo manietados desde já para o espetáculo bizarro. Há nesse momento uma indiscutível escalada autoritária que necessita ser contida o quanto antes. Não restam dúvidas: Bolsonaro foi longe demais e os representantes da Lei e da Ordem precisam dar a resposta.

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O BRASIL ESTÁ SECANDO

Editorial O Estado de S.Paulo

O Brasil está secando. Segundo o projeto MapBiomas, que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia, nos últimos 35 anos o País perdeu 16% da superfície de água e as queimadas atingiram 20% do território nacional.

Dois terços do fogo ocorreram em áreas de vegetação nativa. Cerrado e Amazônia concentram 85% da área queimada ao menos uma vez.

O padrão do fogo evidencia a relação com causas humanas. Entre 1985 e 2020, 61% das áreas afetadas foram queimadas duas vezes ou mais. No caso da Amazônia, 69% das áreas afetadas queimaram mais de uma vez; 48% queimaram mais de três vezes. A Amazônia, advertiu a coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar, “é uma floresta úmida, o fogo não faz parte do seu regime natural, mas temos visto esse avanço puxado por fatores como o avanço das áreas de pastagem”.

Desde 2004, quando o desmatamento na Amazônia atingiu o pico das duas últimas décadas, ou 27,8 mil km², o País o reduziu expressivamente – ainda que insuficientemente –, chegando ao menor índice da série histórica em 2012: 4,6 mil km². Mas nos últimos dois anos o desmate se acelerou.

A perda de água é em certa medida mais preocupante, porque desde os anos 90 a desidratação é quase contínua e nos últimos 10 anos se acentuou, revelando que as crises hídricas deverão ser mais recorrentes e intensas. “O que assusta é a tendência de longo prazo. Cada vez que temos um ano de seca mais forte, o País pode se recuperar um pouco depois, mas parece que não consegue voltar ao patamar anterior”, disse o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo. “Nesse ritmo, vamos chegar a um quarto (25%) de redução da superfície de água antes de 2050.”

A primeira das causas apontadas são as mudanças climáticas, que tendem a acentuar dois extremos: estiagens mais longas e extensas e chuvas mais curtas e intensas. “Chove muito, de forma concentrada, a água escorre e vai embora.” 

Outro fator está ligado à expansão das fronteiras agrícolas. O aumento das represas em fazendas provoca o assoreamento e a fragmentação da rede de drenagem, desencadeando um ciclo vicioso: “Estas represas privadas tiram água do curso natural. Menos água, menos evapotranspiração das árvores da floresta, o que causa menos chuva, e mais seca. E para combater a seca”, conclui Azevedo, “mais reservatórios privados”.

Por fim, o desmatamento, sobretudo na Amazônia, está reduzindo, a um tempo, as chuvas e o efeito esponja das vegetações nativas, ou seja, a capacidade de absorver a água no solo e liberá-la aos poucos.

O Pantanal é o maior emblema da correlação nefasta entre queimadas e desidratação. Mato Grosso – que abriga Amazônia, Cerrado e Pantanal – é o Estado com maior área afetada pelo fogo e o segundo em perda de água, atrás apenas de Mato Grosso do Sul. Comparativamente, o Pantanal foi o bioma que mais queimou nas últimas três décadas – 57% de sua área queimou ao menos uma vez – e também foi o que mais secou – 74% de sua superfície aquática foi perdida. É outro ciclo vicioso: menos água deixa a matéria orgânica no solo mais vulnerável ao fogo. Mais fogo elimina a vegetação fundamental para proteger a nascente dos rios. Em 2020, o Pantanal registrou o recorde de queimadas, e neste ano já atingiu o mesmo patamar de área destruída até o mesmo período do ano passado.

Todos os biomas estão conectados; a degradação ambiental hoje está conectada à perda de capacidade agrícola amanhã; e as causas dessa degradação também estão conectadas. No caso das queimadas e da desidratação, entre as três causas, as mudanças climáticas, as interferências nos mananciais e o desmatamento, a primeira é mais difusa e global. Já as últimas podem ser contidas imediatamente com políticas públicas enérgicas. Aprimorar a regulamentação e fiscalização das represas privadas é indispensável. Mas o maior freio é a repressão ao desmatamento ilegal.

Do atual governo não se pode esperar nada positivo. O melhor a fazer é um esforço de contenção de danos. Mas políticas ambientais propositivas deveriam estar no centro dos debates para as eleições de 2022.

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OS PODERES SÃO HARMÔNICOS ENTRE SI ?

Nilso Sguarezi, OS DIVERGENTES

Existe na opinião pública brasileira um questionamento: é o LEGISLATIVO que tem se omitido do seu dever de legislar ou o JUDICIÁRIO que vem usurpando a atividade legislativa e estes dois também se intrometendo no EXECUTIVO?

