quarta-feira, 30 de junho de 2021

LULA EM CÉU DE BRIGADEIRO. BOLSONARO NO MEIO DA TEMPESTADE

Pinheiro do Vale, OS DIVERGENTES

O ex-presidente Lula voa em céu de brigadeiro; o presidente Jair Bolsonaro, no seu teco-teco, está em meio a uma nuvem cumulunimbos, enfrentando tormentas e trovoadas. Aliviado de suas condenações e processos, o líder petista ainda está na lua de mel com a opinião pública. Já o presidente está matando no peito toda a carga negativa da pandemia, do desastre das vacinas, dos números de mortos e já vê chegando a seu colo os incêndios florestais da temporada da seca. Ou seja: é o pior momento de seu mandato, indicam os resultados de pesquisas. Lula trafega sobre uma base superior a 50 por cento de intenção de votos para as eleições de 2022.

Nos meios profissionais, os marqueteiros não estão muito impressionados com os índices de aprovação e, mesmo, com os de rejeição. Tudo pode mudar quando a luta eleitoral entrar para valer. É aí que mora o perigo: Bolsonaro está muito preocupado com as acusações de corrupção na compra de vacinas, que pousaram na CPI da Covid do Senado.

Esta denúncia colada nele e amplificada desmedidamente é uma cunha num espaço considerado essencial pelos marqueteiros do presidente: “zero corrupção” é seu lema. Portanto, não importa que a tal denúncia venha de um parlamentar suspeito (Luis Miranda), que atirou pelas costas. Ou um “ouvi dizer”, “alguém falou”, no caso da denúncia de envolvimento do paranaense Ricardo Barros, líder do Governa na Câmara dos Deputados, tudo dito nos verbos no tempo condicional. Saindo da CPI ganha uma força extraordinária e pode complicar.

A pecha da corrupção eles estavam reservando para gastar em cima do ex-presidente Lula, revolvendo os números bilionários dos escândalos do Mensalão, Petrolão e dos imóveis adquiridos ou oferecidos ao ex-presidente da República pelo PT. Também não importa em nome de quem estejam registrados, vão colar a propriedade no ex-presidente Lula da Silva. A denúncia de maracutaia na importação da vacina indiana pode desmontar esse bloco monolítico de argumentação e proselitismo. Daí o pânico de Bolsonaro, as ameaças do ministro Onyx Lorenzoni e o nervosismo no Palácio do Planalto.

Já no outro lado, nos arraiais petistas, a oportunidade da denúncia na CPI não foi bem acolhida, pois pode turvar o céu limpo em que Lula viaja pelo Brasil. Corrupção é uma palavra perigosa. Como se diz: não se fale em corda em casa de enforcado.

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TERREMOTO NA SAÚDE

Editorial Folha de S.Paulo

São estarrecedores os relatos que vêm à tona sobre negociações supostamente conduzidas pelo governo Jair Bolsonaro com fabricantes de vacinas contra a Covid-19.

Acumulam-se indícios de que aliados do presidente, funcionários públicos e atravessadores buscaram ganhos indevidos nas sombras, enquanto o mundo corria atrás de imunizantes e milhares de brasileiros morriam nos hospitais sem proteção contra a doença.

Em entrevista à Folha, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante de um distribuidor que ofereceu milhões de doses da AstraZeneca ao Ministério da Saúde, disse ter sido informado em fevereiro de que a conversa só avançaria se aceitasse pagar propina de US$ 1 por dose.

Segundo ele, o recado foi dado pelo então diretor da área de logística do ministério, Roberto Ferreira Dias, um dos funcionários indicados para a pasta pelo PP, sigla à frente do bloco que dá sustentação a Bolsonaro no Congresso.

Na semana passada, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão Luis Ricardo, servidor de carreira do ministério, contaram à CPI da Covid que denunciaram em março ao próprio presidente pressões que teriam ocorrido durante tratativas para aquisição de outra vacina, a indiana Covaxin.

Bolsonaro prometeu mandar a Polícia Federal investigar o caso, mas não o fez. Nesta terça, soube-se pela revista Crusoé que, segundo Miranda, um lobista ligado ao PP fez uma oferta milionária para comprar seu silêncio depois do encontro com o presidente.

Acertadamente, o Ministério da Saúde demitiu Ferreira Dias na noite de terça, horas após anunciar a suspensão do contrato da Covaxin. Ainda resta muito a esclarecer nos dois casos, mas a gravidade das suspeitas justifica as medidas preventivas tomadas.

A sucessão de escândalos cria um abalo para Bolsonaro e um dos fiadores de seu casamento com o centrão, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara e padrinho de ocupantes de postos-chave na pasta da Saúde, que chefiou no governo Michel Temer. Barros foi chamado a se explicar à comissão parlamentar.

Nada é mais revelador do tremor provocado na aliança que o comportamento errático do presidente, que costumava pôr a mão no fogo por seus ministros e nesta semana procurou fugir de responsabilidades e se distanciar da confusão, dizendo não ter como saber tudo que seus auxiliares fazem.

Com a decisão do subserviente —e candidato a uma indicação presidencial ao Supremo— procurador-geral, Augusto Aras, de cruzar os braços até que a CPI conclua suas investigações, resta esperar que os parlamentares façam seu trabalho com rigor e celeridade para esclarecer as gravíssimas suspeitas.

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MORRE DONALDO RUMSFELD

Do G1

O ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos Donald Rumsfeld morreu aos 88 anos, informou nesta quarta-feira (30) a família do político, que não especificou a causa da morte.

Republicano, Rumsfeld ocupou o cargo de secretário de defesa nos governos de Gerald Ford (1975-1977) e, mais recentemente, George W. Bush (2001-2006) — inclusive era ele quem comandava o Pentágono nos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, quando um dos aviões sequestrados caiu sobre a sede do Departamento de Defesa americano.

Depois dos ataques de 11 de setembro, foi Rumsfeld quem liderou os ataques ao Afeganistão a partir do fim daquele ano, colocando fim ao regime Talibã que dominava o país asiático.

Ele também foi um dos nomes fortes do governo Bush a defender e comandar a invasão ao Iraque, em 2003, que até hoje é uma das páginas mais controversas na história dos EUA. Rumsfeld recebeu inúmeras críticas pelo tratamento dado a prisioneiros na prisão de Abu Ghraib, no Iraque.

LEIA MAIS: Em memórias, Rumsfeld diz não se arrepender de ação no Iraque

Com as críticas à condução do Pentágono, sobretudo após a continuidade da instabilidade no Iraque e as denúncias de tortura, Rumsfeld foi perdendo espaço no governo Bush até sair do cargo em 2006. O político ainda tinha respaldo do então vice, Dick Cheney, e de outras lideranças republicanas, mas acabou saindo.

Porém, a experiência fez Rumsfeld ser consultado com alguma frequência para assuntos militares e políticos. Em 2011, em entrevista à emissora ABC News Radio, o ex-secretário se mostrou favorável a participação de homossexuais assumidos nas Forças Armadas, elogiando gays e lésbicas que prestaram "serviços honoráveis". Em 2016, perto das primárias republicanas, ele declarou que votaria em Donald Trump — que acabou se elegendo presidente dos EUA.

Rumsfeld deixa sua esposa, Joyce, três filhos e sete netos.

Bush lamenta morte

O ex-presidente George W. Bush lamentou a morte do ex-secretário. "Na manhã de 11 de setembro de 2001, Donald Rumsfeld correu ao Pentágono para dar assistência aos feridos e garantir a segurança dos sobreviventes. Pelos cinco anos seguintes, ele fez um trabalho firme como secretário de Defesa em período de guerra, uma tarefa que ele conduziu com força, capacidade e honra."

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A OPERAÇÃO URUGUAI DE BOLSONARO

Andrei Meireles, OS DIVERGENTES

É impressionante a fragilidade dos golpes quando eles são desvendados. Até parece óbvio um esquema de roubalheira no Ministério da Saúde, que começou antes, mas foi mantido pelo atual governo, a um custo incalculável em vidas e nos bolsos dos contribuintes. A corrida atrás do próprio rabo pelo governo Bolsonaro, além de ridícula, pode ser enquadrada em uma penca de crimes.

As revelações ao ministério público e à CPI da Covid pelos irmãos Miranda – Luís Ricardo, até aqui um servidor público exemplar, e o controvertido deputado Luís Miranda — sobre a denúncia que fizeram ao presidente Jair Bolsonaro de que estava rolando no Ministério da Saúde uma tramoia bilionária tirou dos inquilinos do Palácio do Planalto o saideiro restinho de uma narrativa desastrada e trágica.

Perto dela, até a famosa Operação Uruguai — derradeira tentativa de Fernando Collor para se livrar do impeachment — com um suposto empréstimo do exterior para justificar inexplicáveis rendimentos e seu de padrão de vida, desmascarado pela CPI de então, foi menos amadora. Caiu por terra  com a revelação da fraude pela secretária Sandra Fernandes de Oliveira, que trabalhava em uma empresa privada que participou da armação. Os depoimentos dela e o do motorista Eriberto França foram decisivos para a queda de Collor.

Aquela tentativa mal sucedida pelo menos teve algum planejamento. No escândalo sobre a compra da vacina Covaxin nem isso teve. É uma sucessão de improvisos que só reforçam a amadora montagem de um enredo sem qualquer sustentação na realidade. Um grotesco espetáculo no Palácio do Planalto desencadeou uma sequência de erros. Com a pompa, a  circunstância e a arrogância de sempre, antes mesmos dos depoimentos dos Miranda na CPI, Bolsonaro tentou desacreditá-los escalando o ministro Onix Lorenzoni e o coronel Élcio Franco para um pronunciamento no Palácio do Planalto.

Com ameaças e olhos marejados, a dupla palaciana tentou intimidar os irmãos Miranda. Virou piada antes mesmo do fracasso desse teatrinho que fracassou com as avassaladoras revelações dos Miranda na CPI da Pandemia.  Afirmaram que o servidor Luís Ricardo Miranda — chefe do departamento de importação de insumos e vacinas do Ministério da Saúde, que estava nos Estados Unidos organizando a vinda das vacinas Jansen doadas pelo governo americano — fraudara uma fatura para prejudicar o governo. Mais: anunciaram que Jair Bolsonaro estava mandando a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União investigar a fraude.

