segunda-feira, 30 de novembro de 2020

INVÁLIDOS, PAES E O BISPO

Hellen Guimarães, PIAUÍ

“Com ela não tem caô”, garante MC Maneirinho no hit Que Saudade da Minha Ex, compartilhado à exaustão por parcela do eleitorado do Rio de Janeiro nos últimos quatro anos. Boa parte dos cariocas até vê caô no ex, agora prefeito eleito, mas a vontade de mandar embora o atual titular do cargo supera qualquer tipo de reserva ou ressentimento, conforme atestam as estatísticas do pleito. Na tentativa frustrada de reeleição, numa campanha que favorecia este resultado mais do que qualquer outra, Marcelo Crivella (Republicanos) não conquistou nem 1 milhão de votos dos 4,8 milhões possíveis. Perdeu até as cinco zonas eleitorais onde venceu no primeiro turno: todos os 49 locais de votação da cidade preferiram seu adversário no segundo. A derrota de Crivella é acachapante, mas Paes também foi batido por outro rival: o número de abstenções supera em quase 100 mil o total de votos obtidos pelo prefeito eleito. Somado a brancos e nulos, o “não voto” vai a 2,3 milhões, quase 680 mil a mais que o total de Paes.

Terceiro prefeito de capital mais votado do país em 2020, o candidato do DEM teve 64,07% dos votos válidos. Ao primeiro anúncio do resultado, muitas janelas pela cidade ecoavam não seu nome, mas gritos de “Fora Crivella” — ao contrário de 2018, por exemplo, quando o presidente Jair Bolsonaro foi ovacionado por seus eleitores nos quatro cantos do Rio. O apoio explícito do presidente, aliás, era o guardião dos sonhos de Crivella, mas não evitou a queda do bispo no xadrez eleitoral carioca.  Entre os 1,63 milhões de votos em Paes há, além de apoiadores convictos, esquerdistas e bolsonaristas igualmente insatisfeitos com a atual administração;; servidores municipais da Saúde e da Educação queixosos de atrasos e falta de reajustes salariais; cidadãos carentes desses mesmos serviços e um consenso de que “a cidade está largada” em termos de zeladoria. Entretanto, assim como Bolsonaro anunciou o apoio a Crivella dizendo que “não brigaria” caso seus apoiadores votassem no “bom gestor” Eduardo Paes, o prefeito eleito acenou a um dos filhos do presidente, Flávio, numa de suas primeiras entrevistas, dando indícios de que a derrota do candidato bolsonarista pode não contrariar o Planalto tanto assim.

Os maiores percentuais de Paes foram obtidos nas cinco zonas eleitorais da Zona Sul, vinculadas a Copacabana, Jardim Botânico e Laranjeiras. Nas três regiões, ele obteve mais de 80% dos votos. No Maracanã, Tijuca, Méier e em uma zona eleitoral da Barra, o percentual de Paes ultrapassou 70%. Já Crivella encostou no placar principalmente na Zona Oeste, obtendo mais de 45% dos votos em doze zonas, espalhadas por Santa Cruz, Campo Grande, Jardim Sulacap e Deodoro, além de Irajá e Olaria (essas duas últimas na Zona Norte).

No primeiro turno, Crivella ganhou em três das quatro zonas eleitorais de Campo Grande, em uma de Jardim Sulacap e outra de Olaria. Mesmo assim, foi por muito pouco: somente em uma delas a vantagem sobre Paes passou de 1 ponto percentual, na 122ª (Campo Grande), totalizando 1,31 (29,77% x 28,46%). No segundo turno, o local também concedeu votação expressiva para Crivella, mas a vantagem de Paes, de 4,22 pontos, foi mais que o triplo daquela obtida pelo atual prefeito no dia 15.

Outros 1,72 milhões preferiram sequer ir às urnas neste domingo, totalizando uma abstenção de 35,45% do total do eleitorado. A taxa é alta, bem superior a 2016, quando Crivella foi eleito com cerca de 500 mil votos a mais que Marcelo Freixo (Psol), mas superando as 1,31 milhões de ausências (26,85%). Em 2012, Paes levou o pleito ainda no primeiro turno, também contra Freixo, com abstenção de 20,45%. Ressalvando-se que a abstenção tem crescido no país nos últimos anos e é tradicionalmente maior no segundo turno que no primeiro, a do Rio esteve acima da média nacional nos últimos dois pleitos municipais (de 23,14% no primeiro turno de 2016 e 29,5% no segundo em 2020). 

Enquanto o PDT de Martha Rocha adotou a neutralidade neste segundo turno, o PT de Benedita da Silva e o Psol de Renata Souza declararam voto “contra Crivella”, sem defender explicitamente o nome de Paes, mas reforçando a posição de tirar o atual prefeito do cargo. Deixando o pudor de lado, outro grupo de opositores foi mais eloquente, num resumo perfeito do que foi esta eleição no Rio: a página “Fora Eduardo Paes”, com quase 30 mil curtidas no Facebook, declarou voto em Eduardo Paes assim que saiu o resultado do primeiro turno. Criada em 2011, ainda no fim do primeiro mandato de Paes na prefeitura, a página já o havia apoiado em 2018, na disputa contra Wilson Witzel pelo governo do estado.

É difícil mensurar o quanto de descrença no bispo se transformou em fé genuína no ex. O próprio Paes admitiu, em seu discurso de vitória, que a alta rejeição ao adversário foi determinante na campanha. “Eu sei que esse é um momento em que os cariocas não só disseram sim às nossas propostas, mas quero anunciar aqui, decretar, enfim, comemorar junto com todos os cariocas que o Rio está livre do pior governo de sua história. […] Essa vitória de hoje é muito significativa, mas tenho certeza também que, independentemente das forças políticas que foram às urnas hoje, nos apoiar em nossa campanha, direita, esquerda, ao centro, elas também queriam dar um não muito contundente a esse governo reacionário, que foi ruim na gestão, piorou a vida das pessoas e olhou a cidade com muito preconceito”, disse, agradecendo a partidos como Psol e PT pelo “voto crítico” e defendendo o diálogo na política.

Sufocadas pelo bispo nos quatro anos de mandato, a maioria das grandes escolas de samba do Rio declarou apoio a Paes ainda no início do primeiro turno. Com vantagem de 15 pontos percentuais nas urnas, ele não compareceu ao primeiro debate do segundo turno, na CNN, porque estava na quadra da Portela comemorando o aniversário de 80 anos de Tia Surica. A maior campeã do carnaval carioca, da qual Paes é sócio benemérito, comemorou efusivamente o resultado deste domingo em nota oficial. Mas até a escola do coração do prefeito eleito viralizou pela rejeição ao bispo: a matriarca octagenária e sua sincera declaração de voto, transmitida ao vivo pelo YouTube, desconcertaram até o candidato com fama de malandro.

A bala de prata do prefeito saiu pela culatra: ao partir para o ataque no último debate, na Globo, em meio a falas sobre mandamentos e juízo final, Crivella disse que Paes gostava de desfilar no Carnaval “com chapeuzinho de Zé Pelintra”. A referência em tom de desdém a uma entidade da umbanda e ao chapéu panamá, símbolo dos sambistas, foi recebida como mais um ataque do prefeito à festa e uma demonstração de intolerância religiosa. Resultado: milhares de cariocas, anônimos e famosos, saíram para votar com os chapéus panamá neste domingo. A loja do Salgueiro viu o estoque se esgotar. Alguns mais animados providenciaram até a camisa listrada de malandro e, nas redes, não faltou quem brincasse que estava indo votar no “Zé Pilantra” para tirar o prefeito “preconceituoso” do cargo.

Marcelo Crivella começou a campanha como o prefeito de capital mais rejeitado do país, com 66% dos entrevistados avaliando sua administração como ruim/péssima. Termina com 57% de ruim/péssimo e o segundo pior resultado entre os postulantes à reeleição, atrás apenas de Nelson Marchezan Jr., que sequer chegou ao segundo turno em Porto Alegre. Difícil acreditar que deixará saudades.

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ENTRE O DESEMPREGO E A FANTASIA

Editorial O Estado de S.Paulo

Na Ilha da Fantasia onde vive o ministro Paulo Guedes falta lugar para os 14,1 milhões de desempregados do terceiro trimestre, número registrado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Podemos terminar o ano perdendo zero empregos”, disse o ministro na quinta-feira, um dia antes de sair o novo balanço trimestral do mercado de trabalho. Ele estava comemorando a abertura de 349.989 vagas formais em outubro, registradas no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Parte desses empregos é apenas sazonal. Além disso, os números acumulados em 2020 ainda eram negativos, com 171.139 postos fechados – e os da Pnad Contínua eram muito mais feios.

Se vivesse fora da Ilha da Fantasia, o ministro poderia ter lembrado um fato bem conhecido. Quando um país sai de uma recessão, o emprego normalmente se recupera mais devagar que o conjunto das atividades. Para repor as empresas em movimento, os funcionários trabalham mais duramente. Assim, o aumento de produtividade torna dispensáveis, por algum tempo, novas contratações. Esse argumento daria conta de uma parte dos fatos. Mas as pessoas mais atentas ainda sentiriam falta de uma resposta para o dado mais impressionante.

Alguma defasagem entre a retomada econômica e a recuperação do emprego pode ser normal, mas a história observada no Brasil é diferente. Não houve, no terceiro trimestre, apenas uma reação mais rápida do consumo e da produção industrial. Houve aumento do desemprego, uma hipótese negligenciada nos manuais. E esse aumento foi notável por mais de uma razão.

A desocupação de 14,6% no trimestre de julho a setembro foi a maior da série iniciada em 2012. Em vez de simplesmente se prolongar, o desemprego aumentou 1,3 ponto porcentual entre o segundo e o terceiro trimestres e atingiu um recorde. Nesse intervalo, a população desocupada aumentou 10,2% (mais 1,3 milhão de pessoas) e passou a ser 12,6% superior à de igual período de 2019.