Nas três últimas décadas, são recorrentes as acusações que se levantam contra a inoperância do nosso LEGISLATIVO e/ou intromissão indevida do JUDICIÁRIO, bem como desvio de conduta dos nossos integrantes do EXECUTIVO, enquanto tem aumentado a corrupção, insegurança jurídica e este descomunal aumento da máquina administrativa, que sempre arrecada mais e devolve menos aos contribuintes.

Para focar com mais objetividade nesta crucial questão, poderíamos exemplificar inúmeras situações, mas tomemos a questão tributária nos baseando em abalizado estudo do IPEA –Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – 1998, coordenado por Ricardo Varsano, em 1996, que nos informa:

“A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 adotou, sem maiores modificações, a composição do sistema tributário existente ao final do Império… Foi adotado o regime de separação de fontes tributárias, sendo discriminados os impostos de competência exclusiva da União e dos estados… Quanto aos municípios, ficaram os estados encarregados de fixar os impostos municipais de forma a assegurar-lhes a autonomia. Além disto, tanto a União como os estados tinham poder para criar outras receitas tributárias”.

“Sistema tributário brasileiro é excessivamente complexo e incoerente – um manicômio tributário”, escreveu Luiz Carlos Becker, na sua clássica obra Teoria Geral do Direito

Tributário, 1988. Sabemos – e os empresários, mais que ninguém – que se gasta 2.600 horas por ano com os trâmites burocráticos para pagar seus impostos, segundo afirma o

Banco Mundial, como o pior resultado entre 189 países analisados. Por outro lado, nós mesmos sabemos que os brasileiros trabalham até o final de maio apenas para pagar tributos. Brasileiro terá que trabalhar 149 dias apenas para pagar…

A tão decantada Reforma Tributária, que tanto se fala há mais de um século, virou uma centopeia legislativa que aumenta as pilhas de projetos no Legislativo, como a elefantíase que contamina o estado brasileiro. Evidente que até agora não saiu pela inoperância do nosso Legislativo, mas que já transformou a Constituição numa colcha de retalhos – com centenas de emendas e milhares que estão sendo discutidas nos mostram a imperiosa

necessidade de termos uma nova Constituição, antes que, assim como o sistema tributário, logo logo também tenhamos um manicômio constitucional, se é que já não temos.

Permanecendo este establishment, se um dia sair a encantada reforma tributária, não é difícil imaginar a retaliação que poderá sofrer no imperial STF – palco final das causas polemicas da competência exclusiva dos outros poderes que inexoravelmente acabam sendo revistas, alteradas, vetadas ou até pioradas pelo Judiciário. Este como pretenso guardião da Constituição, pela própria ingerência política da forma de nomeação e composição dos tribunais, muitas vezes, prevalecem interesses não republicanos que geram insegurança jurídica, abruptas, inesperadas ou liminares abusivas e intempestivas que fomentam ainda mais a falta de harmonia entre os poderes, ao contrário do que prescreve art. 2º da CF que devem ser “independentes e harmônicos entre si…”.

Viveremos o caos até que a própria iniciativa popular acorde e entenda que todo o poder emana do povo e exija uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA para refundar esta nação. Além do mais, nosso STF recebe milhares de recursos. Foram mais de 77 mil processos no ano de 2019, enquanto a Suprema Corte dos EUA aceita, em média anual, cerca 100 a 150 processos para serem de fato julgados.

Jornal de Minas, em 20/03/2017, noticiando aula na Faculdade de Direito da PUC, a então presidente do STF, Carmem Lúcia, pedia uma “transformação” no Poder Judiciário, do país que tem 16 mil juízes para decidir sobre 80 milhões de processos, quando também esclareceu: “Sabemos que as demandas não atendem às urgências que a sociedade quer. Nós, do Poder Judiciário, temos plena consciência de que o tempo da Justiça não

pode levar décadas, que o cidadão não pode morrer sem saber o resultado”.

“E isso não foi a primeira e nem a última vez em que esse tipo de caso “irrelevante” foi submetido ao crivo da Corte. Em 2008, o jornal digital G1 publicou uma reportagem com uma lista de casos “insignificantes” submetidos ao STF, de certa forma a lista chega a ser assustadora visto que, entre os processos estão: (Habeas Corpus) Furto de Boné, um jovem de 19 anos foi condenado a dois anos de prisão por ter furtado um boné em Nova Andradina (MS); (RE) Dívida de R$ 0,009, o 1º Juizado Especial Cível de Belfort Roxo (RJ) julgou procedente ação de indenização por dano moral contra uma empresa que teria deixado de pagar 9 milésimos de real de custas judiciais, o valor foi arredondado para R$ 0,01; (Habeas Corpus) Sono perturbado, um homem foi acusado em ação penal pelo vizinho, militar aposentado, de perturbar a paz e o sossego alheio, sendo que a perturbação seria causada pelos cinco filhos do acusado, todos menores de dez anos. Outro absurdo foi um julgamento para decidir o vencedor do campeonato brasileiro de futebol de 1987 entre Flamengo e Sport. Verdadeira banalização dos recursos e da Suprema Corte. Mesmo dotado de relevante repercussão econômica, o tribunal desportivo seria suficiente, e deveria ter sido a última instância para tal julgamento, mas por fim acabou sendo julgado pelos ministros da 1º Turma que concederam ao Sport o título de campeão brasileiro de 1988.