A tal fatura, que previa aberrações como um pagamento antecipado de R$ 222,6 milhões a uma empresa de fachada em Cingapura, é autêntica e está no processo de compra no Ministério da Saúde. O pior é que o governo até hoje não consegue explicar mais nada. Onix saiu de cena. Élcio Franco não consegue sair dela.

Por sua vez, Bolsonaro repete o comportamento de sempre quando está com medo. Até agora não deu um pio sobre a conversa com os irmãos Miranda — trai o medo de que tenha sido gravada. Seu governo segue criando versões cada vez mais inverossímeis. A última é que o general Eduardo Pazuello, mesmo depois de limpar suas gavetas no Ministério da Saúde, em seu último dia de aviso prévio, foi acionado por Bolsonaro e repassou ao tal coronel Élcio Franco — demitido dias depois —  a tarefa de investigar se houve ilegalidades e/ou corrupção na inusitada negociação para a compra da Covaxin.

Pazuello deu a esfarrapada desculpa de que nada contou ao ministro Marcelo Queiroga porque a apuração não encontrou nenhum problema no negócio. A CPI da Covid vai deitar e rolar nessas versões muito mal ajambradas que não resistem a nenhuma lógica.

Enquanto isso, Bolsonaro delira. Na madrugada da terça-feira (29), ele divulgou um vídeo no facebook em que disse: “Me acusam de corrupção virtual. Não recebemos uma ampola da vacina, não paguei um centavo, e estão me acusando de corrupção”. Horas antes, produziu outra pérola. “Eu nem sabia como é que estava a tratativa da Covaxin, porque são 22 ministérios… Não tenho como saber o que acontece nos ministérios”.

Mais uma farsa. O dinheiro só não saiu dos cofres públicos porque precisava da assinatura do Luís Ricardo, que, mesmo sob pressão de seus superiores, se negou a assinar. Na conversa com Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, ele deu nomes aos bois. Todos subordinados ao coronel Élcio Franco.

Um deles, o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias — apadrinhado do deputado Ricardo Barros – foi demitido na noite dessa terça-feira, após nova acusação. Vale lembrar que ele foi indicado por Bolsonaro, em outubro de 2020, para uma diretoria da Anvisa.

De nada adiantou o anúncio da suspensão do contrato para a compra da Covaxin. Em entrevista à Folha de São Paulo, o empresário Luiz Paulo Dominguetti, contou nessa terça-feira, com todos os detalhes que, em um restaurante em Brasília, Roberto Dias e outras duas pessoas — um deles militar — teriam condicionado a aprovação de sua proposta de venda de 400 milhões de doses da AstraZeneca a uma propina de U$ 1 por cada uma delas. “O caminho do que aconteceu nesses bastidores com o Roberto Dias foi uma coisa muito tenebrosa”. Dominguetti vai depor na CPI.

Tem mais. Em entrevista a O Antagonista, o deputado Luís Miranda, que vai soltando acusações em pílulas, denunciou as tentativas de Ricardo Barros e do lobista Silvio Assis de convencê-lo a não revelar as maracutaias no Ministério da Saúde. A porteira foi aberta e pode passar uma boiada de negócios no mínimo esquisitos por ela.

A conferir.

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AMANHÃ TALVEZ...

Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

Lira diz que não vai analisar superpedido de impeachment agora e que irá esperar a CPI

BRASÍLIA – O superpedido de impeachment protocolado na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, 30, deve ficar parado. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), não pretende analisar o documento, pelo menos por enquanto. 

“Não será feito agora, né. Tem que esperar”, afirmou a jornalistas. “O que houve nesse superpedido? Uma compilação de tudo o que já existia nos outros e esses depoimentos, quem tem que apurar é a CPI. É para isso que ela existe. Então, ao final dela a gente se posiciona aqui, porque na realidade impeachment, como ação política, a gente não faz com discurso, a gente faz com materialidade”, disse. 

Com 46 assinaturas e 271 páginas, o documento é assinado por deputados da oposição, centro-direita e ex-bolsonaristas, como Joice Hasselmann (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP). O texto foi elaborado pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e tem como signatários, além dos parlamentares, entidades representativas da sociedade e personalidades.

Foram apontados 23 crimes que teriam sido cometidos por Bolsonaro desde que assumiu a Presidência da República.

Questionado se vai rejeitar o pedido, Lira disse que há ainda outros 120 requerimentos na fila. Ao final da conversa, o presidente da Câmara, que sempre se colocou contra a instalação de uma CPI neste momento, fez um comentário sobre o trabalho dos senadores. “Vou esperar a CPI, está fazendo um belíssimo trabalho, bem imparcial”, disse, em tom irônico.

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PROCURADORIA ABRE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PARA APURAR COMPRA DA COVAXIN PELO GOVERNO BOLSONARO

Vinicius Sassine, Folha de S. Paulo

O MPF (Ministério Público Federal) instaurou um procedimento investigatório criminal, conhecido internamente pela sigla PIC, para apurar as suspeitas de crime no contrato para compra da vacina indiana Covaxin assinado entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, empresa intermediadora da Bharat Biotech.

O procedimento foi aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal na tarde desta quarta-feira (30). O procurador Paulo José Rocha Júnior já determinou as primeiras diligências a serem feitas para o início das investigações.

Também nesta quarta-feira, a Polícia Federal instaurou inquérito para investigar a compra da Covaxin pelo governo Jair Bolsonaro, conforme antecipou a coluna Painel. O caso será conduzido pelo Sinq (Serviço de Inquéritos) da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF.

A Folha mostrou em 22 de junho que o MPF havia desmembrado um inquérito civil público, aberto para apurar improbidade administrativa, diante dos indícios de crime no contrato para a compra da Covaxin. O desmembramento ocorreu no dia 16, quando a procuradora Luciana Loureiro encaminhou a parte relacionada a essa contratação a um ofício que cuida de combate à corrupção.

Com a escalada da crise envolvendo o negócio, o PIC foi instaurado para averiguar as suspeitas de crime.

Um dos indícios levados em conta foi o depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda, chefe do setor de importação do Ministério da Saúde. A Folha revelou a existência e o teor da oitiva em reportagem publicada no dia 18.

Miranda afirmou ter sofrido uma pressão atípica para tentar liberar o primeiro lote de vacinas, apesar da falta de documentação e de apresentação de faturas com previsão de pagamento antecipado de US$ 45 milhões, o que não está previsto em contrato.

Desde a revelação, o caso Covaxin cresceu e passou a ser o foco central da CPI da Covid no Senado. O servidor foi ouvido pelos senadores e confirmou o mesmo teor do depoimento ao MPF. Seu irmão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), também ouvido na CPI, disse que a denúncia foi apresentada pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro.

Nesta terça (29), a Folha revelou uma suspeita de cobrança de propina na negociação de vacinas no ministério.

Representante de empresa vendedora de vacinas, Luiz Paulo Dominguetti Pereira afirmou ter recebido proposta de pagamento de propina, formulada por Roberto Ferreira Dias, então diretor do Departamento de Logística em Saúde. Segundo Dominguetti, que diz representar a Davati Medical Supply, a proposta de suborno foi de US$ 1 por dose.

Com o surgimento de indícios de crime, a parte da investigação do MPF relacionada ao contrato para a compra da Covaxin foi enviada ao 11º Ofício de Combate ao Crime e à Improbidade Administrativa.

Segundo o despacho inicial do MPF, que desmembrou a investigação, não há justificativa, a princípio, para a “temeridade do risco” assumido pelo Ministério da Saúde com a contratação relacionada à Covaxin, “a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”.

“A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto, cível e criminal”, afirmou a procuradora Loureiro no despacho.

A Covaxin é fabricada pela indiana Bharat Biotech e representada no Brasil pela Precisa Medicamentos. É a Precisa que assina o contrato com o Ministério da Saúde para o fornecimento de 20 milhões de doses, a um preço individual de US$ 15. Nenhuma outra vacina comprada pela pasta tem custo tão elevado.

O preço elevado é uma das razões para a necessidade de investigação criminal, segundo o MPF. O valor é superior aos da negociação de outras vacinas no mercado internacional, como a Pfizer, conforme o despacho da Procuradoria. No Brasil, a dose da Pfizer saiu por US$ 10.

O MPF aponta ainda uma quebra de cláusulas contratuais. O contrato entre Saúde e Precisa prevê que os 20 milhões de doses deveriam ser entregues em até 70 dias após a assinatura do documento, que ocorreu em 25 de fevereiro. Nenhuma dose chegou ao Brasil até agora.

“Expirados os 70 dias de prazo para a execução escalonada do contrato, nenhum dos lotes de 4 milhões de doses fora entregue pela contratada Precisa”, cita o despacho do MPF.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) concedeu autorização para importação da vacina somente no último dia 4, e com restrições.

A agência, em 31 de março, havia negado pedido de importação formulado pelo Ministério da Saúde, diante da falta de documentos básicos por parte da empresa.

“Embora se trate a situação de nítida hipótese de descumprimento da avença, o Ministério da Saúde vem concedendo oportunidades à empresa de sanar as irregularidades perante a Anvisa, elastecendo os prazos de entrega da vacina, mesmo sabendo que é incerta a entrega das doses contratadas e, por enquanto, não autorizada sua distribuição em larga escala”, afirmou a Procuradoria no DF.

A finalidade prevista em contrato –distribuir doses contratadas em ampla escala, dentro do PNI (Programa Nacional de Imunizações)– não tem previsão para ser alcançada, conforme o MPF, “o que deveria reclamar do gestor público imediata ação corretiva”.

Outro ponto que justifica o aprofundamento das investigações, na esfera criminal, é o histórico de atuação da Global Gestão em Saúde. A empresa tem como sócio o mesmo dono da Precisa Medicamentos, Francisco Emerson Maximiano.