Esse recorde foi só um dos fatos notáveis. A população ocupada chegou ao nível mais baixo da série histórica. A taxa de ocupação, de 47,1% da população em idade de trabalhar, também foi a menor da série. As pessoas ocupadas foram pela primeira vez menos de metade do contingente disponível.

Mais que um descompasso, houve um trágico desencontro, nesse período, entre a atividade econômica e as condições de emprego. No terceiro trimestre a economia produziu 7,5% mais que no segundo, de acordo com o Monitor do PIB - FGV. Pela estimativa do Banco Central, divulgada alguns dias antes dos cálculos da FGV, a atividade havia sido 9,5% maior que a do período de abril a junho. Os dados oficiais do Produto Interno Bruto de junho a setembro devem ser divulgados dia 3 pelo IBGE.

Os números devem confirmar uma forte reação, embora talvez insuficiente para compensar a queda do segundo trimestre. As estimativas divulgadas indicam essa insuficiência, semelhante àquela observada em dezenas de países. Em muitas dessas economias as condições de emprego melhoraram, embora permaneçam danos causados pela crise. Nos 37 países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), o desemprego médio em agosto, de 7,4%, já era 0,6 ponto menor que o de julho. Continuava superior ao de fevereiro, mas a redução havia começado.

No Brasil, o número oficial do desemprego mostra só uma parte do problema da ocupação. Quando se juntam desempregados, ocupados por tempo insuficiente, desalentados e ainda a chamada força de trabalho potencial, chega-se a 33,2 milhões de indivíduos. O drama ficaria ainda mais visível com a adição dos empregados sem carteira assinada (9 milhões).

A política de reativação pouco se ocupou do emprego. Só um exemplo: micro e pequenos empresários, muito importantes para a criação de vagas, continuam com muita dificuldade para conseguir crédito. Mesmo na Ilha da Fantasia esse fato deve ser conhecido. Muito menos percebido, lá, é o drama do desemprego.

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A TEMPESTADE PASSA

Artigo de Fernando Gabeira 

Artigo de Fernando Gabeira 
Coragem, o fim da tempestade está próximo. Tenho vontade de escrever isso, sem hesitações. Mas temo parecer muito otimista. No passado, velhos como eu muito otimistas me davam uma ligeira aflição. 
Mas vamos aos fatos. Historicamente, costuma haver uma espécie de renascimento depois das grandes epidemias. A vacina está no horizonte. Podemos esperar alguma euforia e otimismo, caso seja eficaz e distribuída adequadamente.
O principal obstáculo é o governo negacionista, que minimiza a Covid-19 e duvida de vacinas. Tradicionalmente, o Brasil tem capacidade de produzir vacinas e realizar grandes campanhas de imunização. 
O governo federal falhou nos testes, deixando 6,8 milhões deles esquecidos num galpão em São Paulo. O general Pazuello é considerado um especialista em logística. Fez um bom trabalho em Roraima, na Operação Acolhida, que recebeu os venezuelanos. 
Ele vem sofrendo alguns desgastes. Contraiu Covid-19 e foi obrigado a se curvar diante de Bolsonaro. Não sei se o corpo mole é resultado da influência do próprio Bolsonaro, que, aliás, duvida de vacinas e acha melhor encontrar um remédio para o coronavírus. 
Se conseguirmos ultrapassar a barreira mental de Bolsonaro e de seus subordinados, a vacina pode, sim, representar o fim da pandemia. 
Com ela, é possível também pensar numa recuperação econômica, numa retomada das relações presenciais. Sem desprezar os ganhos da imersão no virtual, novas energias vão aflorar. 
A política ambiental do Brasil é absurda; a política externa, um disparate inédito em nossa história. Num dia, Bolsonaro ameaça usar pólvora contra Biden; no outro, o filho Eduardo acusa os chineses de potencial espionagem na tecnologia.
Além das duas potências mundiais, restaram poucos alvos para o insulto bolsonarista. O próprio Bolsonaro fez referências criticas à Alemanha e à Noruega, comentários machistas sobre a primeira-dama francesa e previsões catastróficas sobre o governo argentino.
Os ultrarrealistas dirão: nada disso importa, se houver um pequeno crescimento econômico. A verdade é que o Brasil precisa de um crescimento econômico sustentado, e essa tarefa é mais complexa do que um simples voo de galinha.
Quando passar a tempestade sanitária, as pessoas que compreendem este governo como a grande pedra no caminho terão mais mobilidade. Talvez possam ir para as ruas, sem a preocupação de atrair grandes massas no princípio.
A imprensa brasileira acostumou-se a julgar manifestações de forma apenas quantitativa. É um equívoco. Dentro dessa lógica, se recebesse a notícia de que houve algo com os 18 do Forte, não mandaria ninguém a Copacabana. Ou mesmo com o grupo de intelectuais que protestou contra a ditadura diante do Hotel Glória: eram só oito resistentes diante de um poderoso governo militar.
A multiplicidade de protestos, a fermentação, tudo isso acaba conduzindo a movimentos mais amplos, desses que encantam os contadores de gente na rua e impressionam os políticos míopes.
Num texto anterior, afirmei que Bolsonaro estava derretendo. Baseava-me numa análise que está se confirmando nas pesquisas. Não sou otimista o bastante para supor que Bolsonaro vá se derrotar sozinho. Não basta se sentar na poltrona e acompanhar seus movimentos autodestrutivos.
Será preciso muito movimento, troca de ideias e, em caso de avanço, sensatez política para evitar que, no desespero, ele envolva as Forças Armadas numa trágica aventura.
Essa ideia não se relaciona diretamente com eleições. É possível votar em candidatos diferentes mas, simultaneamente, compreender o conceito de adversário principal.
A esta altura do processo, é possível afirmar que qualquer um representa um perigo menor para o Brasil. Os ultrarrealistas que me perdoem: Bolsonaro nunca mais. Nunca houve na história recente do Brasil uma sucessão de erros tão graves, embora o processo de redemocratização tenha sido marcado por alguns equívocos e escândalos de dimensão continental.
Uma das características de um governo voltado para a destruição ambiental é que pode levar alguns biomas a um ponto de não retorno.
Embora iniba política vitais, a roubalheira desvia o trabalho morto, simbolizado no dinheiro público desviado.
Artigo publicado no jornal O Globo em 30/11/2020 
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PT SAUDAÇÕES

Thais Bilenky, PIAUÍ

O resultado do segundo turno deste domingo (29) adensou os ares de derrota que o PT respira já não é de hoje. O partido perdeu em onze das quinze cidades em que concorria no segundo turno. Os reveses em Recife e Vitória deixaram a legenda sem nenhum prefeito de capital pela primeira vez desde a redemocratização. O número total de prefeituras conquistadas pelo partido do ex-presidente Lula nas eleições de 2020 caiu em relação aos últimos pleitos: foram 183 prefeitos petistas eleitos no total, ante 255 em 2016 e 637 em 2012. Isso se reflete no tamanho da população governada pela sigla.

A eleição que se encerrou neste domingo elevava, em alguma medida, a expectativa, já que o PT era o partido com o maior número de candidatos no segundo turno: quinze. As vitórias em Juiz de Fora e Contagem, em Minas Gerais, e Mauá e Diadema, em São Paulo, ajudaram a aplacar a queda, mas não a evitá-la. Perdeu em Feira de Santana e Vitória da Conquista, na Bahia, Santarém (PA), São Gonçalo (RJ), Caxias do Sul e Pelotas, no Rio Grande do Sul, Anápolis (GO), Cariacica (ES) e Guarulhos (SP).

O ano de 2012 foi o último da bonança petista. Naquela eleição, Fernando Haddad se elegeu prefeito de São Paulo, o que contribuiu para ampliar o universo de eleitores residentes em cidades sob administração petista: 38 milhões. Após as manifestações de 2013, com o acirramento do antipetismo e o impeachment de Dilma Rousseff, a eleição de 2016 reduziu drasticamente o tamanho do PT. A população governada pela legenda despencou para 5,85 milhões. Em 2020, o partido recuperou algum terreno. Passará a administrar 8,18 milhões de pessoas.

O total de votos para prefeito e vereador conquistado pela sigla em todo o país caiu de mais de 35 milhões, em 2012, para menos de 13 milhões, em 2016. Agora subiu um pouco e somou 14 milhões. 

A competitividade petista em 2012 era tal que, dos 21 candidatos que chegaram ao segundo turno, oito ganharam, inclusive em capitais como João Pessoa e Rio Branco, além de São Paulo. Quatro anos depois, o PT disputou o segundo turno em sete cidades e não venceu em nenhuma –passou a administrar apenas uma capital, Rio Branco, vencida no primeiro turno. O então prefeito, Marcus Alexandre, no entanto, largou o posto em 2018 para disputar o governo do Acre e perdeu. Isso fez com que o partido já não estivesse governando uma capital de estado desde então.  

Nas Câmaras Municipais também não há alívio para os petistas. A curva é parecida. Das 5.185 cadeiras em Câmaras Municipais conquistadas em 2012, a legenda foi a 2.813 em 2016 e agora a 2.658. 

De todas as cidades em que a sigla depositava esperança, Recife foi palco da disputa mais quente e atípica. Dois primos, João Campos, do PSB, e Marília Arraes, do PT, chegaram ao sábado, véspera da eleição, com 50% dos votos válidos, segundo o Ibope e o Datafolha. A disputa acabou com 56% para Campos a 44% para Arraes, depois de duas semanas de uma batalha agressiva pelos eleitores indecisos e órfãos dos candidatos que ficaram para trás, da direita inclusive. Os dois partidos eram aliados no estado até a antevéspera da eleição.