Que o Legislativo é inoperante e omisso, a realidade nos mostra, bastaria dizer que existem dezenas de Leis Complementares a serem escritas e nossos legisladores não estão nem aí, porquanto suas prioridades apenas gravitam na permanente busca de suas próprias reeleições. Existem as raríssimas exceções dos que tratam do real interesse público, até porque apenas 5% dos atuais deputados conseguiram seus próprios votos para elegerem-se. Basta citar Ar. 79 da CF que exige uma lei complementar para definir as atribuições do Vice-Presidente da República. Já tivemos dois atritos entre Presidente e Vice que redundaram nos impeachments de Collor/Itamar e Dilma/Temer, mas nem assim as atribuições do Vice-Presidente ainda não foram determinadas e, para os bons observadores, o atual Vice-Presidente, apesar do seu reconhecido equilíbrio e preparo, mais parece uma alma penada a pagar um preço incomensurável por sua fidelidade e obsequioso silêncio ante as diatribes do presidente.

São recorrentes decisões internas do Legislativo e Executivo que são distorcidas pela invasão de competência do STF. A propósito, para citar um exemplo atual, ainda não foi sancionada a LDO de 2022 (Lei das Diretrizes Orçamentarias), mas já existe questionamento judicial sobre este imoral Fundo Eleitoral de quase 6 bilhões de reais, enxertado como mais jabuti para os políticos fazerem campanha às custas do contribuinte. Todavia foi o TSE que, usurpando competência legislativa, proibiu o financiamento privado em 2018.

Este ano, o eleitor brasileiro vai acompanhar uma campanha diferente, pois, pela primeira vez, está proibida a doação de empresas para os candidatos, conforme determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Sem o dinheiro das empresas, a saída encontrada por deputados e senadores foi definir novas regras para o financiamento da propaganda eleitoral. Depois de muita polêmica e poucos dias antes do prazo final para a proibição valer em 2018, Câmara dos Deputados e Senado aprovaram a criação do Fundo Especial

de Financiamento de Campanha, por meio da Lei 13.487/2017, que soma R$ 1,716 bilhão de recursos públicos. Além desse fundo, as legendas apostam em doações de pessoas físicas e vaquinhas virtuais para aumentar o montante de recursos. (Publicado em 10/06/2018 – Por Karine Melo – Repórter da Agência Brasil – Brasília.)

Ou quando o STF mais uma vez legislou para manter o atraso institucional, derrubando a moralizadora Cláusula de Barreira dos partidos nanicos, também vale ser lembrada:

“O STF decidiu… a cláusula de barreira é inconstitucional. Por unanimidade, os ministros presentes acompanharam o voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, que considerou que a legislação provocaria o ‘massacre das minorias’. Dessa forma, os ministros do STF acataram a ADIN (ação direta de inconstitucionalidade) promovida pelo PC do B com o apoio do PDT, PSB, PV, PSC, PSOL, PRB e PPS (agora MD). O argumento dessas legendas é que a lei 9.096, de 1995, que criou as regras da cláusula, fere o direito de manifestação política das minorias. A regra – prevista na Lei dos Partidos Políticos – estabelecia que os partidos que não tivessem 5% dos votos para deputados federais ficariam com dois minutos por semestre, em rede nacional de rádio e de TV, teriam de ratear com todos os demais partidos 1% dos cerca de R$ 120 milhões do Fundo Partidário. Além disso, esses partidos pequenos não teriam direito a funcionamento parlamentar: seus deputados e senadores poderiam falar e votar no plenário, mas não teriam líderes nem estrutura de

liderança”. (Andreza Matais – Folha Online em 07/12/2006)

Mas o STF também é omisso, pois o art. 93 da CF é bem claro em determinar: “Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura.” Tal iniciativa ainda não aconteceu e, o que é pior, o STF vem se servindo da LEI Nº 7.170, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1983, a famigerada e draconiana Lei da Segurança Nacional, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, do

regime militar.

Por outro lado, o próprio STF mostra que não cumpre o artigo 5º – TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI, porque os membros da magistratura, tornaram-se desiguais e acima da lei. A prova está no próprio site do STF, bastando acessar pela internet, em busca

de processos, para encontrar a ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4393 – que já tem voto do Ministro Ayres Brito pela inconstitucionalidade da Lei 5.535/2009, a famosa lei do presidiário carioca – que em acordo com o TJ do Estado do Rio de Janeiro criou a lei do auxilio moradia e todos os outros penduricalhos que fizeram os salários da

magistratura ultrapassar o teto constitucional. Este pedido de vistas está dormindo em berço esplêndido no gabinete do atual presidente, o mesmo que pediu vistas em 2012 e vamos chegar aos 10 (dez) anos sem julgamento. Enquanto isso o salário da magistratura não obedece a igualdade de todos perante a lei.