Em dezembro de 2018, o MPF moveu uma ação de improbidade administrativa contra o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, e contra a Global por ter havido pagamentos antecipados de R$ 20 milhões à empresa por medicamentos não entregues.

“Houve prejuízos a centenas de pacientes dependentes de medicamentos de alto custo, e prejuízo de mais de R$ 20 milhões ao erário, ao que consta ainda não ressarcidos”, afirmou Loureiro no despacho. “O fato desencadeou uma ação de improbidade administrativa em face do então ministro da Saúde e vários outros servidores, estando em curso inquérito policial sobre os mesmos fatos.”

O Ministério da Saúde, diante das suspeitas, suspendeu o contrato e analisa cancelá-lo.

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MITOS EM CONCORDATA

Rosângela Bittar, O Estado de S.Paulo

A nova explosão de agressividade de Jair Bolsonaro e sua militância é sinal de que não está dando certo o projeto de continuidade no poder a qualquer custo. Estão em perigo duas certezas que fundamentam a campanha eleitoral intensiva a que o presidente submete o País. Primeiro, o voto impresso. Perdeu apoio e sentido a fantasiosa desconfiança na urna eletrônica. Segundo, esfacela-se o mito de governo incorruptível, marca que ele próprio se atribui, contra todas as evidências.

Ninguém mais teme as ameaças de convulsão social caso Bolsonaro não seja obedecido. Uma intenção de golpe desmoralizada, tanto pelo Congresso, que não deve votar a lei, quanto pela Justiça Eleitoral, que a aplicaria a contragosto. Oficialmente, 11 partidos se manifestaram contra tal retrocesso. Bolsonaro terá que inventar outra maneira de deflagrar uma crise institucional caso seja derrotado nas urnas. O projeto de uma infinita recontagem de votos, com a indefinição eterna dos resultados, terá de esperar por novo pretexto. O modelo Trump não colou nos Estados Unidos e dificilmente dará certo no Brasil, embora a democracia, aqui, seja mais frágil.

Já o discurso de ausência de corrupção no governo choca-se frontalmente com a realidade, agora demonstrada tanto na CPI da Covid, como no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Contas da União. O caso da vacina indiana Covaxin é exemplar de um dos métodos que o governo usa para sustentar sua propaganda enganosa: se descoberta uma armação, logo é desfeita antes que o crime se consuma. Depois da denúncia, age-se como se não tivesse sido urdida.

Esta prática de desmanchar o malfeito só quando denunciado repete-se em outras situações suspeitas de envolverem corrupção. O escandaloso caso dos computadores do MEC até hoje é tratado com um silêncio constrangedor. As “rachadinhas”, assíduas no rol de denúncias contra parlamentares da família presidencial, são esquecidas na lista de corrupção mas não apagadas. As ligações pessoais com empresas em intermediações relatadas na CPI da Covid, outro tipo de incidência irregular na folha corrida da atual administração.

Os processos do ex-ministro Ricardo Salles dispensam registro. O disfarce, neste escalão, é outro: quando o cerco está prestes a se fechar, Bolsonaro tira o indigitado do cargo, como se o sujeito não tivesse pertencido jamais ao governo. O ministro Rogério Marinho até hoje não explicou o rateio de um orçamento secreto entre a elite da base aliada. Nem os demais ministros que se utilizaram do mesmo expediente.

A área de Saúde é emblemática por causa da pandemia que já tirou a vida de 515 mil brasileiros. Só no Tribunal de Contas da União há mais de 40 processos em tramitação, do kit covid à cloroquina, da compra de aventais à omissão na aquisição de vacinas.

Há três semanas, o TCU suspendeu uma compra superfaturada de tratores para a Icmbio. Mais do que licitação, tratava-se de uma “ata registro”, uma espécie de guarda-chuva: quem quiser adquirir o produto, adere, tornando desnecessárias outras licitações.

O negacionismo de Bolsonaro é um vício renitente e incide nestas operações suspeitas. Ontem mesmo, ele negou, candidamente, que tenha conhecimento do que se passa nos ministérios. Mas foi no seu governo que o País viu reduzir-se a capacidade de controle das irregularidades. O Brasil piorou nos índices de corrupção entre os 15 países da América Latina acompanhados por instituições americanas e inglesas. Entre os fatores negativos determinantes está uma recorrente mania de Bolsonaro: a tentativa de subordinação de instituições que deveriam ser independentes.

O dramático brado do ministro Onyx Lorenzoni contra os que denunciam casos de corrupção no governo Bolsonaro, jurando pureza administrativa há 30 meses, soou completamente falso. Canastrice pura.

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'SUPERPEDIDO' DE IMPEACHMENT TESTA A MURALHA DE ARTHUR LIRA EM MOMENTO TRÁGICO PARA O GOVERNO

Marina Rossi, EL PAÍS

Em meio a denúncias de corrupção que pesam sobre o Governo, e às vésperas de mais uma convocatória de atos em todo o país contra o presidente Jair Bolsonaro, uma articulação de grupos lança uma semente de frente ampla antibolsonarista ao protocolar na Câmara dos Deputados um superpedido de impeachment. O requerimento contempla 23 crimes da Lei do Impeachment que, segundo eles, recaem sobre o presidente e que já estavam presentes nas outras 122 ações paradas na Mesa Diretora da Câmara. O documento é assinado principalmente por movimentos sociais e partidos de esquerda e centro esquerda como PT, PDT, Rede, PSB, PSTU e PSOL, além do Cidadania. Mas nomes associados à direita e que deram força ao bolsonarismo no passado também se somaram ao superpedido, incluindo os deputados Joice Hasselman (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP), além do Movimento Brasil Livre (MBL). A ausência de partidos como o PSDB ou PL mostra que a unidade em torno do assunto ainda tem resistências entre partidos da direita tradicional e que pode não haver votos suficientes na Câmara para peitar essa empreitada caso prospere.

Seja como for, o novo pedido bate na muralha do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro. Lira tem declarado que não pretende colocar o impeachment em pauta. “Falta circunstância”, afirmou, em entrevista ao jornal O Globo no último dia 22. “Falta um conjunto de coisas.”

Para os responsáveis pelo pedido, porém, faltavam evidências que agora estão presentes nas mais recentes suspeitas de corrupção no Ministério da Saúde em plena pandemia. O advogado Mauro Menezes, um dos autores do superpedido, afirma que os últimos episódios da CPI foram cruciais para alavancar a entrega do documento na Câmara. “Após o depoimento [do deputado Luis Miranda e seu irmão Luis Ricardo Miranda que acusaram irregularidades no contrato da Covaxin], ficou ainda mais nítida a ocorrência de crime de responsabilidade contra a probidade administrativa.” São considerados atos de improbidade aqueles em que o agente público comete algum ato contra a administração pública. Pesa contra Bolsonaro, segundo Menezes, o fato de ele ter tomado conhecimento das suspeitas na compra da Covaxin, segundo relataram à CPI os irmãos Miranda, e mesmo assim, não ter tomado nenhuma atitude, o que configura prevaricação. Bolsonaro jamais negou ter tido a conversa com os Miranda.

Segundo Menezes, o fato de não ter agido é um dos pontos fundamentais do pedido de impeachment. “O presidente seria conhecedor dos fatos e também da autoria dos fatos e deliberadamente, sabendo, absteve-se de tomar qualquer medida”, diz. “Essa é uma novidade que deve ser considerada como decisiva.” O presidente, por sua vez, segue negando irregularidades e afirma, insistentemente, que nenhuma vacina indiana foi comprada, embora 1,6 bilhão de reais tenha sido empenhado para o contrato. “Me acusam agora de corrupção virtual”, afirmou, em um vídeo na última segunda-feira e publicado em suas redes sociais. Na noite desta terça, porém, um dos funcionários do ministério identificado como um dos autores de pedido de propina para a compra de vacinas foi exonerado pelo Governo. O diretor de Logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, teria proposto o pagamento de um dólar por dose de vacina comprada a um negociador que se disse representante da AstraZeneca.

Se a oposição a Bolsonaro ganha artilharia com o desenrolar da CPI, a dúvida é saber se Lira considera os novos fatos apresentados como suficientes para aceitar o novo pedido. As acusações de corrupção alcançam o deputado Ricardo Barros (PP-PR), colega de partido do presidente da Casa. Barros é apontado como uma pessoa ligada à Precisa Medicamentos, que teria tentado intermediar a compra da Covaxin, e seria um nome de influência do Centrão dentro do Ministério da Saúde em negócios suspeitos de corrupção em outras compras.

O casamento de Lira e Bolsonaro se fortaleceu em fevereiro deste ano quando Lira derrotou Rodrigo Maia na disputa pela presidência da Casa. Desde então, o presidente da Câmara ganhou poder e prestígio defendendo as pautas econômicas e acelerando projetos de interesse do Governo. A soma da impopularidade do presidente Bolsonaro com as denúncias de corrupção pode, em tese, aumentar a pressão sobre Lira. Só não se sabe até que ponto. Nos dois casos recentes em que presidentes tiveram na berlinda ― o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e as denúncias criminais contra Michel Temer que chegaram a Câmara no ano seguinte― tiveram desfecho diferente no Parlamento. Ambos em baixa nas pesquisas e enfrentando denúncias de corrupção. Temer, porém, tinha ao seu lado o mercado financeiro, e isso ajudou a azeitar alianças no Congresso, já representado em seu gabinete, para conseguir votos que derrubassem seu pedido de impeachment.

Lula faz aceno a impeachment e direita anti-Dilma testa discurso

Agora, nos cálculos de Lira devem entrar outros fatores. A pressão sobre o presidente da Câmara deve aumentar nos protestos deste sábado nas ruas, que ainda estão tomadas por movimentos esquerda. Atores com o Movimento Brasil Livre e o Vem pra Rua ensaiam apoio ao impeachment por uma estratégia de ver a chance de ter um candidato mais competitivo para derrubar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desponta com força nas pesquisas. “É impeachment ou o PT de volta”, escreveu Renan Santos, um dos líderes do MBL, em um artigo na Gazeta do Povo. “Manter Bolsonaro no poder é certeza do retorno de Lula. Ou derrubamos este criminoso, ou ele entrega o país (em frangalhos) de bandeja para o petismo.”