Na hora H, o PSB apelou ao antipetismo – lembrou os caciques petistas condenados em escândalos como o mensalão e a Lava Jato e associou os dois casos com a candidatura de Arraes. A campanha de Campos adotou ainda outras táticas consideradas sujas pela adversária – como questionar sua fé por Arraes ter proposto a suspensão da leitura de trechos da Bíblia em sessões da Câmara Municipal, em defesa do Estado laico. A candidatura do PT, por sua vez, procurou lembrar o eleitor do vínculo entre Campos e o prefeito atual, Geraldo Júlio, e o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, ambos do PSB e mal avaliados.

O resultado em São Paulo é outro indicativo dos tempos difíceis para o PT. Com o pior desempenho de um candidato na história, Jilmar Tatto ficou em sexto lugar no primeiro turno, com 8,65% dos votos. O eleitorado paulistano inclinado à esquerda se viu mais bem representado por Guilherme Boulos, liderança em ascensão no PSOL que passou ao segundo turno. Acabou derrotado nos números pelo prefeito reeleito, Bruno Covas, PSDB, mas não simbolicamente, com um desempenho que lhe conferiu visibilidade nacional.

O antipetismo tem marcado a política brasileira da última década – o que, com variações e nuances, culminou com a eleição de Jair Bolsonaro presidente da República. O cientista político Cesar Zucco, professor da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, usa o conceito de “polarização afetiva” para tentar explicar em parte esse fenômeno. O conceito se observa, nas suas palavras, “quando os oponentes políticos não são vistos apenas como oponentes políticos, mas como ‘malvados’, ‘desprezíveis’ e pessoas com as quais não é possível nenhum tipo de relação social. É uma relação de hostilidade registrada no eleitorado, e não apenas entre elites e políticos”. 

Há interpretações com esse prisma na política americana e europeia contemporânea, mas não sem controvérsias. “No Brasil, essa ideia de uma polarização que não tem necessariamente uma base concreta em preferências políticas parece captar pelo menos um pouco do que temos vivido”, diz Zucco. “Mas o que tem de estranho no caso brasileiro é que nós talvez estejamos numa situação de polarização afetiva PT versus anti-PT, mas seríamos o primeiro caso (ou o primeiro caso na literatura acadêmica) onde um dos polos não é um partido e não tem uma identidade própria. Um dos polos é uma rejeição do outro.” Isso deixaria uma parcela do eleitorado vulnerável a ser cooptada por correntes com as quais não necessariamente concordaria, não fosse o aspecto emocional do envolvimento político contra o PT.

Assim, uma leitura possível dessa tendência, segundo Zucco, é que Bolsonaro se aproveitou dela em 2018, mas não construiu algo em cima, de modo que na eleição municipal deste ano o presidente “não tinha mais espaço para ocupar”. “Sem ter com quem polarizar, ele não tinha o que fazer. As poucas tentativas que fez foi no sentido de ‘não votem em comunistas’, que é o que ele sabe fazer, e não funcionou. Bolsonaro ainda parece estar em 2018 e apostar que 2022 vai repetir a dinâmica de 2018. Eu acho que essa pode ser uma aposta errada, porque 2022 tem tudo para ser uma eleição mais normal do que 2018. Normal no sentido de que existirá, caso ele dure até lá, um candidato do governo, que terá que defender seu governo. Falar contra o PT em 2022 já não vai ser tão simples. Não sei se funcionará mesmo se o PT for o adversário, e será mais difícil ainda se o PT não o for.”

O cientista político observa que o antipetismo foi se transfigurando com o passar do tempo. Nos anos 90, a principal imagem usada era de ‘baderna’. Nos anos 2000 e 2010, passou a ser de corrupção. “Não é claro se a corrupção é causa ou racionalização para o antipetismo, mas passou a estar presente nessa época. Depois de 2014 adicionou-se também o voto evangélico e os temas de ‘costumes’, que não eram politizados em termos PT vs. anti-PT até então. Corrupção sempre será um tema de campanha, mas tenderá a ser um tema usado contra quem está no poder. A associação entre PT e corrupção pode não durar para sempre, na medida em que o PT fique fora do poder”, pontua Zucco.

A eleição em São Paulo pode trazer reflexões sobre o antipetismo, que não tem necessariamente relação com a polarização afetiva. Para Zucco, a disputa entre Bruno Covas, do PSDB, e Guilherme Boulos, do PSOL, “apenas salienta que o antipetismo vs. petismo não é baseado em preferências ideológicas por políticas públicas porque, se fosse, haveria um rechaço muito maior a Boulos, que comunga de várias das ideias que já foram apresentadas pelo PT. O antipetismo não é antiesquerda”. Essa chave de interpretação “sinaliza uma possível estratégia eleitoral contra Bolsonaro no futuro”, conclui Zucco.

THAIS BILENKY (siga @thais_bilenky no Twitter)

Repórter na piauí. Na Folha de S.Paulo, foi correspondente em Nova York e repórter de política em São Paulo e Brasília

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A MULHER QUE VEIO COM A CHUVA

A festa hoje é para a guerreira que não foge à luta, Luiza Erundina, a mulher que veio com a chuva. Sinônimo de competência, coerência e luta pelos direitos humanos.  O trabalho parlamentar de Erundina é uma referência na política nacional. A honestidade e responsabilidade tem norteado a vida pública dessa paraibana que tem uma força e fé inabalável. Erundina nos enche de orgulho, é um ser humano fantástico.