Cansativo e repetitivo seria enumerar esta omissão, intromissão e verdadeira balbúrdia legal pela desarmonia dos nossos poderes. Continuo acreditando no regime democrático do primeiro artigo da nossa CF que TODO O PODER EMANA DO POVO, o qual, se acordasse, pela iniciativa popular do art.14, III, será capaz de refundar a República pela via da CONSTITUINTE EXCLUSIVA, ainda não usada na nossa história.

“Os parlamentares brasileiros têm particular prevenção contra os institutos de participação direta do povo no processo legislativo, por entender que isso desprestigia os legisladores (se é que eles tivessem algum). Não foram ainda capazes de perceber que, ao contrário disso, o exercício da democracia semidireta contribui para fortalecer as instituições representativas” (José Afonso da Silva). Por outro lado, o sistema eleitoral que no momento é mais um espetáculo circense pela discussão do voto impresso, continua com

a fraude do voto proporcional responsável direto pela queda de nível do Poder Legislativo. Basta lembrar que neste circo de horrores o Tiririca também passou a perna no eleitor paulista ao mentir que “pior que está não fica”, mas ficou. Agora o próprio povo virou um mero palhaço coadjuvante dos nossos políticos.

Chega de buscarmos salvadores da pátria, como tem sido o costume do atraso e a manutenção desta elite política que se mantem pela ditadura partidária que nos explora, oprime e não permite termos uma nação séria com igualdade de oportunidades. Para quem já militou na política brasileira, sabe da beligerância entre poderes, não só existe, mas pior que isso, proliferam denúncias de “rabo preso” das pessoas que integram a elite governamental.

Enquanto tivermos este sistema presidencialista de coalizão do toma lá dá cá e a interferência política na nomeação dos ministros dos tribunais, sempre existirá a discórdia. Assim quando o exterior diz que o Brasil não é um país sério, fica difícil provar o contrário, com as decisões judiciais que mudam ao sabor das conveniências ou interesses momentâneos ou, como agora, em que assistimos este bate-boca sobre o sistema de votação da urna eletrônica.

Tomemos como exemplo uma refrega destas entre Lula e o recém aposentado Min. Marco Aurélio em ”O juiz realmente não pode falar fora dos autos”, alerta Luiz Flávio Gomes, jurista e professor de Direito Penal, ao comentar o bate-boca entre o presidente Lula e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello. “Segundo Gomes, está expresso na Lei Orgânica da Magistratura que juiz só deve se manifestar em processo sob sua responsabilidade. Gomes, que foi juiz criminal por 15 anos, diz que a regra do silêncio vale para qualquer nível – juiz de primeiro grau, desembargador e ministros dos tribunais superiores. O embate entre Lula e Marco Aurélio ocorreu porque o DEM e o PSDB pediram no Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão do programa Territórios da Cidadania, lançado no início da semana, por considerá-lo eleitoreiro. Na quinta-feira, em Aracaju, Lula disse que ‘seria bom que o Poder Judiciário metesse o nariz apenas nas coisas dele’, referindo-se, sem citar nomes, ao fato de que Marco Aurélio dois dias antes havia criticado o Territórios da Cidadania – para ele, um programa social em ano eleitoral, o que a lei proíbe – e afirmado que a oposição poderia contestá-lo na Justiça. Para o presidente, as declarações teriam sido a senha para a oposição recorrer. Na sexta-feira, Marco Aurélio reagiu. ‘Na nossa área jurídica há um fenômeno denominado o direito de espernear. Aqueles que se mostrem inconformados por isso ou aquilo têm o direito de reclamar. Eu só estranhei a acidez do presidente’, afirmou. ‘Como ele estava no palanque, eu relevo. Ele estava num ambiente propenso e talvez tenha esquecido que não está em campanha’. Para Gomes, essa troca de farpas causou perplexidade. Mas o jurista acredita que ‘não existe uma crise institucional, isso é coisa boba’. ‘Juiz não pode falar?’ está na Lei Orgânica e todos os magistrados, sem exceção, a ela devem se submeter. Os juízes, de fato, devem ser mais cautelosos. A magnitude da função de ministro exige ponderação, equilíbrio. Mas o presidente de um tribunal não tem o direito de falar? O ministro Marco Aurélio não deveria ter declarado nada. Por quê? Porque ele vai participar desse julgamento. Ainda que não vote, é ele o presidente do tribunal eleitoral. É ruim para o País um embate dessa natureza? É ruim para a democracia, para o fortalecimento das instituições”. (Fausto Macedo, O Estado de S. Paulo 01 de março de 2008)