Já o Vem pra Rua não se uniu à coalizão, mas protocolou um pedido de impeachment sozinho nesta terça-feira (29), listando 35 crimes que Bolsonaro teria cometido. Nenhuma das duas organizações participarão dos atos neste sábado. Segundo a assessoria do Vem pra Rua, o movimento deve marcar uma manifestação em outubro “quando a vacinação estará mais avançada”.

Enquanto a direita populista anti-Dilma testa o discurso, Lula faz seus primeiros movimentos para impulsionar um pedido de impeachment ―apesar do apoio do PT, nos bastidores a leitura sempre foi a de que o ex-presidente prefere um Bolsonaro sangrando até 2022 à empreitada incerta de tentar derrubá-lo pela vias legais. “Parabenizo as forças de oposição ao Bolsonaro e os movimentos sociais que conseguiram unificar os mais de 120 pedidos de impeachment pra pressionar o Lira. Espero que as manifestações de rua convençam o presidente da Câmara a colocar em votação”, escreveu Lula no Twitter.

As circunstâncias, no entanto, se ainda não servem para passar o impeachment na Câmara, fustigam Bolsonaro, em baixa nas pesquisas de opinião e agora sob a pressão de denúncias de corrupção no Ministério da Saúde que partiram da CPI da Pandemia. Após denúncia de que o diretor de Logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, teria pedido propina de 1 dólar por dose da AstraZeneca, a CPI se voltará também à compra desse imunizante para investigar.

Já a Covaxin teve contrato suspenso pelo Ministério da Saúde e a Controladoria-Geral da União (CGU). “Por orientação da Controladoria-Geral da União, por uma questão de conveniência e oportunidade, decidimos suspender o contrato para que análises mais aprofundadas sejam feitas”, afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em uma entrevista coletiva na terça. Nesta quarta-feira, o Ministério Público Federal aprofundou mais uma frente, abrindo uma investigação criminal sobre o caso Covaxin. Diante dessa enxurrada negativa para o Planalto, uma pergunta-chave será respondida nas próximas semanas: Bolsonaro chegou a um piso de popularidade considerando sua base mais fiel ou vai desidratar ainda mais com o agravamento da crise política?

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PLANALTO TEM MEDO DE JOGAR BARROS AO MAR

Helena Chagas, OS DIVERGENTES

O governo piscou. Pela primeira vez, foi ágil na hora de demitir um funcionário acusado de corrupção, no caso o ex-diretor deLogística da Saúde, Roberto Ferreira Dias, ligado ao líder Ricardo Barros e suspeito de cobrar propina na compra de vacinas. O gesto denota preocupação. Planalto, porém, está longe de se desvencilhar das mais graves denúncias já feitas até agora no governo Jair Bolsonaro.

Entre aliados de Bolsonaro, o sentimento é de que pode até não haver – ainda – votos suficientes para aprovar um impeachment ou um processo criminal contra o presidente, mas ele precisará fazer mais para se manter no cargo. A primeira providência lógica agora seria jogar também ao mar o líder Ricardo Barros – o que agradaria o presidente da Câmara, Arthur Lira, e parte do entorno presidencial.

O problema, sobre o qual se debruçam hoje os palacianos, é aferir o grau de periculosidade política do atual líder do Governo. Barros, a quem se atribui o comando do esquema que atua na Saúde, é uma raposa velha da política. Tão esperto que esteve na base aliada de quase todos os governos mais recentes. Sabe de muita coisa, e teria munição para explodir o quarteirão se não sair por bem – leia-se, numa negociação com o Planalto que lhe dê alguma vantagem.

Qual, a essa altura, é difícil saber. Mas todos sabem o estrago que o fogo amigo pode fazer dentro de um governo. Já fragilizado politicamente, Bolsonaro resistiria ao tiroteio do líder? Há semanas, quando Lira – adversário interno de Barros no PP – pediu ao presidente a cabeça de Barros, não levou. O Planalto deve ter tido lá suas razões, que ainda devem estar valendo.

Nos próximos dias, a CPI da COVID vai ouvir os novos personagens do drama, envolvidos nos casos de suspeitas em torno das negociações da Covaxin e da Astrazeneca. Esta última entrou inesperadamente na roda com a denúncia de Luiz Paulo Dominguetti sobre a cobrança de propina de US $ 1 por dose a ser vendida.

A única certeza hoje em Brasília é que a sangria na imagem do governo, que perdeu de vez o discurso da corrupção, vai continuar. E que, com ou sem Barros, haverá um racha no centrão que pode marcar o início da debandada. É por esse caminho que a possibilidade de afastamento de Bolsonaro pode crescer.

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ÍNDIOS SÃO TEIMOSOS

Do Blog do Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense

Uma das coisas que mais queimam o filme do Brasil no exterior são protestos de índios na Esplanada, ainda mais quando há enfrentamento com forças policiais. As cenas ganham destaque nos meios de comunicação e formam uma imagem muito negativa do país no exterior. Sintetizam tudo o que a opinião pública mundial condena em termos de violação de direitos humanos. As consequências são mais graves do que imaginam aqueles que continuam tratando os índios como seres humanos de segunda classe. Derrubar e queimar as florestas são um grave problema ambiental e diplomático; maltratar os índios mais ainda.

A maioria dos brasileiros sente empatia pelos índios, porque herdou o DNA e a cultura, mesmo sem saber direito seus vínculos de ancestralidade. Ao contrário, o presidente Jair Bolsonaro é inimigo dos direitos dos índios, apoia madeireiros, garimpeiros, pecuaristas e grileiros que invadem suas terras e derrubam a floresta, criminosamente. Pelo visto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também não gosta dos índios, embora deva ter uma ancestral “preada” no mato, como era comum em Alagoas muito antigamente. Ontem, sob seu comando, o Centrão “passou a boiada” sobre os direitos dos índios na Comissão de Constituição e Justiça.

A mudança cria um “marco temporal” para as terras consideradas “tradicionalmente ocupadas por indígenas”, exigindo a presença física dos índios em 5 de outubro de 1988; permite contrato de cooperação entre índios e não índios para atividades econômicas (garimpo e derrubada de árvores); possibilita contato com povos isolados ameaçados de extinção “para intermediar ação estatal de utilidade pública” (grandes projetos de mineração e hidrelétricas). Agora, o projeto de lei segue para apreciação no plenário da Câmara. Se aprovado, o texto vai ao Senado. A mudança permite à União retomar áreas reservadas em caso de alterações de traços da comunidade (miscigenação). Única representante indígena no Congresso Nacional, a deputada Joenia Wapichana (Rede- RR) lamentou: “O projeto é totalmente eivado de vícios constitucionais. Além do mais, o que estamos discutindo hoje é um retrocesso tremendo”.

Os Kariris

Em Alagoas, ou seja, na terra de Lira, há 13 comunidades indígenas, a maioria reconhecida após 1999 e remanescente dos Kariris, grandes protagonistas da confederação formada entre 1683 e 1713, para resistir aos colonizadores portugueses (Guerra dos Bárbaros). Os Kariris viviam entre os rios São Francisco, na Bahia, e o Parnaíba, no Piauí, com hábitos similares aos do homem do neolítico, ou seja, da Idade da Pedra, quando as tribos se sedentarizaram e começaram a desenvolver a agricultura e o pastoreio.

O objetivo da Confederação dos Kariris era a expulsão dos portugueses que haviam se apossado de suas terras, escravizando os nativos. Em 1688, depois de dois anos de conflito, o Frei Manoel da Ressurreição, Primaz e governador-geral interino do Brasil, chamou os bandeirantes para guerrear com os indígenas, mas a situação se agravou. Em 1713, o coronel João de Barros Braga promoveu uma expedição de cavalaria, subindo os rios Jaguaribe e Salgado até o Cariri, no sertão do Ceará, matando todos os índios que encontrou pelo caminho, sem distinção de sexo ou idade.

Os Kariri-Xocó, porém, até hoje, vivem na zona rural do município alagoano de Porto Real do Colégio. São 1.400 indivíduos, que falam kariri e português. A aldeia teve origem em 1578, com a chegada dos jesuítas, que reuniram várias nações indígenas (Kariri, Carapatós e Aconans) num aldeamento denominado “urubu-mirim”. Os jesuítas acabaram expulsos pelo Frei Manoel da Ressurreição, a mando do Marques de Pombal.

Ser índio em Porto Real do Colégio significa ser filho da aldeia e conhecer o segredo do Ouricuri, desde a primeira infância, além de outros ritos e costumes. Seu cotidiano laboral é muito semelhante ao das populações rurais de baixa renda, ou seja, são trabalhadores rurais. Em Alagoas, vivem em situação semelhante os Tingui-Botó (Feira Grande), os Xucuru-Kariri (Palmeira dos Índios),os Wassu Cocal (JoaquimGomes),os Karapotó (São Sebastião), os Kalancó (Águia Branca), os Dzubucuá (Porto Real do Colégio), os Geripankó, os Karuazu e os Katokinn (Pariconha). Teriam todos os motivos para deixarem de ser índios, mas não querem perder o que lhes resta de identidade étnica. Há 521 anos são muito teimosos.

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terça-feira, 29 de junho de 2021

GOVERNO BOLSONARO PEDIU PROPINA

Constança Rezende, Folha de S.Paulo

EXCLUSIVO: Governo Bolsonaro pediu propina de US$ 1 por dose, diz vendedor de vacina

BRASÍLIA O representante de uma vendedora de vacinas afirmou em entrevista à Folha que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde.

Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply, disse que o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da capital federal, no dia 25 de fevereiro.

Roberto Dias foi indicado ao cargo pelo líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Sua nomeação ocorreu em 8 de janeiro de 2019, na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM). A Folha tentou, sem sucesso, contato com Dias na noite desta terça-feira (29). Ele não atendeu as ligações.