Biografia – Luiza Erundina de Souza, nasceu no dia 30 de novembro de 1934 na cidade de Uiraúna, Paraíba. É a sétima de dez filhos de um artesão de selas e arreios de couro. Começa a trabalhar ainda na infância, vendendo bolos feitos pela mãe.
Repete a 5ª série duas vezes para não parar de estudar, uma vez que a cidade não tinha curso ginasial. Vai morar em Patos, com uma tia, em 1948, para cursar o ginásio. Forma-se em Serviço Social na Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa, em 1967, e segue para São Paulo em 1971 para fazer mestrado na Escola de Sociologia e Política. Luíza Erundina sonhava ser médica, contudo, por dificuldades de ordens diversas, viu-se obrigada a suspender os seus estudos durante nove anos. Mesmo assim, ajudaria a fundar, em Campina Grande, a Faculdade de Serviço Social.
Por vias da militância católica, ela assumiria, em 1958, o seu primeiro cargo público: aos 24 anos de idade, tornar-se-ia diretora de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal de Campina Grande. E, em 1964, seria nomeada secretária de Educação e Cultura dessa cidade.
Erundina graduou-se como assistente social, em 1966, pela Universidade Federal da Paraíba; e, em 1970, concluiu o mestrado em Ciências Sociais, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Vale registrar que, em Campina Grande, na década de 1970, ela iniciava a sua atuação na esfera política, participando das Ligas Camponesas e fazendo oposição ao Golpe Militar. E que, naquela cidade e período histórico, a participação de mulheres nordestinas, na política, praticamente inexistia. Por essa razão, ela passaria a sofrer perseguições.
Foi em 1971 que Erundina decidiu se transferir para São Paulo em definitivo; e, ainda nesse ano, foi aprovada em um concurso público para assistente social da Prefeitura, indo trabalhar com os nordestinos migrantes nas favelas da periferia da cidade.
É aprovada em concurso para a Secretaria do Bem-Estar Social da prefeitura paulistana e logo depois passa a colaborar com movimentos de periferia que reivindicam moradia e ocupam terrenos públicos abandonados, muitas das vezes em associação com as Comunidades Eclesiais de Base. Em 1980, é convidada pelo então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva a ser uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores (PT), pelo qual se elege vereadora em 1982 e deputada estadual constituinte em 1986. Em 1985, é escolhida pelo partido para ser a vice-prefeita na chapa do candidato Eduardo Suplicy por ocasião das eleições municipais daquele ano. Suplicy fica em terceiro no pleito, vencido por Jânio Quadros (PTB), mas a expressiva votação recebida pelo PT (cerca de 19% dos votos) impulsiona o crescimento do partido na cidade. Em 1987, já como deputada estadual, é agredida pela Polícia Militar durante uma manifestação de funcionários públicos contra o governo do estado (à época comandado por Orestes Quércia) promovida pelo PT.
Integrante da ala considerada mais radical do PT, ligada ao trotskismo, Luiza Erundina candidata-se em 1988 às prévias do partido para a decisão do candidato à prefeitura de São Paulo nas eleições daquele ano. O outro candidato das prévias é o deputado federal constituinte Plínio de Arruda Sampaio, oriundo do setor majoritário e moderado da legenda e apoiado por suas maiores lideranças: Lula, José Genoíno e José Dirceu. Erundina vence Plínio na disputa interna e se lança, com efeito, à corrida municipal, concorrendo com o ex-prefeito e ex-governador Paulo Maluf (PDS), com o secretário estadual João Oswaldo Leiva (PMDB), apoiado pelo governador Orestes Quércia e pelo prefeito Jânio Quadros, com o deputado federal José Serra (PSDB), com o jornalista e secretário municipal de Jânio, João Mellão Neto (PL), e com o ex-secretário municipal e genro de Jânio Quadros, Marco Antônio Mastrobuono (PTB).
De início em terceiro nas pesquisas eleitorais (atrás de Maluf e Leiva), com uma campanha caracterizada pelos baixos recursos, pela militância pesada do partido nos bairros (sobretudo periféricos, que se converteriam nos grandes redutos eleitorais de Erundina naquele ano) e pelos eloquentes ataques, durante o Horário Eleitoral Gratuito, à administração de Jânio Quadros e aos demais candidatos, vistos todos como representantes dos setores mais conservadores e elitistas da sociedade, Luiza Erundina foi crescendo aos poucos na eleição, beneficiada pela insatisfação generalizada da sociedade com o poder público, pela, à época, diferenciada proposta representada pelo PT, pela alta rejeição a Maluf e pelo baixo cacife eleitoral de Leiva, tido por muitos como um candidato-fantoche. Durante o processo, Erundina ainda agregou o apoio de demais siglas de esquerda, como o PDT e o PCdoB, chegando, na penúltima semana do pleito (na época não havia segundo turno), em situação de empate técnico com Leiva e atrás de Maluf.
A greve na Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda, ocorrida nas proximidades da eleição e que terminou com a morte de três operários devido à truculenta ação do Exército, ajudou a opinião pública a se sensibilizar acerca das reivindicações do movimento sindicalista e a rejeitar ainda mais o poder constituído de então. Alguns analistas políticos consideram que a repercussão da greve ajudou na vitória de Erundina em 15 de novembro de 1988, com 33% dos votos válidos, ante 24% de Maluf e 14% de Leiva, desmentindo as pesquisas dos dias anteriores, que davam vitória a Maluf. O próprio candidato do PDS, quando informado da vitória da petista por um jornalista da Rádio Jovem Pan, chegou a declarar que contestaria o resultado da eleição junto ao TRE. Contudo, tal intenção não foi concretizada. Após a totalização dos votos, descobriu-se que a Rede Globo não divulgou uma pesquisa do Ibope, concluída na véspera do dia da votação, que já indicava a vitória de Erundina. As circunstâncias da eleição de Erundina para a prefeitura da maior cidade do país causaram grande impacto, sobretudo pelo alto grau de surpresa, pelo próprio perfil pessoal da nova prefeita (solteira, migrante nordestina e ativa militante de esquerda) e pela significativa mudança em relação ao sistema administrativo outrora constituído.
Trajetória política
Prefeitura de São Paulo
Luiza Erundina foi prefeita do município de São Paulo entre 1989 e 1993, eleita pelo PT.
Na sua gestão elaborou ações importantes nas áreas de educação (os responsáveis pela pasta eram os educadores Paulo Freire e, depois, Mário Sérgio Cortella, reconhecidos internacionalmente) e saúde, como o aumento do salário e da capacitação dos professores da rede municipal, a melhoria na distribuição e qualidade da merenda escolar, a criação dos MOVAs (Movimentos de Alfabetização, centros de alfabetização e instrução de adultos) e a implantação de serviços de fonoaudiologia e neurologia, entre outros, nos postos da cidade, além do desenvolvimento de políticas sociais mais voltadas para a periferia.
A gestão de Erundina colocou a problemática habitacional como prioridade ao apoiar a implantação habitação de interesse social por mutirão autogerido, o que ajudou a diminuir o déficit habitacional no município. A prática do mutirão foi descontinuada por seus sucessores, como Paulo Maluf, os quais priorizaram a construção de edifícios de apartamentos por métodos convencionais, visto que os mutirões proporcionavam um certo nível de organização política aos envolvidos, assim como possibilitavam sua mobilização com relação ao atendimento de suas demandas, o que não ocorria nos projetos habitacionais de Maluf e dos demais prefeitos.
No setor de esportes, junto a seu secretário Juarez Soares, conseguiu trazer de volta a Fórmula 1 para a cidade, abrigando-a no circuito de Interlagos. Na área da cultura (comandada pela filósofa Marilena Chauí) foi responsável pela construção do Sambódromo do Anhembi e pela restauração das grandes bibliotecas do centro da cidade, como a Biblioteca Mário de Andrade. Também sancionou a lei de incentivo fiscal à cultura do município, a Lei Mendonça. Nos transportes públicos investiu na modernização da frota da CMTC e incentivou as empresas particulares a fazerem o mesmo, principalmente através de subsídios governamentais às tarifas. No transporte individual, Erundina foi bastante criticada por não ter dado continuidade em algumas obras viárias de seu antecessor Jânio Quadros, como os túneis sob o Rio Pinheiros e o Lago do Parque do Ibirapuera, empreitadas que foram retomadas por Paulo Maluf.
O ponto mais polêmico de sua gestão foi a tentativa de mudança nas regras da cobrança do IPTU, naquilo que se chamou de "IPTU progressivo": pelo projeto, apresentado em 1992 (último ano de sua gestão), proprietários de imóveis de maior valor teriam um aumento no imposto (ao mesmo tempo em que outros imóveis, isentos da cobrança, voltariam a contribuir), ao passo que imóveis menores teriam os custos diminuídos até a isenção. Tal medida foi duramente rechaçada pela Câmara dos Vereadores (de maioria oposicionista) e por setores da imprensa, até ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, que considerou a iniciativa da prefeitura inconstitucional. Pela campanha deflagrada contra a atitude da prefeita e pela mesma potencialmente também atingir alguns setores da classe média, a administração de Luiza Erundina sofreu uma sensível queda em sua popularidade.
Durante seu período na prefeitura foi considerada uma das principais lideranças de esquerda no país, mas não conseguiu constituir um sucessor. O candidato de seu partido, Eduardo Suplicy, perdeu as eleições de 1992 para Paulo Maluf. Em 1996, 2000 e 2004, Erundina candidatou-se novamente ao cargo de prefeita, sem obter sucesso em nenhuma delas (apesar de ter disputado o segundo turno em 1996).
Ministra da Administração Federal
Com o advento do impeachment do presidente Fernando Collor, em 1993, logo após dar posse a Paulo Maluf na prefeitura de São Paulo, Luiza Erundina seria convidada, pelo vice de Collor e seu sucessor Itamar Franco (1992-1994), a se tornar ministra-chefe da Secretaria da Administração Federal, dentro dos esforços de Itamar Franco em constituir um governo de coalizão política (coalizão à época chamada de "política de entendimento nacional"), abrigando no primeiro escalão políticos e lideranças de diferentes correntes. Por ter aceitado o cargo, contrariando a orientação do partido, o Diretório Nacional do PT decidiu suspender, por um ano, todos os seus direitos e deveres partidários. Na ocasião, segundo uma nota divulgada pelo PT, a deputada teria rompido com a disciplina partidária, ao não consultar a legenda sobre o assunto, e ao desrespeitar a decisão do partido de fazer oposição a Itamar. Dessa maneira, em 1997 (mesmo após se candidatar pelo partido à prefeitura de São Paulo no ano anterior e ao Senado Federal em 1994), depois de 17 anos de militância, ela sairia do PT, posto que o episódio constituiu um desgaste progressivo seu com as demais lideranças da legenda. Em maio de 1993 deixou a Secretaria da Administração Federal principalmente devido a divergências com o Ministro da Casa Civil, Henrique Hargreaves, sendo substituida pelo general-de-brigada Romildo Canhim.
Saída do PT e entrada no PSB
Em 1998, Erundina transfere-se para o Partido Socialista Brasileiro (PSB); nesse ano, se elege deputada federal para a legislatura 1999-2003. No ano 2000, ela se candidata novamente à Prefeitura de São Paulo, mas perde a eleição para Marta Suplicy (PT). Em contrapartida, é reeleita deputada federal em 2002, para a legislatura 2003-2007, apoiando a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República.
Deputada federal
Em 1994 foi candidata ao Senado ficando em 3º lugar com mais de 4 milhões de votos, sendo derrotada por José Serra (PSDB) e Romeu Tuma (PL). Perdeu a eleição municipal de 1996 no segundo turno para Celso Pitta e, após uma série de desentendimentos com o partido, deixou o PT para filiar-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), representando por esse partido, a partir de 1999, o estado de São Paulo no Congresso Nacional em Brasília, como deputada federal.
Em 2002 e em 2006 foi novamente eleita para o posto. Nessas últimas eleições conseguiu obter expressiva votação, ficando entre os quinze parlamentares mais bem votados do estado. Em 2006, quando se reelege, faz oposição ao governo Lula.
Ainda em 2006, Erundina protestou contra o aumento de 91% nos salários dos parlamentares.
Em 2008 foi convidada para ser a vice na chapa encabeçada por Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo, o que era de seu interesse, mas não de seu atual partido. O vice da campanha de Marta acabou sendo Aldo Rebelo do PC do B, apesar de o PSB ter decidido apoiar Marta.
Nas eleições de 2010, discorda do apoio de seu partido ao empresário Paulo Skaf para a disputa do governo de São Paulo e consegue, mais uma vez, se eleger para o Congresso Nacional, conquistando assim o quarto mandato seguido como deputada federal, sendo a décima mais votada do estado com 214.144 (1%), à frente de políticos como Arlindo Chinaglia, Márcio França, José Aníbal.
Candidatura a vice-prefeita de São Paulo
Luiza Erundina em anuncio para ocupar o cargo de vice-prefeita na campanha de Fernando Haddad para prefeito de São Paulo.
Em junho de 2012, tornou-se pré-candidata a vice-prefeita de São Paulo na chapa de Fernando Haddad (PT), composição muito celebrada pelo próprio PT por considerar que o nome de Luiza Erundina impulsionaria a campanha, já que Haddad, apesar de ter sido Ministro da Educação de Lula e Dilma Rousseff por mais de 6 anos, ainda era um nome pouco conhecido pela população como um todo. Entretanto, após a aliança do PT com Paulo Maluf e seu Partido Progressista também para a candidatura Haddad, firmada até mesmo com uma visita do ex-presidente Lula à residência de Maluf (em um ato político amplamente divulgado pela imprensa), Erundina anuncia seu declínio à candidatura. É substituída por Nádia Campeão, do Partido Comunista do Brasil. Contudo, Luiza Erundina continua a apoiar o nome de Fernando Haddad nas eleições, que se converteria no vencedor do pleito.
RAiZ - Movimento Cidadanista[editar | editar código-fonte]
Em 22 de janeiro de 2016,a deputada lança em Porto Alegre no Fórum Social Temático, um novo partido, o RAiZ - Movimento Cidadanista. O RAiZ tem com base os princípios do ecossocialismo, ubuntu e teko porã, e se inspira nas novas experiências dos círculos cidadanistas e de partidos-movimentos como o espanhol Podemos (Espanha).
Saída do PSB e entrada no PSOL[editar | editar código-fonte]
Em março de 2016, após 19 anos Erundina deixa o Partido Socialista Brasileiro (PSB), por esse apoiar o impeachment da presidente Dilma Roussef, e transfere-se, no período da janela partidária sem perda de mandato, ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) numa filiação transitória, até que a RAiZ - Movimento Cidadanista obtenha registro definitivo.
Candidata do PSOL, a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) concorreu à presidencia da Câmara dos deputados do Brasil, na votação de 13 de julho de 2016, em substituição a Eduardo Cunha, que havia renunciado uma semana antes por conta das denúncias que lhe eram feitas acerca do escândalo da Lava Jato. Erundina afirmou que a eleição da Câmara é uma oportunidade de “renovação” e afirmou que é chegado o momento de uma mulher assumir o comando da Casa. A deputada foi a 9ª a registrar candidatura à presidência da Câmara após a renúncia do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo de presidente. Ela também prometeu “radical mudança”, se assumir o posto, e criticou o processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. Erundina criticou os retrocessos do Governo Temer e as manobras de Eduardo Cunha. Há apenas 2 projetos em disputa: "a manutenção de uma Câmara desmoralizada, manobrada pelo fantasma de Eduardo Cunha, e do outro lado aqueles que lutaram pelo afastamento de Cunha"; em seu discurso, ela ressaltou que é necessário uma nova Câmara a um novo tempo e defendeu a eleição de uma mulher ao cargo: “essa eleição é uma oportunidade para a Câmara pagar uma dívida histórica com as mulheres. Nenhuma mulher ocupou a presidência desta Casa, e poucas foram eleitas para cargos de titular da Mesa Diretora. Isso se deve à sub-representação feminina dos espaços de poder, inclusive do Parlamento”, disse. A candidata disse que é preciso discutir questões que são de “real interesse do País”, como a reforma política, a reforma tributária, a regulamentação dos dispositivos constitucionais sobre comunicação social, a reforma agrária e urbana. Quanto ao andamento dos trabalhos, prometeu fortalecer o trabalho das comissões e a participação do Colégio de Líderes. Para além dos 6 representantes de seu partido na Câmara, Erundina recebeu 22 votos nominais. Deputada há 5 mandatos, Erundina é suplente da atual Mesa Diretora. No momento em que Erundina fazia seu pronunciamento de candidatura, a hashtag #ErundinaEntraCunhaSai foi o assunto mais comentado do Twitter, mundialmente.
Candidatura à Prefeitura de São Paulo em 2016
Em outubro de 2016 foi candidata pela quinta vez à Prefeitura de São Paulo, desta vez pelo PSOL, tendo Ivan Valente como candidato a vice-prefeito. O PSOL quis evitar as primárias fazendo a decisão da escolha por um consenso. As movimentações pré-campanha ocorrem num contexto de crise política envolvendo um pedido de impeachment do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, do PT.
Em 24 de julho, o PSOL oficializou a candidatura de Luiza Erundina ao cargo de prefeita de São Paulo, com Ivan Valente como vice. Durante o evento, foi revelada a primeira aliança da chapa: o PCB formando a coligação "Os Sonhos Podem Governar". Em 30 de julho, houve o anúncio da segunda aliança: o PPL.
Com informações da Wikypedia
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sábado, 28 de novembro de 2020