Além do manicômio tributário que espanta os investimentos externos com o tal custo Brasil, ainda temos um verdadeiro picadeiro das refregas e retaliações entre os nossos poderes. Até quando esta situação continuará? Despreparo de um politico ou falta de compostura exige do magistrado como um expectador atento aos anseios da sociedade, uma postura de equilíbrio e temperança, afinal ele estuda e se prepara para isso. Ano que vem iremos comemorar os dois séculos de independência. O Povo que foi escravo nos 3 séculos de colônia e caldeou-se na República vem fazendo a sua parte com trabalho e amor a esta terra, tanto que na próxima década seremos os maiores produtores de alimentos do mundo, mas na contramão disso, os últimos governantes conseguiram bater o recorde mundial da corrupção governamental.

* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi constituinte em 1988 

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REAÇÃO EM CADEIA

Weiller Diniz, OS DIVERGENTES

Chicoteados hemorragicamente pelo Supremo Tribunal Federal, os rocins autoritários da estrebaria bolsonarista vão arquejando e exibindo uma fadiga que se avizinha da capitulação. O furor beligerante de outrora, o método de intimidação e enfrentamento dos Poderes, vai perdendo adeptos e estridência diante da domesticação altiva da democracia. Os tigres bravios de outrora, agora são gatinhos compungidos. Os leões indomáveis, de rugidos tonitruantes, deram lugar a feras exauridas, miando enjauladas.

Apenas os ginetes furibundos, muito próximos ao capitão, ainda vociferam contra as instituições, mas timidamente. Os mais extremados estão trancafiados e anestesiados pelo arrependimento. Uma série de bizarrices inacreditáveis vai minando, a passos largos, o frágil capital político governista, entremeado de gente desqualificada e sem compromisso com o país.

Roberto Jefferson é um ladravaz longevo, símbolo da vileza da “nova política” bolsonarista. Voltou a ser preso na sexta-feira 13 de agosto de 2021, um mês tradicionalmente agourento, especialmente para o PTB, legenda que comanda. A determinação foi do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que apura a atuação das milícias digitais contra a democracia. Em sua primeira estadia na cadeia – em 2014 por corrupção – ficou pouco tempo no Instituto Penal Coronel PM Francisco Spargoli Rocha, em Niterói. Agora mudou de ares e está detido em Bangu 8. Jefferson vai alargando seu trote trôpego pelo Código Penal com crimes mais graves, agora contra o Estado Democrático de Direito. Na decisão que embasou a prisão o ministro Alexandre de Moraes diz que o salteador faz parte de uma “possível organização criminosa” que busca “desestabilizar as instituições republicanas”.

Os excrementos vocalizados por um poltrão sentenciado por corrupção são estarrecedores. Os alvos mais recorrentes dos coices golpistas são STF e a CPI da pandemia do Senado: “Organização Criminosa é o Supremo. Orcrim. Uma organização de crime contra a Constituição, contra a dignidade humana”, disse. Depois pregou abertamente um golpe contra os ministros do STF: “aposenta dez ministros do Supremo, menos o Kassio, (…). Mas pega aqueles dez satanazes… as duas bruxas e os oito satanazes, você aposenta, manda pra casa.” “Tirando esses caras de lá já é uma limpeza; já é uma patrolada. (…) aquelas duas bruxas e aqueles nove urubus que tem lá. Nove não, oito. (…) Duas bruxas e oito urubus…”. A CPI da Pandemia também foi objeto da cólera bestial: “Eu penso que nós temos que agir agora. Concentrar as pressões populares contra o Senado e, se preciso, invadir o Senado e colocar para fora da CPI a pescoção”, proclamou inspirado na invasão do Capitólio por fanáticos nazistas.

O mesmo método fascista também foi invocado pela filha de Jefferson, Cristiane Brasil. A ex-deputada e quase ministra de Michel Temer ficou 33 dias presa em 2020 acusada pelo MP carioca de receber propinas em contratos na área de assistência social do Rio de Janeiro. Após a segunda prisão do pai, ela desafiou o capitão a levar adiante as bravatas de fechar outros poderes: “Cadê o “ACABOU PORRA”? Estão prendendo os conservadores e o bonito não faz nada??? O próximo será ele! E se não for preso, não vai poder sair nas ruas já já! ACOOOOOORDA!!!”, escreveu Cristiane em seu perfil de uma rede social.

O papa do crime, Roberto Jefferson, está em prisão preventiva, que não tem prazo pré-determinado na legislação processual penal. Na prática, ele deverá seguir nesta condição até uma nova avaliação do caso. A lei prevê que a prisão preventiva seja reavaliada a cada 90 dias. O Supremo, no entanto, já fixou o entendimento de que o fato de não haver essa reavaliação não torna a prisão ilegal. As chances de uma nova domiciliar, concedida na primeira prisão por Luís Roberto Barroso, são escassas e besta-fera seguirá enjaulada por uma longa temporada. O rugido afinou e a valentia sumiu de repente.