A empresa Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca com uma proposta feita de US$ 3,5 por cada (depois disso passou a US$ 15,5). "O caminho do que aconteceu nesses bastidores com o Roberto Dias foi uma coisa muito tenebrosa, muito asquerosa", disse Dominguetti.

A Folha chegou a Dominguetti por meio de Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador da empresa no Brasil e também aparece nas negociações com o ministério. Segundo Cristiano, Dominguetti representa a empresa desde janeiro.

"Eu falei que nós tínhamos a vacina, que a empresa era uma empresa forte, a Davati. E aí ele falou: 'Olha, para trabalhar dentro do ministério, tem que compor com o grupo'. E eu falei: 'Mas como compor com o grupo? Que composição que seria essa?'", contou Dominguetti.

"Aí ele me disse que não avançava dentro do ministério se a gente não compusesse com o grupo, que existe um grupo que só trabalhava dentro do ministério, se a gente conseguisse algo a mais tinha que majorar o valor da vacina, que a vacina teria que ter um valor diferente do que a proposta que a gente estava propondo", afirmou à Folha o representante da empresa.

Dominguetti deu mais detalhes: ​"Aí eu falei que não tinha como, não fazia, mesmo porque a vacina vinha lá de fora e que eles não faziam, não operavam daquela forma. Ele me disse: 'Pensa direitinho, se você quiser vender vacina no ministério tem que ser dessa forma".

A Folha perguntou então qual seria essa 'forma'. "Acrescentar 1 dólar", respondeu. Segundo ele, US$ 1 por dose. "Dariam 200 milhões de doses de propina que eles queriam, com R$ 1 bilhão."

"E, olha, foi uma coisa estranha porque não estava só eu, estavam ele [Dias] e mais dois. Era um militar do Exército e um empresário lá de Brasília", ressaltou Dominguetti.

Questionado se teria certeza que o encontro foi com o diretor de Logística do ministério, Dominguetti respondeu: "Claro, tenho certeza. Se pegar a telemetria do meu celular, as câmeras do shopping, do restaurante, qualquer coisa, vai ver que eu estava lá com ele e era ele mesmo".

"Ele [Dias] ainda pegou uma taça de chope e falou: 'Vamos aos negócios'. Desse jeito. Aí eu olhei aquilo, era surreal, né, o que estava acontecendo."

"Eu estive no ministério, com Elcio [Franco, ex-secretário-executivo do ministério], com o Roberto, ofertando uma oferta legítima de vacinas, não comprou porque não quis. Eles validaram que a vacina estava disponível."

Segundo Dominguetti, o jantar ocorreu na noite do dia 25 de fevereiro, na véspera de uma agenda oficial com Roberto Dias no Ministério da Saúde e um dia após o país ter atingido a marca de 250 mil mortos pela pandemia do coronavírus.

"Fui levado com a proposta para o ministério e chegando lá, faltando um dia antes de eu vir embora, recebi o contato de que o Roberto Dias tinha interesse em conversar comigo sobre aquisição de vacinas", disse.

"Quando foi umas 17h, 18h [do dia 25], meu telefone tocou. Me surpreendi que a gente ia jantar. Fui surpreendido com a ligação de que iríamos encontrar no Vasto, no shopping. Cheguei lá, foi onde conheci pessoalmente o Roberto Dias", afirmou.

Dominguetti ​disse que recusou o pedido de propina feito pelo diretor da Saúde.

"Aí eu falei que não fazia, que não tinha como, que a vacina teria que ser daquela forma mesmo, pelo preço que estava sendo ofertado, que era aquele e que a gente não fazia, que não tinha como. Aí ele falou que era para pensar direitinho e que ia colocar meu nome na agenda do ministério, que naquela noite que eu pensasse e que no outro dia iria me chamar".

Dominguetti continuou então o relato daqueles dois dias. "Aí eu cheguei no ministério para encontrar com ele [Dias], ele me pediu as documentações. Eu disse para ele que teriam que colocar uma proposta de compra do ministério para enviar as documentações, as certificações da vacina, mas que algumas documentações da vacina eu conseguiria adiantar", afirmou.

Segundo ele, o encontro na Saúde não evoluiu. "Aí ele [Dias] me disse: 'Fica numa sala ali'. E me colocou numa sala do lado ali. Ele me falou que tinha uma reunião. Disso, eu recebi uma ligação perguntando se ia ter o acerto. Aí eu falei que não, que não tinha como."

"Isso, dentro do ministério. Aí me chamaram, disseram que ia entrar em contato com a Davati para tentar fazer a vacina e depois nunca mais. Aí depois nós tentamos por outras vias, tentamos conversar com o Élcio Franco, explicamos para ele a situação também, não adiantou nada. Ninguém queria vacina", afirmou.

Segundo ele, Roberto Dias afirmou que "tinha um grupo, que tinha que atender a um grupo, que esse grupo operava dentro do ministério, e que se não agradasse esse grupo a gente não conseguiria vender".

Questionado pela Folha sobre que "grupo" seria esse, ele respondeu: "Não sei. Não sei quem que eram os personagens. Quando ele começou com essa conversa, eu já não dei mais seguimento porque eu já sabia que o trem não era bom".

A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da vacina indiana Covaxin, quando a Folha revelou no último dia 18 o teor do depoimento sigiloso do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão "atípica" para liberar a importação da Covaxin.

Desde então, o caso virou prioridade da CPI no Senado. A comissão suspeita do contrato para a aquisição da imunização, por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).

Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).

A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor da Saúde, relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades. Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigação.

A CPI da Covid, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. Ao se manifestar sobre o assunto, Bolsonaro primeiro disse que a Polícia Federal agora vai abrir inquérito para apurar as suspeitas e depois afirmou que não tem “como saber o que acontece nos ministérios”.

Nesta terça, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin. Segundo membros da pasta, a decisão atual é pela suspensão até que haja novo parecer sobre o caso. A pasta, porém, já avalia a possibilidade de cancelar o contrato.

Já nesta segunda-feira (28) a Folha também revelou que o advogado do deputado Ricardo Barros atuou como representante legal da vacina chinesa Convidecia no Brasil, participando inclusive de reunião com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Sócio do genro de Barros até março deste ano, o advogado Flávio Pansieri participou de reunião com a Anvisa no último dia 30 de abril. Segundo o site da agência, a pauta da reunião referia-se às “atualizações sobre a desenvolvimento da vacina do IVB [Instituto Vital Brazil] & Belcher & CanSinoBio a ser submetida a uso emergencial para a Anvisa”.

Integrantes da CPI da Covid querem apurar a negociação da Convidecia com o Ministério da Saúde. A empresa Belcher Farmacêutica, com sede em Maringá (PR), atuou como representante no país do laboratório CanSino Biologics no Brasil, responsável pelo imunizante.

No último domingo (27), Barros divulgou nota por ter sido citado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) em depoimento à CPI da Covid como parlamentar que atuou em favor da aquisição de vacinas superfaturadas. Para se defender, o líder do governo apresentou a íntegra da defesa preliminar enviada à Justiça Federal. O documento é assinado por Pansieri.

O advogado também assumiu a defesa de Barros no STF (Supremo Tribunal Federal), após o deputado ter sido delatado por executivos da construtora Galvão Engenharia.

Além de atuar na defesa de Barros, Pansieri acompanhou o líder do governo durante encontro com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto no dia 24 de fevereiro, durante a posse do deputado do centrão João Roma (Republicanos-BA) como ministro da Cidadania.

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SENSATEZ ELEITORAL

Editorial Folha de S.Paulo

A estapafúrdia tese do retorno do voto impresso deixou as cavernas do bolsonarismo para adentrar os salões do Congresso Nacional. Por obra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a Casa criou, em maio, uma comissão destinada a analisar proposta de emenda à Constituição sobre o tema.

A PEC 135/19, apresentada pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), embora não extinga as urnas eletrônicas, exige que a cédula seja impressa após a votação, para que possa ser “auditada de forma independente”.

Com a temerária chancela institucional à aventura, Lira não só conferiu legitimidade a uma proposta de tintas francamente golpistas como criou oportunidade para ataques à credibilidade do sistema eleitoral brasileiro.

Daí a importância da união de 11 partidos para evitar que esse ovo da serpente venha a ser chocado.

Em videoconferência no sábado (26), os presidentes de PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e Avante —siglas tanto da oposição como da base de apoio ao governo— rechaçaram a necessidade do sufrágio impresso e reafirmaram a confiança na votação eletrônica.

A articulação recebeu o apoio do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral no pleito de 2022. Caso seja aprovado, o projeto inevitavelmente chegará ao STF, abrindo mais um flanco do embate de Jair Bolsonaro com a corte.

Somadas, as agremiações representam 326 deputados federais e 55 senadores. Por mais que os dirigentes partidários não consigam garantir o apoio integral dentro de suas siglas, a mobilização parece suficiente para impedir que a PEC obtenha o necessário apoio de 60% da Câmara e do Senado.

O líder do Solidariedade, Paulinho da Força, chegou a dizer que o movimento “mata o assunto na Câmara”. Que assim seja. Tudo de que o país não precisa neste momento é desperdiçar tempo e energia discutindo mudanças num sistema que há 25 anos funciona bem.

As urnas eletrônicas, cabe lembrar, já passam por verificações periódicas. O que merece de imediato o rigor das instituições, isso sim, são as acusações levianas de fraude lançadas ao vento de tempos em tempos por Jair Bolsonaro.

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BARROS E A MORTE COMO NEGÓCIO

Cristina Serra, Folha de S.Paulo

Era um segredo de Polichinelo a identidade do parlamentar mencionado na conversa entre Bolsonaro e o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) sobre “rolos” na compra da vacina Covaxin. O anonimato se mantinha havia horas na CPI quando o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) furou o tumor: “Está lhe faltando coragem para falar o nome do deputado federal Ricardo Barros”.

A pressão, com técnica de interrogatório, funcionou. Na inquirição seguinte, Miranda, já desestabilizado emocionalmente, capitulou diante da senadora Simone Tebet (MDB-MS). Esta é a revelação mais explosiva obtida pela CPI até agora. Indica uma quadrilha incrustada no Ministério da Saúde e aponta indícios de crimes cometidos por Bolsonaro e Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara e expoente do centrão.