DE PUXADINHO DA UNIVERSAL A QUERIDINHO DA DIREITA

Camille Lichotti e Luigi Mazza, PIAUÍ

Um dia antes do primeiro turno da eleição, o prefeito de Santo Inácio do Piauí compartilhou uma mensagem em suas redes sociais. “Domingo é dia de votar 10 no gordinho, que é o gestor que vem cuidando bem da nossa Santo Inácio e fazendo a diferença”, dizia a postagem. Tairo Mesquita (Republicanos) fez uma campanha agitada na minúscula cidade de 3 mil habitantes, no interior do Piauí. Recebeu cerca de 40 mil reais do partido para conseguir se reeleger. Não foi uma tarefa difícil, já que ele era o único candidato no páreo. Com 100% dos votos válidos, Mesquita se saiu vitorioso junto com seu vice, também do Republicanos. E terá pela frente, em 2021, uma situação bastante confortável na Câmara Municipal: dos nove vereadores eleitos nesta eleição, oito são, também, do Republicanos.

O partido dominou a cidade. Dos oito vereadores que se elegeram pela legenda, cinco já tinham mandato. Em 2016, eram de outros partidos, como PSB, PSL e PSDB, mas em 2020 migraram para o Republicanos. Foram atrás do prefeito, que se filiou ao partido no começo do ano. “É um trabalho de convencimento que a gente fez nos municípios”, afirma Victor Cavalcante, advogado que preside o diretório do Republicanos no Piauí. “Esses vereadores preferiram se unir em torno do partido, já que não podiam mais fazer coligação. Os outros partidos nem conseguiram uma quantidade razoável de candidatos”, afirma. Na cidadezinha, fora o Republicanos, só PT e MDB lançaram candidatos a vereador.

O partido ainda é pequeno no Piauí, mas ganhou força. Quatro anos atrás, elegeu 54 vereadores no estado; agora foram 105. Elegeu um prefeito em 2016; agora tem dez. O desempenho se repete em quase todos os estados. “A nossa principal bandeira aqui é o municipalismo, defender mais recursos para os prefeitos. A gente nem sempre tem uma bandeira 100% uniforme na campanha, mas o que nos une é isso”, admite Cavalcante.

A estratégia municipalista rendeu frutos, e não só em cidades pequenas. O Republicanos foi o partido que mais elegeu vereadores em capitais este ano – foram 53 ao todo. Em 2016, quando ainda se chamava PRB, só emplacou 37. No Rio de Janeiro, caso venha a se reeleger, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) vai contar com uma base robusta de sete vereadores do partido – a maior bancada da Câmara, empatada com DEM e Psol.

Além disso, o partido praticamente dobrou o número de prefeituras. Vai comandar pelo menos 208 cidades a partir do ano que vem. Ficou à frente de partidos bem estabelecidos, como o PT, que conquistou 179 municípios. E teve desempenho duas vezes melhor que o PSL, ex-partido do presidente Jair Bolsonaro. O racha no PSL dispersou os candidatos bolsonaristas. Sem poder contar com o Aliança pelo Brasil, que ainda não saiu do papel, eles acabaram se espalhando por outras legendas da direita. Entre elas, o Republicanos.

O partido hoje é o principal abrigo dos bolsonaristas desalojados do PSL. A começar pela família Bolsonaro: Carlos, filho 02 do presidente, se filiou ao Republicanos e foi o segundo vereador mais votado do Rio. Seu irmão mais velho, Flavio, também embarcou no partido. Até a mãe dos dois, Rogéria Nantes, ex-mulher de Bolsonaro, entrou para o Republicanos para cavar uma vaga de vereadora na eleição. Diferentemente do filho, não se elegeu.

Até o ano passado, o Republicanos se chamava PRB. Antes disso, PMR – o Partido Municipalista Renovador. Desde o começo, despontou como uma legenda pouco expressiva do Centrão, umbilicalmente ligada à Igreja Universal. Suas principais lideranças, como o presidente do partido, Marcos Pereira, e o prefeito Marcelo Crivella, são bispos da Universal. Não por acaso, o Republicanos é a sigla que predomina na bancada evangélica do Congresso – presidida, por sua vez, pelo deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).

Na eleição deste ano, o partido se descolou do Centrão e procurou se desvencilhar da imagem estritamente evangélica que carregava até então. A mudança de nome, em 2019, sinalizou a estratégia da legenda de tentar se repaginar como uma alternativa conservadora no campo da direita. Ficou com um pé no centro, outro no bolsonarismo. “Apesar da penetração evangélica, o Republicanos nasceu como dissidência do Partido Liberal, uma legenda ultrapragmática”, explica Fernando Limongi, cientista político e professor da Universidade de São Paulo (USP). “Na verdade, eles são a quintessência do Centrão.”

Limongi afirma que o Republicanos não tem um discurso político coeso, que possa ser competitivo na disputa por governos estaduais ou pelo governo federal. Ainda que vários expoentes do partido incorporem o conservadorismo e a linguagem bolsonarista, seu modus operandi é o mesmo de quase todas as legendas que ocupam o espectro da centro-direita. “O Republicanos é especializado em fazer alianças pragmáticas para pegar sobras no Legislativo e ir comendo pelas beiradas, vivendo na marginália”, diz Limongi. O partido não conseguiu emplacar Celso Russomanno, em São Paulo, e, ao que tudo indica, deve perder a prefeitura do Rio de Janeiro, onde Crivella é rejeitado por quase 60% do eleitorado. 

Mas, de beiradas em beiradas, o Republicanos vem crescendo Brasil afora. A tendência é que o partido se consolide como uma força eleitoral no campo da direita. Nos municípios com mais de 500 mil habitantes, foi a terceira legenda com maior percentual de votos para vereador. Na Paraíba, quadruplicou seus vereadores, superando o gigante MDB. Em Pernambuco, no Rio Grande do Norte e no Pará, dobrou a bancada. Proporcionalmente, o maior salto aconteceu no Amazonas, onde o partido passou de 17 para 90 vereadores eleitos. O resultado não veio por acaso: depois de Rio, São Paulo e Minas Gerais, o Amazonas foi o estado que mais recebeu repasses do fundo eleitoral. Até meados de novembro, o diretório nacional do Republicanos enviou para lá 3,2 milhões de reais.