Roberto Jefferson se iguala ao deputado federal Daniel Silveira, preso duas vezes este ano. A primeira por ataques a ministros do STF em fevereiro de 2021 e a segunda por desrespeitar o uso da tornozeleira eletrônica por cerca de 30 vezes. A decisão foi do ministro Alexandre de Moraes, do STF, a pedido da Procuradoria-Geral da República. Na decisão, o ministro cita o “total desprezo pela Justiça”. O deputado Silveira foi preso em fevereiro em razão de um vídeo em que fez apologia ao AI-5, o mais sanguinário ato institucional da repressão militar, e pediu a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles Edson Fachin. A prisão foi chancelada pela unanimidade dos ministros do STF e confirmada pela Câmara dos Deputados.

A reação em cadeia alcançou outros aliados do Bolsonarismo, que empacaram no boicote irracional ao regime democrático. Desencadeada pelo ministro Alexandre de Moraes, foi realizada a busca e apreensão contra outras cavalgaduras golpistas. O deputado federal Otoni de Paula a e o cantor caipira, Sergio Reis, foram alvos em 20/8/2021 de mandados judiciais. Houve buscas em propriedades do cantor e no gabinete de Otoni de Paula, freguês de Moraes, já condenado antes a pagar uma indenização de R$ 70 mil por chiliques autoritários. A ação investiga incitação a atos violentos e ameaçadores contra a democracia. Ao todo, foram 13 mandados de autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes, atendendo a um pedido da subprocuradora Lindora Araújo, da Procuradoria-Geral da República.

Sérgio Reis, depois de conspirar contra a democracia, disse que não era bandido. Mocinho tampouco. O cantor havia convocado, com a veemência agressiva, um ato no dia 7 de setembro no qual os caminhoneiros iriam parar o Brasil em favor de Bolsonaro e pelo impeachment de Moraes. Desafinou. A selvageria golpista foi domesticada. Antes do arrependimento, Reis abusou do gogó para ameaçar as instituições: “Dia 8 eu, os caminhoneiros, os plantadores de soja, os fortes, os que carregam navios para fora, vamos ao Senado…Eles vão receber um documento assim: vocês têm 72 horas para aprovar o voto impresso e para tirar todos os ministros do Supremo Tribunal Federal. Não é um pedido; é uma ordem!”, dizia Reis no áudio. “Se vocês não cumprirem em 72 horas, nós vamos dar mais 72 horas, só que nós vamos parar o país Já está tudo armado. O país vai parar”, bravateou. Depois do chicote a valentia cedeu lugar a contrição: “Não matei, bati nem ofendi ninguém. Não mereço ser preso. Eu errei, que não erra? Quem não faz bobagem um dia?” Mais uma vez a ferocidade se transformou em covardia. Do bárbaro ao coitadinho inocente foi um passo.

Outro bolsonarista, pastor Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC, e seus dois filhos, Filipe Pereira e Laércio Pereira, foram presos em agosto de 2020 na Operação Tris in Idem, que também determinou o afastamento do cargo e posterior impeachment do ex-governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro. O pastor Everaldo foi citado na delação premiada do ex-secretário de Saúde, Edmar Santos, por conta da influência dele no Palácio Guanabara. O ex-secretário foi preso por corrupção. Segundo a delação, era o pastor Everaldo quem mandava na saúde do Rio de Janeiro. Está preso por suspeita de corrupção.

A ex-deputada federal e bolsonarista, Flordelis, também está atrás das grades, vizinha de Roberto Jefferson em Bangu. Ela foi presa no mesmo dia de Jefferson, na noite da sexta-feira 13, em sua casa, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 48 horas depois de perder o foro privilegiado de deputada federal. Ao deixar a sua casa, a ex-deputada carregava uma Bíblia e repetia a seus familiares: “Amo vocês, fé em Deus”. Flordelis é acusada de ser a mandante da morte do então marido, o pastor Anderson, assassinado na porta de casa em 18 de junho de 2019. No pedido de prisão, o MP afirma que Flordelis atrapalhou as investigações sobre o caso, orientou réus e testemunhas e eliminou provas. É a fina flor do crime.

A ex-deputada responde por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, emprego de meio cruel e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima – tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada. Em agosto de 2020, ela e outras 10 pessoas foram denunciadas pelo assassinato de Anderson do Carmo de Souza. O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 437 votos a 7, a cassação do mandato da deputada. No histórico das cassações da Câmara por crimes comuns, Flordelis teve o processo mais lento e arrastado. Desde que foi denunciada, ela ficou mais de um ano no cargo, até a cassação e a prisão. Engrossa a honrosa malta de assassinos, traficantes e delinquentes como Hidelbrando Pascoal, Talvane Albuquerque, Sérgio Naya, Jabes Rabello e outros.