Não é surpresa que Barros apareça no “vacinagate”. Trago à memória caso revelado em 2017, quando ele era ministro da Saúde do governo Michel Temer. Naquele ano, fiz uma série de reportagens para o Fantástico, mostrando que o ministério comprou um remédio produzido na China, sem comprovação de eficácia, para tratar um tipo de câncer muito agressivo que ataca principalmente crianças.

A alegação do ministério era o preço mais barato do medicamento chinês. O contrato estava repleto de irregularidades. Foi feito por meio de triangulação com uma empresa que tinha escritórios de fachada no Uruguai e no Brasil. Soa familiar? Barros defendeu o contrato e tentou desqualificar as reportagens.

Na época, 4.000 crianças estavam em tratamento. Médicos se mobilizaram para manter a importação de outro remédio, usado até então no Brasil e validado por estudos internacionais. A Justiça chegou a proibir o uso do produto chinês, mas o ministério manteve sua distribuição. Botar em risco a vida de crianças deveria ser crime hediondo. Não surpreende que o mesmo personagem apareça agora no morticínio comandado por Bolsonaro.

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BOLSONARO NAS CORDAS

Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo

O escândalo da Covaxin é a peça que faltava para deflagrar o impeachment de Bolsonaro? É cedo para dizer, mas acho seguro afirmar que a situação do presidente é hoje muito mais precária do que era duas semanas atrás, e o risco de destituição tornou-se palpável.

Como venho dizendo aqui com certa insistência desde maio do ano passado, abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro é um imperativo moral. Mesmo que a deposição não se concretize, é uma satisfação devida aos pósteros, a sinalização de que ao menos parte da sociedade tentou dar uma resposta institucional ao festival de horrores que é o atual governo.

Bolsonaro já correu risco de impeachment antes e, a fim de evitá-lo, renegou uma de suas principais promessas de campanha e lançou-se no colo do centrão, do qual se tornou refém. A novidade que o caso Covaxin introduz é que ele desalinha os interesses desses atores.

O centrão, como se sabe, não se move por ideologia nem se pauta pelo excesso de lealdade. Pragmáticos, os parlamentares do grupo emprestam seu apoio a qualquer governante, desde que este lhes entregue as verbas e os cargos acordados, e não hesitam em abandoná-lo, se julgarem que o arranjo não irá muito longe ou que trará danos de imagem capazes de comprometer a renovação de seus mandatos.

A popularidade de Bolsonaro, que já não vinha bem, tende a sofrer ainda mais com as suspeitas que agora surgem. O presidente até poderia tentar livrar-se de parte da carga rifando um dos líderes do centrão, o deputado e ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (Progressistas-PR), e buscando preservar o apoio dos demais, mas essa é uma operação política arriscada, que, se mal executada, pode precipitar o rompimento.

E, se Bolsonaro fica quieto e aceita a pecha de protetor de corruptos, arrisca-se a acelerar ainda mais o derretimento de sua popularidade, o que também pode levar o centrão a abandoná-lo.

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DARANDINA

Andrea Jubé, Valor Econômico

Parafraseando Guimarães Rosa (1908-1967), que teria completado 113 anos no domingo, podemos afirmar que os portentosos fatos explodiram a semana passada na política nacional de “chinfrim, afã e lufa-lufa”. Ou em português claro, foi uma semana de muita confusão, corre-corre e aflição no governo e na base governista.

Na quinta-feira, em cena de filme de ação, ou de comédia, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) tentou pular o muro de sua casa para escapar da Polícia Federal, mas recuou ao se deparar com um agente que estava à espreita.

Também na quinta-feira, em uma imagem dantesca, o presidente Jair Bolsonaro arrancou a máscara de uma criança que levou ao colo, em mais um dos diversos atos com aglomeração que vem promovendo.

O gesto causou indignação, com o agravante de que o Brasil aparece em segundo lugar no ranking de crianças vítimas da covid-19, atrás apenas do Peru, segundo um levantamento divulgado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” no começo do mês. Até meados de maio, 948 crianças de zero a nove anos morreram de covid-19 no país, segundo dados do Sistema de Informação de Vigilância da Gripe (Sivep-Gripe).

Um dia depois, Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro, foi flagrado perambulando pelo Senado sem máscara. Para driblar os repórteres, trancou-se no banheiro privativo das senadoras. Advertido pelos seguranças, teve de sair e enfrentar a imprensa.

Também na sexta-feira, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), em cena deplorável, deu empurrões com o peito no deputado Luis Miranda (DEM-DF) no plenário da CPI da Covid. As provocações dos senadores eram mais maduras nos tempos em que Heráclito Fortes escondia os sapatos de Tasso Jereissati (PSDB-CE), quando o tucano cochilava nas sessões, e despertava, atordoado, ao se descobrir de meias no plenário. Ou quando o mesmo Heráclito temperava com laxativos os chocolates de Geddel Vieira Lima, que, afortunadamente, não os dividia com os amigos.

Na sexta-feira, o clímax da novela se consumou quando a senadora Simone Tebet (MDB-MS) obteve do depoente, Luis Miranda, a revelação do nome do deputado que o presidente Bolsonaro teria mencionado, ao ser advertido do suposto esquema envolvendo a compra dos imunizantes indianos Covaxin: Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara.

Com isso, as redes sociais indagaram se a denúncia da eventual compra superfaturada da Covaxin seria a “Fiat Elba do Bolsonaro”. O carro foi considerado a prova material que faltava ao impeachment do presidente Fernando Collor, e que o levou à renúncia.

Se a Covaxin será o “Fiat Elba” da vez, é preciso aguardar os próximos capítulos. A denúncia serviu, entretanto, como um verdadeiro “plot twist” do enredo: deflagrou a nova linha de investigação da CPI da Covid, que agora se volta para eventual corrupção no governo; a convocação de novos atos de rua pela oposição, antecipados para o dia 3; o protocolo do superpedido de impeachment amanhã, reforçado pela denúncia dos irmãos Luis Cláudio e Luis Ricardo Miranda; a notícia-crime dos senadores contra Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo crime de prevaricação.

Essa sucessão de fatos sugere que a oposição decidiu abandonar a estratégia de deixar Bolsonaro perder fôlego político para disputar com um presidente fragilizado nas urnas, e somar forças pelo impeachment aqui e agora. O impasse é como ultrapassar a “muralha” Arthur Lira (PP-AL), que blinda o presidente.

Para o vice-presidente nacional do PT, deputado José Guimarães (CE), “o que fará Arthur Lira deferir o pedido de impeachment é a pressão social”. Segundo o petista, a oposição deve “concentrar todos os esforços nas mobilizações de ruas, porque não tem essa de deixar sangrar para facilitar nossa vida em 2022”. Guimarães acredita que Bolsonaro não se sustentará até o ano que vem num ambiente de instabilidade: “Vamos apostar todas as fichas no impeachment”.

Apesar do entusiasmo, um experiente dirigente de sigla do centro político adverte que será preciso muito mais do que “povo na rua” para afastar Bolsonaro do cargo. Será necessário algo “marcante, escandaloso”.

É preciso lembrar que o cenário econômico, apesar da onda de desemprego e inflação em alta, é promissor. Bolsonaro e Lira entregaram a principal demanda do mercado financeiro para este ano: a capitalização da Eletrobras. Além disso, o setor demanda, pelo menos, compromisso com o rigor fiscal, a manutenção do ministro Paulo Guedes, e o cumprimento da regra de ouro.

Em paralelo, a popularidade de Bolsonaro está em franca corrosão, mas ainda não atingiu os níveis alarmantes que contribuíram para defenestrar Fernando Collor e Dilma Rousseff. Segundo a última pesquisa Ipec, a reprovação do presidente subiu dez pontos percentuais, de 39% para 49%, e a aprovação caiu de 28% para 24% em quatro meses.

Quatro meses antes de Eduardo Cunha autorizar a abertura do impeachment, em agosto de 2015, o governo Dilma amargava 71% de reprovação. A taxa de aprovação estava em 8%, segundo o Datafolha.

Acrescente-se que há resistência feroz de deputados e senadores a uma Presidência sob o comando do general da reserva Hamilton Mourão. Bolsonaro já aparelhou a administração federal com militares de todas as patentes, mas Mourão simbolizaria o efetivo retorno dos generais ao poder, desde a redemocratização.

Sobre esse empecilho, Guimarães diz que não é problema da oposição. “Não queremos conversa com as vozes do além, quem pariu Mateus que o embale”, diz o dirigente petista.

“Darandina”, que significa lufa-lufa, afã, ou corre-corre, é o título de um conto pouco conhecido de Guimarães Rosa, publicado em uma coluna que ele assinou em “O Globo” em 1961. Trata-se de uma sátira política, em que o protagonista, um secretário de Finanças, desperta de um surto, e atordoado, se vê nu em pelo, no alto de uma palmeira, cercado por uma multidão. Para não dar “spoiler”, posso afirmar que a mensagem de Rosa ao final é que só há escapatória para um político se ele cair nos braços do povo.

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OU OS IRMÃOS MIRANDA GRAVARAM O PRESIDENTE OU ESTÃO BLEFANDO. BOLSONARO PAGA PARA VER ?

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

Quanto mais abre a boca, mais o presidente Jair Bolsonaro se enrola e mais vai aplainando o caminho para a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto. Já não há mais dúvida: Bolsonaro é o maior adversário dele mesmo e o principal cabo eleitoral de Lula em 2022. Quanto mais um cai, mais o outro se consolida.

A campanha de Bolsonaro foi a que captou antes e usou melhor o grande catalisador da eleição de 2018: qualquer coisa, menos o PT. Nada como um dia atrás do outro, ou de uma eleição atrás da outra, e agora foi a campanha de Lula que captou antes e pretende usar melhor o catalisador de 2022: qualquer coisa, menos Bolsonaro.