“De todos os vereadores eleitos no Amazonas, 16% estão no Republicanos”, comemora o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), que também é bispo da Universal. Na verdade, a proporção é de 12%. Ainda assim, é uma taxa alta: considerando o Brasil inteiro, só 4,5% dos vereadores eleitos este ano são filiados ao partido. Durante a campanha, Câmara fez um périplo pelo estado apoiando seus candidatos. Viajou de carro, barco e avião anfíbio para pedir voto em cidades amazonenses. “O resultado de sucesso do Republicanos veio com muito trabalho e envolvimento da nossa militância.”

O dinheiro também ajuda a explicar o boom do Republicanos este ano. Até meados de novembro, antes do segundo turno, o diretório nacional do partido repassou 98,4 milhões de reais a seus candidatos – mais que o triplo do que foi pago em 2016, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os dados mostram que o Republicanos hoje se esforça para crescer em regiões onde ainda é pouco expressivo. Em São Luís, uma das três capitais onde o partido conseguiu levar a disputa ao segundo turno, o candidato Duarte Junior recebeu 4,1 milhão de reais dos fundos partidário e eleitoral – muito mais do que os 2,7 milhões recebidos pelo prefeito Marcelo Crivella, um dos principais nomes da legenda.

Para Silas Câmara, o fim das coligações para o Legislativo favoreceu partidos com maior capacidade de mobilização, como o Republicanos. “Temos certeza de que seremos uma legenda forte no futuro”, afirma. Os prefeitos de hoje – como Tairo Mesquita, na pacata Santo Inácio do Piauí – serão os cabos eleitorais de amanhã, na eleição de 2022. As bases nos municípios são fundamentais para a eleição de deputados federais e estaduais, o que terá impacto no equilíbrio de forças entre os partidos daqui em diante. E a estrutura que o PSL e o Aliança pelo Brasil não conseguiram construir, o Republicanos já tem à mão.

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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O GIGANTE SOLITÁRIO

Artigo de Fernando Gabeira

Ainda muito jovem, estagiário, lembro-me de uma tarefa jornalística no Itamaraty. Com a ajuda do poeta e empresário Augusto Frederico Schmidt, Juscelino acabara de lançar a Operação Pan-Americana. Era uma iniciativa regional, mas partia do Brasil e, de certa forma, expressava o otimismo dos anos 1950.

No mundo de hoje vejo muito movimento. Os Estados Unidos derrotaram Trump e se preparam para voltar às alianças globais e ao Acordo de Paris. A Europa movimenta-se e 15 países da Ásia e da Oceania, um terço do PIB mundial, acabam de celebrar importante acordo sob a liderança da China.

No meio de todo esse movimento, apesar da pandemia, é razoável perguntar pelo Brasil. Jogamos todas as fichas numa relação com Trump, sempre desfavorável ao País. E agora Trump foi para o espaço. Ficamos sós e espetacularmente desarmados, como diria o poeta.

Um projeto especial como o desenvolvido com a Noruega e a Alemanha na Amazônia foi bombardeado por Bolsonaro e Salles. Perdemos investimentos, até para nos protegerem de incêndios na floresta e no Pantanal. Recentemente, numa live sobre os incêndios no Pantanal, autoridades de Mato Grosso lembraram que a modernização de sua estrutura de combate a incêndios dependia desse dinheiro. E não há nada no lugar, exceto o corre-corre do vice-presidente Mourão para seduzir os europeus e uma sensação vazia de nacionalismo no discurso de Bolsonaro. Nem Alemanha nem Noruega exigiam nada senão projetos sustentáveis.

Essa escaramuça amazônica serviu de ensaio para os tropeços posteriores, troca de farpas sobre incêndios e desmatamento – todo um processo que poria em risco o acordo União Europeia-Mercosul. Alguns estadistas, como Angela Merkel, são pragmáticos e têm grande boa vontade com o acordo. Mas a sucessão de erros e o próprio processo destrutivo na Amazônia acabaram repercutindo nos Parlamentos nacionais. E o acordo “subiu no telhado” enquanto Bolsonaro mantiver essa política desafiadora e agressiva com a Europa.

Num encontro do Brics, ele ameaçou denunciar países europeus que importam madeira ilegal. Países não importam madeira, e sim empresas. Ele recuou, mas o tiro no pé já estava dado, até porque ficou bastante evidente que as medidas que afrouxaram as regras de exportação partiram do seu governo.

O próprio Biden fez um aceno durante a campanha prometendo mobilizar US$ 20 bilhões para a Amazônia. Foi contestado por Bolsonaro, ironizado por Salles. Bolsonaro ameaçou usar pólvora quando a saliva faltasse. Todos sabemos que não há pólvora para isso no Brasil, os gastos maiores da Defesa são para manter o pessoal, aposentados incluídos. Mesmo que houvesse mamonas como pólvora alternativa, a verdade é que a ameaça foi ignorada diplomaticamente por Obama quando instado a falar no assunto.

Da mesma maneira, os chineses, nossos maiores parceiros comerciais, procuram navegar ao longo das provocações como se não existissem. Eles têm projetos de décadas, a julgar pelo que Kissinger descreve sobre a política chinesa. Devem considerar Bolsonaro apenas um rápido acidente na relação bilateral. Ainda assim, há temas que vão mobilizar.

No apagar das luzes, Bolsonaro assinou o documento Clean Network, que teoricamente deixa de fora os chinese na implantação da tecnologia 5G no Brasil. É o único tema que irrita os chineses, pela maneira como a família Bolsonaro o trata, classificando-os de espiões.

É uma decisão que representa custos e assusta alguns parceiros nacionais. Suponho que interesse também ao governo Biden. Mas Bolsonaro pensava em Trump quando assinou. E ainda nem reconheceu o presidente eleito americano.

Ninguém se assusta com isso porque, afinal, Bolsonaro nega a covid-19, a ciência, o racismo, a corrupção nos gabinetes familiares, os incêndios na floresta. Ele é um negacionista e de tanto negar acabará duvidando da sua própria existência. O problema é como se comportar nesse vácuo, que pode durar dois anos.

Os governadores da Amazônia uniram-se e podem representar uma alternativa de negociação não apenas com a Europa, mas com os EUA, que agora têm um representante específico para mudanças climáticas. Dificilmente deixará de pôr a Amazônia em sua agenda. Outras iniciativas são possíveis. Cidades como as capitais do Sudeste podem estabelecer também seus vínculos com o exterior, sobretudo num momento em que a articulação das metrópoles do planeta tem muito a contribuir para o combate ao aquecimento global.

É preciso ocupar todos os espaços para se contrapor ao cercadinho de Bolsonaro. Nele, por afinidades ideológicas, cabem apenas a Hungria e a Polônia. Muito distantes e até modestas para nossas pretensões internacionais. No momento em que se discute tanto o racismo estrutural no Brasil, uma revisão histórica em nossa relação com a África abriria novas e inexploradas possibilidades.

Nos anos 50 o otimismo nos abria para as Américas e para o mundo. Com o fim da pandemia e a chegada da vacina, creio que esse movimento será de novo irresistível e arrastará com ele os destroços do negacionismo, o rancor paranoico de quem só vê perigo no mundo.

Artigo publicado no Estadão em 27/11/2020

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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

A IMPORTÂNCIA DO VOTO

Artigo de Rachel de Queiroz

O artigo "Votar" de Rachel de Queiroz foi publicado na revista O Cruzeiro, em 11 de Janeiro de 1947, com o objetivo de alertar os eleitores de então, quanto a importância do voto, continua contemporâneo.

Não sei se vocês têm meditado como devem no funcionamento do complexo maquinismo político que se chama governo democrático, ou governo do povo. Em política a gente se desabitua de tomar as palavras no seu sentido imediato. No entanto, talvez não exista, mais do que esta, expressão nenhuma nas línguas vivas que deva ser tomada no seu sentido mais literal: governo do povo. Porque, numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVERNO.

Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de tempo.

Escolhem-se pelo voto aqueles que vão modificar as leis velhas e fazer leis novas - e quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.

Escolhemos igualmente pelo voto aqueles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda, aqueles que irão estipular a quantidade desses impostos. Vejam como é grave a escolha desses "cobradores". Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gota de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bolso.

E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aqueles que vão receber, guardar e gerir a fazenda pública, mas também se escolhem aqueles que vão "fabricar" o dinheiro. Esta é uma das missões mais delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos.

Pois, se a função emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Eles desandam a emitir sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale mais zero.

Não preciso explicar muito este capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros falsos no poder.

Escolhem-se nas eleições aqueles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático. E, circunstância mais grave e digna de todo o interesse: dá-se aos representantes do povo que exercem o poder executivo o comando de todas as fôrças armadas: o exército, a marinha, a aviação, as polícias.

E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho que lhes fez um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio - lembrem-se de que não vão proporcionar a esses sujeitos um simples emprego bem remunerado.

Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para eles comandarem - e soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes que lhe dá o povo. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fossem.

Entregamos a esses homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra - e a flor da nossa mocidade, a eles presa por um juramento de fidelidade. E tudo isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou contra o seu amo e criador.

Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva.

Porque, afinal, a mulher quando é ruim, dá-se uma surra, devolve-se ao pai, pede-se desquite. E o governo, quando é ruim, ele é que nos dá a surra, ele é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da boca dos nossos filhos e nos faz apodrecer na cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.

E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto.

Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à fôrça, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno".