Fiel ao adestramento do confronto e crises diárias, Bolsonaro voltou a escoicear o STF em uma entrevista a uma emissora de rádio em São Paulo contra a prisão dos aliados, o seu entorno pútrido: “Foi preso há pouco tempo um deputado federal e continua preso até hoje, em prisão domiciliar. A mesma coisa um jornalista, ele é jornalista, é blogueiro, também continua em prisão domiciliar até hoje. Temos agora um presidente de partido. A gente não pode aceitar passivamente isso, dizendo: “ah, não é comigo”. Vai bater na tua porta”. Uma conjugação de fatores atormenta a família: o derretimento nas intenções de votos para presidente, o pavor da prisão e o relatório da CPI da Pandemia, que deve ser enviado ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes contra a humanidade.

A reação em cadeia está deixando o clã Bolsonaro assombrado. Nos inquéritos tocados pelo STF estão sendo investigados dois filhos do capitão: Carlos e Eduardo Bolsonaro e por corrupção, Flávio Bolsonaro. Eles passam noites insones e atormentadas. O deputado federal, que já verbalizou a intenção da ruptura, se insurgiu contra a prisão dos parceiros: “Prendem por fake news. Prendem por atos antidemocráticos. O que é um ato antidemocrático? Prendem por milícia virtual. Vai chegar uma hora em que essas ordens da mais alta Corte do Judiciário nacional não vão ser cumpridas, infelizmente”. Eles próprios se questionam quem será o próximo: “Não tem mais corda para você esticar. Qual seria o próximo passo? Prender o presidente? Prender um dos filhos? A gente não tem medo de prisão”. Nenhum deles tem medo, até o dia D.

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BRANCALEONE - BOLSONARO PREPARA UMA SURPRESA DESAGRADÁVEL PARA O DIA DA PÁTRIA

José Fonseca Filho, OS DIVERGENTES

Os brasileiros desconfiam, seriamente, que o capitão expulso do Exército e que acabou virando presidente da República articula a formação de grupos radicais para golpear nosso regime democrático. Que o país passou 21 anos para restabelecer, depois de uma ditadura militar.

Seus esbirros estão organizando grupos que não primam pela decência, mas pelo ódio, o fascismo, o sentimento destruidor, a baderna. Bolsonaro imagina que vai conseguir concretizar um golpe com alguns reforços que estão sendo selecionados. Todos grupos radicais. Enquanto isso, algo incrível, ele manda o povo comprar fuzis,  embora os brasileiros estejam precisando é de cestas básicas.

Um conflito com vários tipos de forças é o que os bolsonaristas desejam. Já combinaram pelotões com mais de 20 mil motoqueiros cada, atuando em diversas regiões. Com Bolsonaro de abre alas, em alguns casos. É o suposto grande presidente em ação. O cantor Sérgio Reis, uma cavalgadura de quase 2 metros de altura e 4 mm de cérebro, surgiu das trevas e garantiu colocar 5 mil caminhoneiros nas estradas e paralisar Brasília. Pelos arroubos apresentados seria um perigoso agitador, mas não passa de um ridículo falastrão.

Um dos pelotões de ataque aos democratas será comandado por três provocadores da família, o O1, o O2 e o 03. Todos com vivência militar mas viciados nas atividades legislativas, mais rentáveis. Recebem bons salários e acréscimos fornecidos pelos funcionários do gabinete. É a chamada rachadinha: uma grana de cada qual passada ao chefe para manter o emprego. Chefiam ainda o setor de comunicação midiática com as redes sociais, além da intromissão em todos os setores do governo. O Papai deixa.

Outro grupo de destruidores da democracia é formado por milicianos cariocas, bem armados, ativos e igualmente  defensores do possível candidato. Formam um dos grupos mais agressivos, contando ainda com reforço de setores policiais. O presidente e seus seguidores estão organizando núcleos de ataque aos que eles chamam de comunistas. O problema é que a maioria vermelha mora na Coréia do Norte e alguns milhares sobrevivem em Cuba.

Todos esses esquemas de segurança e ataque aos adversários estão de acordo com o desejo do presidente. Ele não conseguiu destituir um ministro do STF nem implantar o voto de papel. Outro grupo dá indícios de proximidade com Bolsonaro para dar-lhe apoio. São as Polícias Militares estaduais. Nesse caso, os governadores vão entrar na refrega e a situação poderá ficar incontrolável.

A população brasileira está saturada das grosserias e estultices do presidente, e cogita não ter de suportar tal situação por mais tempo. Portanto, ela não ficará inerte diante dos problemas e abusos. As perspectivas eleitorais para sua reeleição são desfavoráveis. E se a disputa for entre Bolsonaro e Lula, o eleitorado estará numa encruzilhada. Nenhum dos dois presta. E o opcional não existe.