Ao abrir a boca ontem, o presidente produziu mais uma pérola: “Não tenho como saber o que acontece nos ministérios”. Em meio à pandemia, aos ataques e ao desprezo às vacinas, também admitiu, como quem não quer nada: “Eu nem sabia como é que estava a tratativa…” Ou seja, como estava a pressa e a pressão para comprar a preço de ouro a Covaxin, vacina indiana que não tinha autorização nem na Índia, quanto mais da Anvisa.

O presidente fala do jeito mais displicente sobre questões graves e complexas, como mortes, pandemia, economia, governo, China, Joe Biden, ambiente, índios, máscaras, vacinas, deixando a impressão de que, ou ele se finge de bobo, ou é bobo mesmo. E, definitivamente, governando é que ele não está.

Nenhum presidente é obrigado a saber tudo de todos os ministérios, mas como não saber nada do Ministério da Saúde durante uma pandemia que já matou mais de 510 mil brasileiros? E como não sabia das tratativas da Covaxin? Foi ele quem enviou mensagem para o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em favor dessa vacina, depois de desdenhar de Pfizer e Coronavac!

Ok. Vamos dar a Bolsonaro o benefício da dúvida. Vai que ele falou a verdade e não sabia de nada mesmo, já que estava superocupado, andando de moto, atacando jornalistas e inaugurando pontezinhas no Norte e agênciazinhas da CEF no Sul. Mas e, depois, quando recebeu as informações e os documentos do deputado Luis Miranda e seu irmão Luis Ricardo, responsável pelas importações no Ministério da Saúde?

Foi no dia 20 de março, sábado. A partir daí, não há como dar benefício da dúvida, porque ninguém, por mais desmemoriado, tem o direito de esquecer uma denúncia envolvendo US$ 45 milhões. Ele sabia exatamente o que estava acontecendo no ministério, sabia exatamente das tratativas (ou mutretas) com a Covaxin e simplesmente lavou as mãos. Tem nome: prevaricação.

Toda a confusão imobilizou o presidente e o Centrão. Nem Bolsonaro sabe o que fazer com o seu líder Ricardo Barros, nem o Centrão de Barros sabe o que fazer com Bolsonaro. Luis Miranda está no comando da situação: ou gravou a conversa com o presidente, ou blefou ao jogar isso no ar. Alguém tem como desmenti-lo? E quem quer pagar para ver?

A situação vai se complicando, com a notícia-crime contra Bolsonaro no Supremo por prevaricação e com novas descobertas instigantes. A Precisa, que representa a Covaxin no Brasil e tem uma reputação “mais ou menos”, aumentou seus negócios com o governo em 6.000% na era Bolsonaro. E não era a única a ter privilégios e defensores poderosos.

A vacina Convidecia, da chinesa Cansino, passou pelo mesmo processo atípico, também não tinha autorização da Anvisa e pedia um preço ainda maior do que a Covaxin. Onde é a sede da representante dela no Brasil? Em Maringá (PR), cidade do líder do governo e ex-ministro da Saúde Ricardo Barros – o dos “rolos”. Deve ser tudo coincidência, como os bolsonaristas-mor Luciano Hang e Carlos Wizard serem próconvidencia desde criancinhas.

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BOLSONARO TEM EXPLICAÇÃO A DAR

Míriam Leitão, O GLOBO

O jogo mudou. Com a notícia-crime protocolada por três senadores, o presidente terá que dar as respostas que tem se negado a apresentar desde que o assunto veio à tona. A resposta “eu não tenho como saber o que acontece nos ministérios” não melhora a vida de Bolsonaro. Ele foi informado por um deputado da base sobre o que estava acontecendo. O presidente já começou a ser abandonado e é assim que acontece nesses casos. Ele vai usar toda a sua agressividade e capacidade de gerar crises, mas não será suficiente se ele não tiver boas respostas para as questões levantadas na CPI da Covid.

Tudo isso acontece num momento ruim na economia. O aumento da bandeira vermelha 2 pode superar 70%, o que vai impactar novamente a conta de luz e a inflação. Os preços já estão altos e isso piora a qualidade da vida. O fanatismo alimentado com as exibições de motos pelas cidades do Brasil não é o suficiente. O país tem quase 15 milhões de desempregados, a inflação está alta, a energia sobe e há risco de racionamento. E a resposta do governo é baixar uma MP dando mais poderes ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

Todas as linhas de investigação da CPI vão direto ao presidente. A estratégia da imunidade de rebanho que elevou o número de mortes, os atrasos e descasos na compra de vacinas, a disseminação dos remédios ineficazes. E agora, a corrupção. Esta também vai direto para o colo do presidente, porque ele soube pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e pelo servidor Luis Ricardo Miranda de cada uma das suspeitas, e nada fez.

A longa sessão da CPI na sexta-feira trouxe por fim o nome sabido do deputado Ricardo Barros (PP-PR), outro fio que liga diretamente ao palácio, afinal é o líder do governo na Câmara. As denúncias de corrupção ocorrem em área sensível. O que o país mais queria era vacina. Bolsonaro tripudiou sobre esse nosso desejo. Deixou de comprar e tentou minar a confiança nos imunizantes. Disse numa entrevista ao filho Eduardo, em 19 de dezembro, que a pandemia estava acabando e não havia pressa da vacina. Mas houve pressa, três meses depois, a ponto de pressionar um funcionário público a assinar um documento inaceitável. Tudo o que Bolsonaro fez contra as vacinas e a proteção da vida humana só aumenta a gravidade do que houve no Ministério da Saúde. Um esquema tentou tirar proveito na compra de uma vacina duvidosa e superfaturada. Informado dos fatos, o presidente demonstrou que suspeitava de Ricardo Barros.

Os dois se conhecem de muitas décadas. Numa votação de medida de ajuste fiscal, no segundo mandato de Fernando Henrique, a dupla se desentendeu e Bolsonaro acusou Barros de tentar chantageá-lo. Esse conflito foi contado na coluna de política do Globo, no dia 20 de Janeiro de 1999. O presidente, portanto, conhece de velha data o seu líder.

Bolsonaro criou para esta campanha uma imagem falsa de si mesmo. A de pessoa anticorrupção, um militar de valores cristãos e contra os políticos. Tudo falso. Sua vida militar foi um fiasco. Ele ficou 30 anos no Congresso e apenas 11 anos no Exército. Passou pelos partidos envolvidos em inúmeros casos de corrupção. Seu governo já teve vários escândalos. Rachadinha e compra de imóveis com dinheiro vivo pelos filhos, cheque na conta da mulher de Bolsonaro, um ministro cercado de laranjas, outro ministro acusado de contrabando de madeira e defesa de infratores ambientais, compra inexplicável de uma mansão por Flávio, um foragido da Justiça escondido na casa do advogado de Flávio. Bolsonaro é o estelionato ambulante.

Os políticos que sustentam Bolsonaro começam agora a se perguntar quanto pode custar estar nessa companhia. O ciclo de fuga do presidencialismo de coalizão produz o afastamento de um governante quando ele se torna impopular. O presidente da Câmara, Arthur Lira, é inimigo de Renan Calheiros em Alagoas, portanto ele vai tentar remar no sentido contrário ao da CPI que tanto protagonismo dá a Calheiros. Mas até quanto ele pode apostar do seu capital político defendendo um governo tóxico? Lira acredita no que ouve do mercado financeiro de que a economia vai bem, mas o mercado ganha na alta e na baixa, e faz apostas de curto prazo, um político precisa ter um olhar longo. A economia que interessa às pessoas está com várias más notícias.

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HOMEM MAIS PODEROSO DA REPÚBLICA, LIRA CONTROLA CÂMARA, ORÇAMENTO E DESTINO DE BOLSONARO

Vera Magalhães, O GLOBO

Seria Arthur Lira o homem mais poderoso da República hoje? Dada a forma como operou para garantir, além da presidência da Câmara, o controle direto de R$ 11 bilhões em recursos do Orçamento da União e o destino de Jair Bolsonaro, sim.

Entender as motivações e a forma como esse personagem opera hoje é fulcral para calcular a fidelidade que os demais agrupamentos sobre os quais ele tem ascendência — seu partido, o PP, e o Centrão, que hoje é a base do governo na Câmara — vão se comportar.

Este texto é uma segunda parte da análise que publiquei mais cedo aqui no blog sobre como o caso Covaxin aumentou exponencialmente o custo Bolsonaro para o Centrão e para o PP, que você pode ler abaixo.

A pergunta ali é chave para entender o personagem Arthur Lira: quando o custo passa a ser maior que o ganho de apoiar o governo e segurar Bolsonaro? No caso do presidente da Câmara, ainda há muita lenha a queimar antes de ele pensar em jogar Bolsonaro ao mar.

Numa Câmara operando em modelo híbrido, com a grande maioria dos deputados operando remotamente de seus Estados, o poder que Lira adquiriu de destinar R$ 11 bilhões diretamente a essa massa por meio da chamada RP9, a emenda do relator ao Orçamento, é inigualável.

Deputados de diferentes partidos, do governo e da oposição, são unânimes: a destinação desses recursos é 100% determinada por Lira. A ministra Flávia Arruda, colocada por ele na articulação política, não tem voz sobre um centavo desses recursos.

E por que a dispersão dos deputados nos Estados joga a favor de Lira? Porque ela reduz a ascendência dos líderes sobre suas bancadas, e favorece a linha direta do presidente da Câmara com cada um dos “contemplados”. Além disso, ainda que sintam em sua base a insatisfação do eleitorado com Bolsonaro e o governo, os deputados não vão a Brasília para sentir a crise política agravada refletiva na “temperatura” do plenário, que sempre foi fator decisivo nas guinadas de maiorias como Centrão para abandonar o navio de presidentes que passam a ser alvo de pressão das ruas pelo impeachment, como Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Nesse aspecto, o distanciamento social contra o qual Bolsonaro tanto vociferou acaba jogando a seu favor, ironicamente.