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MORRE JOÃO ALVES FILHO

Do G1, SE

Morreu no fim da noite desta terça-feira (24), o ex-governador de Sergipe João Alves Filho, aos 79 anos. Ele estava internado em estado grave desde a semana passada no Hospital Sírio Libanês, em Brasília, após sofrer uma parada cardíaca em casa no dia 18. A informação foi confirmada pela família.

João Alves recebeu os primeiros atendimentos ainda no apartamento, onde morava com a esposa e senadora Maria do Carmo Alves (DEM), e já recebia cuidados intensivos, por estar com um quadro avançado de Alzheimer. No sábado, ele foi diagnosticado com Covid-19. Em seguida, a família disse que o quadro de saúde era "clinicamente irreversível", e que ele estava com as funções renais paralisadas e sedado, respirando com ajuda de aparelhos.

O corpo do político será cremado, no final da manhã desta quinta-feira (26), no Cemitério Jardim Metropolitano, em Valparaíso de Goiás, a 40 minutos de Brasília. Os restos mortais do ex-governador serão transladados para Aracaju na próxima segunda-feira (30), com chegada prevista para às 11h30, no Aeroporto Santa Maria. Além da esposa, ele deixa três filhos e quatro netos.

Carreira

João Alves Filho nasceu no dia 3 de julho de 1941, em Aracaju. Engenheiro civil, ele iniciou a trajetória política aos 20 anos, quando estudava na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e foi membro da Juventude Universitária Católica (JUC).

De volta a Sergipe, trabalhou com o pai em uma construtora da família. Assumiu a Prefeitura de Aracaju (1975-1979) como prefeito biônico, de forma indireta, apoiando a Ditadura Militar, durante o governo de José Rollemberg Leite no estado. Foi ministro do Interior do Brasil, entre os anos de 1987 a 1990. Governou o estado de Sergipe por três mandatos [1983 a 1986, 1991 a 1994 e 2003 a 2006]. Em 2012, foi eleito prefeito de Aracaju, exercendo a função de 2013 a 2016.

A formação em engenharia civil contribuiu para que obras relevantes fossem realizadas durante a sua administração pública. No governo do estado, construiu a Orla da Atalaia e a ponte Aracaju/Barra dos Coqueiros. Na prefeitura, revitalizou o Calçadão da Praia Formosa, na Treze de Julho.

João Alves também publicou vários livros, a maioria sobre causas ambientais, e desde 1993 era membro da Academia Sergipana. Durante sua carreira, ele foi reconhecido por ser um grande defensor da região Nordeste, e lutar contra a transposição do Rio São Francisco, tema de seu último livro. Na luta pelos sertanejos, ficou popularmente conhecido como ‘Chapéu de Couro’.

Despedida

O governo do estado, a Prefeitura de Aracaju e a Assembleia Legislativa decretaram luto oficial de três dias pela morte do político. O governador Belivaldo Chagas (PSD) colocou o Palácio Museu Olímpio Campos à disposição da família.

"O ex-governador João Alves, sem dúvida alguma é uma das mais importantes referências políticas que temos no nosso estado. João Alves foi especial para Sergipe e realizou obras importantes para o povo sergipano. Estivemos em campos opostos ideológica e politicamente, mas sempre nos tratamos de maneira respeitosa. Tivemos uma relação institucional muito saudável. Seu legado será lembrado com apreço e respeito", disse Chagas.

O prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PDT), pra quem João Alves passou o cargo, escreveu em uma rede social a despedida ao político. "Sempre estivemos em lados diferentes, mas jamais deixei de ter respeito por ele e pelo imenso legado que edificou em nosso estado. João realizou importantes obras e contribuiu efetivamente para o progresso de Sergipe".

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UM MINISTRO SEM RUMO

Editorial O Estado de S.Paulo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem uma vaga ideia de onde está, ignora para onde vai e desconhece, portanto, como chegar lá. Na escuridão, será cobrado ao mesmo tempo para arrumar as contas públicas, ampliar o âmbito da recuperação econômica, aumentar os investimentos e, acima de tudo, cuidar da reeleição do presidente da República. Será complicado combinar os dois primeiros itens, mas pelo menos esse desafio fará sentido. A resposta será possível com um plano bem cuidado, crível e apresentado de forma competente ao mercado. Mas planejamento é algo estranho ao ministro e credibilidade é uma palavra muito longa para seu chefe. Atender a todas as cobranças será impossível. A mera tentativa será desastrosa, como tem sido até agora.

Nos próximos dois anos, prometeu o ministro, o governo vai jogar no ataque, depois de ter jogado na defesa na primeira metade do mandato. Haverá, segundo ele, reformas, privatizações, prosperidade e abertura comercial. As privatizações deveriam ter rendido R$ 1 trilhão em pouco tempo, segundo sua promessa anterior. Mas nada foi vendido, até agora, nem ele explicou por que a história será diferente a partir de agora, com o mesmo presidente e com tanta gente, no governo e em torno dele, interessada em usar as estatais para seus propósitos.

Sem surpresa, o ministro continua reciclando as promessas, jogando-as para a frente e nunca explicando como vai cumpri-las. Com a mesma firmeza, sempre sujeita a uma reconsideração, ele negou a manutenção do auxílio emergencial em 2021 – exceto se houver uma segunda onda de covid-19.

Mas a pandemia, segundo ele, está amainando no Brasil. Não há bom motivo, portanto, para preocupação diante das notícias de recrudescimento. “Parece que está havendo repiques. São ciclos, vamos observar. Fato é que a doença cedeu substancialmente. As pessoas saíram mais, se descuidaram um pouco. Mas tem características sazonais da doença, estamos entrando no verão, vamos observar um pouco.”

Ciclos, características sazonais, chegada do verão – tudo isso compõe um aranzel desconexo e distante dos fatos. A mudança da curva de contágio, o aumento de casos e a ocupação crescente de leitos de hospitais vêm sendo mostrados pelas estatísticas. A taxa de transmissão da covid passou de 1,10 em 16 de novembro para 1,30 no balanço divulgado na terça-feira passada.

Os números foram coletados e organizados pelo centro de controle de epidemias do Imperial College, de Londres. É a maior taxa desde a semana de 24 de maio, quando foi alcançado o nível de contaminação de 1,31. Nesse patamar, 100 pessoas passavam o vírus a 131. Pela última informação, o contágio é de 100 para 130. Não se pode, portanto, falar de epidemia controlada em nível nacional.

Com a fala sobre a pandemia e sobre a expectativa de atuação econômica, o ministro se mostrou, portanto, amplamente distante dos fatos, tanto quanto esteve, quase sempre, desde o ano passado. Em quase dois anos, só uma reforma, a da Previdência, foi aprovada, graças ao trabalho de parlamentares. Além disso, a discussão já havia avançado no governo do presidente Michel Temer.

Outros projetos importantes para a economia, como a chamada PEC Emergencial, continuam travados. Na mesma condição está a reforma administrativa, pouco mais ambiciosa que uma revisão de critérios do RH. Na área tributária o ministro, além de apresentar uma proposta modesta de fusão de duas contribuições, nada fez além de defender, até agora sem sucesso, a recriação da malfadada CPMF.

O ministro falou ainda sobre abertura comercial, mas sem explicar como se conseguirá, por exemplo, vencer a resistência, muito forte em alguns países da Europa, à confirmação do acordo entre União Europeia e Mercosul. Essa resistência tem sido alimentada pela política antiecológica do governo brasileiro, jamais criticada por Paulo Guedes.

Enfim, para jogar no ataque, o governo precisaria, em primeiro lugar, de um roteiro para 2021. Mas nem o Orçamento do próximo ano está definido. Ficará também para mais tarde, talvez para 2022?

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A AUTÓPSIA DO VOTO

Carlos José Marques, ISTOÉ

Da urna sai um insofismável e eloquente alerta: radicais vêm sendo refutados, enquanto liberais de centro, que pregam a gestão responsável e equilibrada, estão sendo consagrados. Na maré de apoio a candidatos de fora dos polos ensandecidos se sobressai a derrota acachapante do bolsonarismo. Não restou nada que movia o voto de protesto de outrora, onde petistas e bolsonaristas mediam forças no limite das vias de fato. Ambos tomaram um sonoro não, na maioria dos casos. Toco neles! A boa política, alimentada pelo anseio da sensatez administrativa, experimenta algum resgate. A antiga rinha dos extremos tende ao ostracismo, jogada de volta às calendas. O desastre eleitoral do capitão Messias se reflete, de maneira direta em fatos e números. Tome-se, por exemplo, a pitoresca circunstância de incríveis 78 candidatos autobatizados com o sobrenome Bolsonaro sentirem o gosto amargo do fracasso. Apenas um deles chegou lá — logo o rebento Carlos Bolsonaro, o Carluxo zero dois — e, ainda assim, com 30% a menos de votos que na primeira tentativa em 2016. Carluxo diminuiu de tamanho, refletindo o pé frio de papai como cabo eleitoral, mas não foi caso único na família. A ex-mulher do patriarca, também candidatíssima sem êxito, amargou minguados dois mil votos e restou desclassificada na rabeira da corrida. E o que dizer da dileta “Val do Açaí”, aquela laranja da família, que também encarregou-se de tascar Bolsonaro no sobrenome, fez live ao vivo com o capitão, ganhou confetes e purpurinas do clã, e arrebatou ridículos 200 votos? A bolsonarista ferrenha, Carla Zambelli, entuchou pai, irmão e cunhada na corrida, para ver se arrancava mais umas boquinhas no esquemão do salário público e não conseguiu emplacar nenhum dos três. Mesmo a primeira dama, Michelle Bolsonaro, que se engajou na campanha ativa para quatro apadrinhados à Câmara dos Vereadores não logrou êxito. Virou um quarteto de derrotados a mais na cota dos agregados de Messias, sem quórum suficiente para o olimpo da camarilha parlamentar. Alguma dúvida de que o sobrenome transformou-se em mantra maldito? Não tenha. Nem o guru da Virgínia, espécie de alterego do “Mito”, acalenta esperança.