Frustrado o inimaginável golpe contra a democracia, o presidente é defenestrado e deixa o cargo. Demais candidatos voltam para casa. Assume o vice-presidente Hamilton Mourão. Basta de provocações e incompetências de um presidente insano. É tempo de cuidar do Brasil e de sua população, que agora soma 213.5 milhões. Sem esquecer de liquidar a Covid 19.

— José Fonseca Filho é jornalista

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A PAZ ESTÁ DE MALAS PRONTAS PARA FUGIR NO FERIADO DE 7 DE SETEMBRO

Silvio Tendler, OS DIVERGENTES

Reflexão a partir de Angela Alonso

A Eduardo Chuay

Quem não teve infância nos anos 50, não sabe o que é sete de setembro. Não teve liberdade para aplaudir a Banda dos Fuzileiros Navais. o Regimento dos Dragões de Independência sob o comando de Ivan Cavalcânti Proença, a Esquadrilha da Fumaça.

Sim, antes do golpe de 64 as crianças se divertiam com os desfiles militares e as paradas na Presidente Vargas nos enchiam de sonhos e fantasias.

Os quartéis eram divididos entre udenistas e democratas. Muitos comunistas coexistiram dentro das forças armadas com golpistas e essa coabitação nas forças armadas acabou em 64 com o expurgo promovido pelos vencedores contra os vencidos.

Conhecer a história  é fundamental para sabermos como chegamos a esse fundo de poço e para superar esse momento, precisamos coragem e ousadia. Com medo, no máximo chegaremos apertados ao banheiro do bar da esquina.

Conheçam e disseminem   histórias de Ruy Moreira Lima, Brigadeiro Chico Teixeira, Paulo Malta, Tenente Ferro Costa, General Ladário Pereira Telles, General Zerbini. Marechal Lott, entre milhares de oficiais, suboficiais e praças expurgados em/a partir de 1964.

Perguntem aos dirigentes políticos da sua devoção por que o currículo das Academias Militares não foi mexido com a redemocratização?

Gentileza gera gentileza, medo gera mais medo. “Viver é lutar”.

Assistam a “Os Militares que  Disseram Não” no Canal Caliban Cinema e Conteúdo no You Tube. Minha modesta contribuição à luta pela democracia.

Silvio Tendler é cineasta premiado, autor de vários documentários. Entre eles, “Jango”, “Os Anos JK”, “Glauber, o labirinto do Brasil”, Encontro com “Milton Santos”, “Tancredo, a travessia”

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BOLSONARISMO IMPLODE ELITES ECONÔMICO-FINANCEIRAS

Helena Chagas, OS DIVERGENTES

Nunca antes neste país um manifesto moderado de três parágrafos provocou tanta confusão entre as elites do capital nacional. Patrocinado pelo até ontem insuspeito bolsonarista Paulo Skaf, presidente da Fiesp, o documento foi usado pelo Planalto para confrontar a poderosa Febraban, usando os bancos oficiais que um dia o governo Bolsonaro jurou que seriam autônomos.

O resultado da lambança deixou todos os personagens em má situação, e a decisão de adiar a divulgação do manifesto, anunciada hoje pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, é mais ou menos como tirar o sofá da sala.

Só não vê quem não quer que, junto com boa parte do PIB, o mercado desembarcou do governo Bolsonaro. A assinatura da sempre comportada Febraban no documento – que não ia sequer tocar no nome do presidente e ia jogar na conta dos três poderes a crise institucional – não chega a ser uma surpresa. Expoentes importantes do setor financeiro, como Pedro Moreira Salles, Roberto Setubal e José Olympio Pereira já haviam assinado como pessoa física, há semanas, manifesto muito mais forte com críticas ao governo e às investidas antidemocráticas de Jair Bolsonaro.

A novidade agora é que o presidente da Caixa, com apoio do do Banco do Brasil e do Planalto, resolveu rachar a Febraban com a ameaça de sair da entidade, numa ruptura inédita. Aos olhos do mercado, porém, a Federação dos Bancos perde menos do que o governo. Com esse gesto, ficou claro para os últimos recalcitrantes que ainda acreditavam que o liberalismo desse governo é de araque. E que Bolsonaro está e continuará interferindo politicamente na Caixa e no Banco do Brasil, sim.

Também a Fiesp de Paulo Skaf ficou numa saia justa. Há versões diversas sobre as intenções de Paulo Skaf com o documento, que vão da contrariedade por não ser o candidato de Bolsonaro a governador de SP em 2022 à possibilidade de ter feito o documento em tom meio anódino para restabelecer uma ponte do empresariado com o Planalto.

O fato concreto, seja qual for a narrativa, é que Skaf perdeu o controle do movimento e ficou com o mico na mão ao adiar a divulgação da carta. Muita gente que assinou não está gostando nada disso – e é possível que, nas próximas horas, saia um manifesto do B. O bolsonarismo conseguiu implodir até as elites econômico-financeiras do país.

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