Com essa dispersão geográfica dos deputados, Lira concentra poderes não só de ministro encarregado do Orçamento como de líder do governo, definindo a pauta e cabalando ele próprio os votos. “Hoje o Ricardo Barros não é o líder do governo, não tem participação em um voto sequer para o governo. O verdadeiro líder é o Lira”, analisa um deputado da cúpula da Câmara.

Outro dado da equação não linear da política neste momento: Lira não vai mover uma palha para salvar a pele do correligionário Ricardo Barros, apostam os observadores mais bem posicionados da Câmara. Eles têm uma rixa histórica, que seria a razão pela qual, consultado pelo deputado Luis Miranda, Lira não o desencorajou a “explodir” o deputado paranaense.

“Não acredito que o Arthur mandou o Luis Miranda explodir o Barros, mas também não o desencorajou”, explica um observador privilegiado das relações desse grupo.

Por tudo isso, o grau de resiliência de Arthur Lira ao lado de Bolsonaro é superior ao do restante do Centrão. Mas não é impermeável ao agravamento da crise, ainda mais se outros expoentes do grupo, além de Barros, começarem a se queimar. Por isso, a pressão das ruas no recesso e a volta da Câmara mais nervosa em agosto podem começar a operar mudanças no “fechamento” do presidente da Câmara com o presidente.

Até lá, dizem os observadores, ele espera ter acelerado a destinação das emendas. Acompanhar esse fluxo será vital para entender como vai se movimentar o homem mais poderoso da República hoje.

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O IMPEACHMENT À ESPREITA

Do Blog do Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense

O caso da vacina indiana Covaxin, na CPI do Senado que investiga a atuação no Ministério da Saúde contra a pandemia de covid-19, ameaça romper a blindagem constitucional de Jair Bolsonaro, que só pode ser investigado por crime cometido durante o exercício do mandato, desde que a Câmara dos Deputados autorize. Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Jorge Kajuru (Podemos-GO) e Fabiano Contarato (Rede- ES), ontem, apresentaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime na qual pediram a investigação do presidente da República por suposto crime de prevaricação. A relatora do caso será a ministra Rosa Weber.

Bolsonaro alega que não tem como saber o que passa nos ministérios, mas foi acusado de ter tomado conhecimento do superfaturamento da Covaxin pelos irmãos Luis Miranda (DEM-DF), deputado federal, e Luis Ricardo Miranda, técnico do Ministério da Saúde que se recusou a comprar a vacina, durante depoimento de ambos na CPI da Covid, na sexta-feira passada. Agora, caberá ao Supremo decidir se pede à Procuradoria-Geral da República (PGR) para abrir uma investigação formal sobre o caso. No Código Penal, prevaricar é “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Bolsonaro não somente foi informado da compra irregular da vacina, que não chegou a ser efetivada devido à denúncia, como teria dito aos irmãos que o responsável pelo lobby a favor da vacina seria o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), ex-ministro da Saúde no governo Temer. Entretanto, o presidente não tomou nenhuma providência, mesmo diante de indícios de irregularidades, entre os quais um pagamento antecipado de US$ 45 milhões a uma empresa que não constava no contrato, e que somente não foi efetivado devido à denúncia.

No Palácio do Planalto, a tensão é grande: a denúncia é considerada “fogo amigo”. Sabe-se que os irmãos foram estimulados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a denunciar o caso por ter interesse em destituir do cargo o líder do governo. Nos bastidores do Congresso, circula a versão de que a cabeça de Barros teria sido solicitada a Bolsonaro por Lira e pela secretária de Governo, deputada Flávia Arruda (Progressistas-DF), ministra encarregada da articulação política com o Congresso, com a qual Barros não se entende desde quando ela era presidente da Comissão Mista de Orçamento. Luis Miranda é aliado de primeira hora de Lira.

O depoimento bomba dos irmãos Miranda na CPI da Covid também atiçou os articuladores do impeachment de Bolsonaro, que sonham com a adesão do Centrão e dos militares ligados ao vice-presidente Hamilton Mourão. O general de quatro estrelas foi completamente escanteado no governo. As recentes pesquisas eleitorais, que apontam a possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vencer as eleições à Presidência no primeiro turno, também agitaram alguns líderes do Centrão, que agora estão em busca de um nome alternativo que possa derrotar o petista. O mais empenhado nessa estratégia é o presidente do PSD, Gilberto Kassab, que sonha com a candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Conspiração

Para esses setores, o impeachment de Bolsonaro facilitaria a articulação de um candidato conservador, porém, comprometido com a democracia, que passaria a ser opção para todo o eleitorado antipetista. Não faltam motivos para Bolsonaro ser enquadrado em crime de responsabilidade. Uma parte da esquerda também deseja o impeachment, por outros motivos, naturalmente. O PT resiste porque não tem interesse em tumultuar o processo e legitimar os arroubos autoritários de Bolsonaro. Lula está mais interessado em manter o calendário eleitoral, garantir o sistema de votação e a própria posse, caso venha a ser vitorioso.

Na verdade, a movimentação do ex-presidente é cada vez mais cautelosa e realista. Ele procura os velhos aliados, inclusive do Centrão, e defende que o PT dê prioridade às eleições parlamentares nos estados, compondo com os candidatos a governador de oposição mais competitivos. No caso do PT, o apoio ao impeachment de Bolsonaro é meramente retórico. O partido não tem interesse em entregar o governo para Mourão porque teme que Bolsonaro possa estimular uma convulsão política, agravar a crise econômica e levar o país à beira da guerra civil, o que servira de pretexto para uma tentativa de adiamento das eleições.

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segunda-feira, 28 de junho de 2021

NOTÍCIA-CRIME CONTRA BOLSONARO

Daniela Mercier. EL PAÍS

Senadores apresentam no STF notícia-crime contra Bolsonaro por suposta prevaricação no caso da Covaxin

As revelações da CPI da Pandemiachegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira com uma apresentação de uma notícia-crime que aponta a suspeita de prevaricação por parte do presidente Jair Bolsonaro no escândalo da compra da vacina indiana Covaxin contra a covid-19. Três senadores —Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Jorge Kajuru (Podemos-GO) e Fabiano Contarato (Rede-ES)— entregaram ao Supremo o documento que relata a suposta ocorrência do crime e pede para que a corte encaminhe os indícios para a Procuradoria-Geral da República, a quem cabe abrir a investigação. A ministra Rosa Weber foi sorteada a relatora do pedido e, já na noite desta segunda, enviou o caso à PGR, sem analisar o mérito.

Randolfe Rodrigues é vice-presidente da CPI, que na última sexta-feira ouviu os irmãos Luis Miranda (DEM-DF), deputado federal, e Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde que denunciou, em depoimento ao Ministério Público Federal, “pressão atípica” para a aquisição da vacina, produzida pelo laboratório Bharat Biotech e representada no Brasil pela empresa Precisa Medicamentos. Na sessão no Senado, o deputado Miranda declarou que comunicou os indícios de irregularidades a Bolsonaro em 20 de março. “Aí ele [Bolsonaro] cita para mim assim: ‘Vocês sabem quem é, não é?’ […] ‘Você sabe que ali é foda e tal. Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar’”, contou o deputado à CPI. Segundo o parlamentar, o presidente fazia referência ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do Governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados.

No texto da notícia-crime, os senadores argumentam que Bolsonaro deveria ter agido para levar o caso à investigação pelas autoridades competentes e para interromper as tratativas sob suspeita no Ministério da Saúde. “No entanto, não houve nenhuma ação para a abertura de inquérito capaz de investigar as denúncias”, escrevem os parlamentares. Por isso, apontam indício de crime de prevaricação, ou seja, retardar ou deixar de praticar ato de ofício para satisfazer interesse pessoal, previsto no artigo 319 do Código Penal.

“Parece-nos, assim, que o presidente da República escolheu, deliberadamente, a inação diante do aparente esquema de corrupção. Como agente político da maior envergadura, o presidente não pode guardar para si informação tão relevante a ponto de apurar indícios de corrupção que remontam a cifra bilionária no bojo de uma pandemia com consequências sanitárias e socioeconômicas tão graves”, afirmam os senadores no documento.

Ao encaminhar a notícia-crime para a Procuradoria, a ministra Rosa Weber não se manifestou sobre o mérito. Em seu despacho, declarou que que cabe ao Ministério Público a formação da opinio delicti, ou seja, a verificação sobre se há indícios para a realização da investigação, o que é praxe. Agora, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deverá se manifestar —ele poderá dar início à investigação ou arquivar o caso.

Os senadores também pedem no documento que Bolsonaro seja intimado a responder em até 48 horas se confirma a versão do deputado Miranda e se adotou medidas cabíveis para a apuração das denúncias. Requerem, ainda, que a Polícia Federal informe se houve a abertura de inquérito sobre o caso e de quem foi o pedido.

A medida protocolada pelo senador Randolfe Rodrigues antecipa uma estratégia da CPI da Pandemia, que também deve apontar o suposto crime de prevaricação do presidente em seu relatório final, a cargo de Renan Calheiros (MDB-AL). Nesta segunda, o vice-presidente da comissão apresentou um pedido para prorrogar os trabalhos, iniciados em abril e que terminariam em 7 de agosto. Se prorrogada, a comissão irá até novembro. O caso da Covaxin deverá ser a principal frente da CPI daqui para frente.

Mais cedo, Bolsonaro minimizou a revelação da CPI e declarou desconhecer as supostas irregularidades relatadas pelos irmãos Miranda na compra da vacina. “Não tenho como saber o que acontece nos ministérios”, disse Bolsonaro. “Eu recebo todo mundo. Ele [Luis Miranda] que apresentou, eu nem sabia da questão, de como tava a Covaxin, porque são 22 ministérios. Só o ministério do Rogério Marinho [Desenvolvimento Regional], tem mais de 20.000 obras”, afirmou o presidente a apoiadores ao sair do Palácio da Alvorada. “Nada fizemos de errado”, acrescentou. Na sexta, o deputado Ricardo Barros negou envolvimento com as tratativas do imunizante. “Não participei de nenhuma negociação em relação à compra das vacinas Covaxin. Não sou esse parlamentar citado”, declarou nas redes sociais.

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