Olavo de Carvalho disse, com todas as letras, nas redes sociais, que o presidente foi um “incapaz” na ajuda aos escolhidos. Bolsonaro, na tática errática do “eu sozinho”, sem filiação partidária, jogando as fichas em lives mequetrefes que viraram, como ele disse, um “horário eleitoral gratuito” e especial, à revelia da lei, em um sobranceiro atrevimento aos demais poderes, não foi além da humilhação pública e generalizada. Bom que se diga, um chefe da Nação sem partido é aberração que não se verifica desde a retomada da democracia em 1985. A sova nas urnas ao bolsonarismo – que parece ensaiar um declínio gradativo – reporta também o claro nascimento de uma oposição mais consciente, menos irascível e beligerante, carregada no lombo das camadas jovens da população. Não se pode desconsiderar o fenômeno. Há um esgotamento, certo cansaço até, desse público, com a rixa desmiolada e sem nexo dos salvadores da pátria, redentores loroteiros que tentam levar na garganta. O País parece não estar mais condenado a oscilar entre o fisiologismo caquético dos coronéis do Centrão e o messianismo engabelador, que beira o fanatismo, das hordas de seguidores do capitão. Ficou, ao menos temporariamente, congelado o protagonismo dessas correntes. E ainda bem, em prol do Brasil, que seja assim! É fato: a direita perdeu muito concentrando a torcida em um player aloprado como Messias Bolsonaro. Bastaram dois anos para a reputação de alternativa saneadora correr pelo ralo. Era cascata. A opção progressista e realmente renovadora não pode ser lotada na ignorância. Ao contrário. E muitos adeptos de primeira hora começaram a perceber o rotundo erro. Os militares, por exemplo. Iniciaram o desembarque. Por mais que se negue, eles não estão mais fechados com Messias, indiferentes e coniventes com as suas barbeiragens. De modo igual, diversos setores empresariais, religiosos, hostes habitualmente bolsonaristas, passaram a sussurrar pregações, nada enigmáticas, de volta ao diálogo.

Apenas Bolsonaro e alguns poucos insensatos da banda da baderna cega ainda vociferam contra as evidências. Aderiram agora ao discurso da fraude, com uma certeza típica de lunáticos, para tentar desacreditar instituições e autoridades. Em vão. Suas narrativas fabulosas beiram o ridículo e propagam uma proposta distópica como estratagema para tumultuar a cena. O presidente, em pessoa, lidera a ladainha. Defende o retorno ao voto no papel como uma espécie de cloroquina eleitoral. Ambas, notadamente, sem eficácia. O Brasil usa a urna eletrônica há 20 anos e nessas duas décadas não há sequer menção de fraude ou gambiarra. Claro que o modelo, beirando o infalível, não interessa, nem atende, aos propósitos velados do capitão. Ele prefere o papelzinho para que suas milícias tenham alguma chance, quem sabe, de manipular o resultado. Certamente, o que tira o sono presidencial não são os aspectos técnicos envolvidos. Ele patrocina asneiras e conversa fiada para agitar, montar cortinas de fumaça que possam esconder a derrota iminente. No caso das disputas municipais, buscou primeiro dissociar o mau desempenho dos fundamentos que irão reger as eleições majoritárias de 2022. Depois de constatado o recado da urna, procura rasgar a cartilha — ou, melhor, desligar os aparelhos — para não enxergar o óbvio. Decerto, tal qual ocorreu com o seu mentor, Donald Trump, de nada adiantarão os pitis do mandatário.O ataque farsesco à urna eletrônica faz parte de uma ópera-bufa que funciona apenas no seu mundo da fantasia. A negação da política, que havia virado moda, caiu em desuso. O capitão que prometia não apoiar candidatos, mudou de tática, pediu votos, depois esperneou diante de resultados incontestáveis, terá, daqui pela frente, de rever procedimentos na prática do governo. Ninguém finge mais ou considera normais as falas e atos tresloucados do endiabrado Bolsonaro. A vontade do eleitor, mais uma vez, prevaleceu. A democracia vai sendo exercida na plenitude e, na autópsia do voto, o recado contra tudo que vinha sendo feito nos tempos recentes mostrou-se por inteiro. Que perdedores, padrinhos e apaniguados aprendam as lições do desastre pessoal e que Messias, mesmo sozinho, faça uma autocrítica dos descaminhos. Não é com a antipolítica que chegará lá de novo. Os “maricas” lhe deram uma dura estocada, com pólvora e tudo, para ver se ele se ajeita. O referendo de 2022 é logo ali, falta pouco e como gestor autoritário ele parece estar rifando a própria sorte.

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NA RETA FINAL

Editorial Folha de S.Paulo

Realizada na segunda-feira (23), nova pesquisa Datafolha aponta que o prefeito Bruno Covas (PSDB) se manteve estável na disputa paulistana, com 48% das intenções de voto, enquanto seu concorrente, Guilherme Boulos (PSOL), oscilou, dentro da margem de erro, de 35% para 40%. Em votos válidos, o placar agora é de 55% a 45%.

Trata-se de diferença significativa, tanto mais quando se leva em conta que a eleição ocorrerá no domingo (29). A campanha de Boulos espera, naturalmente, que a oscilação signifique uma tendência de alta, na qual o psolista estaria conquistando eleitores indecisos ou antes propensos a não escolher ninguém no segundo turno.

A esta altura notam-se diferença importantes entre os votantes de cada candidato. A liderança de Covas se destaca, principalmente, entre os paulistanos de 60 anos ou mais de idade —são 65% a 24%. O tucano está na frente, também, entre os que têm 45 a 59 anos.

Já Boulos mostra boa dianteira entre os jovens de 16 a 24 anos (57% a 30%) e 25 a 34 anos (49% a 39%).As preferências se mostram, portanto, marcadamente geracionais.

Outro aspecto relevante da disputa é a larga vantagem de Covas entre eleitores com menos anos de escola. Ele supera o adversário por 59% a 29% no grupo que tem até o ensino fundamental; há empate técnico nos contingentes com ensino médio e superior.

Não é possível associar diretamente tal fenômeno à pobreza, pois não existe diferença inquestionável entre os postulantes na menor faixa de renda, até dois salários mínimos (45% a 41%).

Entre as categorias quantitativamente mais significativas do eleitorado, Boulos tem vantagem expressiva apenas entre funcionários públicos, embora seus números não sejam bastantes para equilibrar o balanço geral de votos. Nota-se aí, de qualquer modo, uma base tão previsível quanto importante do candidato do PSOL.

Em relação aos padrinhos eleitorais, Jair Bolsonaro tem o maior potencial de prejudicar seus escolhidos: 66% dos entrevistados deixariam de votar em um nome apoiado pelo presidente da República. O apoio do governador João Doria (PSDB) seria um empecilho ao voto para 61%, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para 52%.

Boulos pode estar se valendo, no segundo turno, das condições iguais de exposição na propaganda eleitoral gratuita. É também plausível que uma taxa de abstenção relevante e mais marcada em certas parcelas do eleitorado tenha influência maior no resultado desta eleição. Tais fatores parecem capazes, em tese, de acirrar a disputa.

Nesse cenário, espera-se que os dois adversários mantenham um debate civilizado em torno de suas propostas, sem os recursos fáceis da difamação e da demagogia.

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DISPUTA NA LAMA

Bernardo Mello Franco, O GLOBO

A disputa pela prefeitura do Rio desceu até o nível do pré-sal. Nos últimos dias de campanha, Marcelo Crivella e Eduardo Paes travam um duelo de agressões e ofensas. O comportamento dos candidatos ajuda a rebaixar a cidade, que já sofre com a pandemia, a crise econômica e os sucessivos escândalos de corrupção.

Em apuros nas pesquisas, Crivella apelou à tática da guerra santa. Num vídeo dirigido a eleitores evangélicos, ele disse que Paes implantaria a pedofilia nas escolas. Não foi a única baixaria protagonizada pelo bispo da Igreja Universal.

Sua campanha imprimiu 1,5 milhão de panfletos em que Paes aparece ao lado de Marcelo Freixo. Além de emporcalhar as ruas, a peça difunde mentiras. Acusa os dois de defenderem legalização do aborto, liberação das drogas e “kit gay” nas escolas.

Crivella investe no fundamentalismo e na desinformação. A legislação sobre drogas e aborto é federal, nada tem a ver com as atribuições de um prefeito. O “kit gay” nunca existiu. É uma ficção usada por políticos reacionários para tapear eleitores religiosos.

O bispo parece descontrolado diante da perspectiva da derrota. No debate da Band, ele disse que o adversário “não gosta de mulher”. Ontem faltou à tradicional sabatina da rádio CBN. À noite, sua propaganda afirmou que Paes estaria prestes a ser preso por corrupção. O discurso já foi usado por um certo ex-juiz, hoje mais perto de Bangu do que do Palácio Laranjeiras.

Com 42 pontos de vantagem, Paes poderia ignorar as ofensas e fazer uma campanha propositiva. Não é o que se vê na TV. Para rebater a sujeirada de Crivella, o ex-prefeito também resolveu chafurdar na lama. Ontem à noite, ele não deu as caras no próprio programa. Foi representado por uma atriz que chamou o outro candidato de “falso pastor”, “mercenário” e “traíra”.

No rádio, o ex-prefeito disse ser contrário à educação sexual nas escolas. “Isso deve partir de dentro de casa, do seio da família”, afirmou. O ensino demonizado por demagogos ajuda a prevenir doenças e gravidez precoce. Na corrida pelo voto religioso, Paes se curvou ao obscurantismo do rival.

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