sábado, 30 de junho de 2018

CORTEJO FÚNEBRE

Da ISTOÉ
Nos corredores do Supremo Tribunal Federal, um sentimento une desde alguns ministros até os auxiliares mais modestos. Aumenta o número de pessoas que começam a acalentar o sonho da chegada do mês de setembro. Não exatamente porque a entrada da primavera ameniza o clima seco que já começa a sufocar Brasília. No STF, a esperança de mudança de clima é outra. Setembro marcará o momento em que a atual presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, passará o cargo para o ministro Antônio Dias Toffoli. E ocupará o lugar dele na 2ª Turma de julgamento, aquela que os advogados apelidaram de “Jardim do Éden” pela forma camarada, para dizer o mínimo, com que costuma tratar os réus. Nas últimas semanas, a 2ª Turma tornou-se o foco principal de uma franca guerra interna no Supremo, que vem comprometendo a credibilidade da Corte. Na terça-feira 26, o “Jardim do Éden” atuou para rever diversas ações importantes da Operação Lava Jato. A já bem conhecida tríade formada por Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski atuou para confrontar a Lava Jato com uma verdadeira “Operação Libera a Jato”. Na prática, consolidou-se uma política de grades abertas – e sem mesuras. Colocou em liberdade o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Soltou também o ex-tesoureiro do PP João Claudio Genu. Tornou nula uma operação de busca e apreensão no apartamento da senadora Gleisi Hoffmann (PR), presidente do PT – uma semana depois de absolvê-la.
Suspendeu a ação penal movida contra o deputado Fernando Capez (PSDB-SP), acusado de corrupção e lavagem de dinheiro em um esquema conhecido como “máfia da merenda”. Toffoli ignorou mesmo o fato de Capez ter trabalhado em seu próprio gabinete no STF. Desconsiderou que a óbvia e estreita ligação entre os dois deveria impedí-lo de julgar. Com a ausência na terça 26 do ministro Celso de Mello, a porteira foi escancarada, literalmente: a tríade isolou o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, impondo-lhe uma escalada de derrotas.
No Supremo, consolida-se a impressão de que os três ministros da 2ª Turma combinaram “limpar a pauta”. Ou seja, montaram uma articulação destinada a rever o máximo de condenações e decisões possíveis enquanto dominam o quórum. Ciente do quadro favorável, o ex-presidente Lula ingressou na quinta-feira 28 com um pedido para lá de esdrúxulo. Por meio do advogado Cristiano Zanin apresentou um novo requerimento a fim de que a segundona do STF atropele o relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, e retome o julgamento de seu pedido de liberdade. Fachin havia decidido enviar ao plenário o julgamento sobre a validade ou não a soltura de Lula. Para dar celeridade, e evitar um novo golpe, descartou até a opinião do Ministério Público. Cabe agora à ministra Cármen Lúcia, presidente da corte, definir a data. Lá, com o time completo, os 11 em campo, a história em geral é outra: Lula já foi derrotado pelo placar apertado de 6 a 5. Na 2ª Turma, as chances do triunfo na peleja são imensamente maiores, por óbvio. Para Zanin “o pedido de liminar deverá ser analisado por um dos ministros da 2ª Turma do STF, conforme prevê a lei (CPC, art. 988, par. 1o)”. Resta saber se Lewandowski e companhia terão a audácia de passar a patrola sobre o colega.
Mais um 7×1 contra o brasil
Se o fizerem, há consideráveis chances de êxito, como se viu na terça-feira 26, quando Fachin viveu seu dia de 7 a 1, só que pelo lado dos derrotados. Primeiro, os três ministros decidiram anular provas colhidas na Operação Custo Brasil, um desdobramento da Lava Jato em São Paulo, que apura desvios de pelo menos R$ 40 milhões no Ministério do Planejamento com a participação da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo. Por 3 a 1, a Turma acolheu um pedido da defesa de Gleisi, que questionava a realização de buscas e apreensões no apartamento funcional da senadora em Brasília. Os ministros argumentaram que um juiz de primeira instância não poderia determinar a busca em um imóvel funcional sem aval do Supremo. Lewandowski teceu duras críticas à operação: “É um absurdo um juiz de primeiro grau determinar busca em apartamento de uma senadora. Isso é inaceitável”. A decisão, porém, beira o surrealismo ao instaurar uma espécie de “foro privilegiado em imóveis funcionais”, ou seja, apartamentos que só podem ser alvos de buscas com autorização do Supremo. “Novidade jurídica: foro privilegiado de imóveis”, ironizou a procuradora da Lava Jato no Paraná, Jerusa Viecili. A Operação Lava Jato está concretamente ameaçada. STF deve ser o guardião da Constituição e não da injustiça e impunidade. “Enquanto todos secavam a Argentina, a maioria da 2ª Turma faz 7 a 1 contra a Lava Jato. Ops, não marcamos nem mesmo um”, lamentou o decano da Lava Jato, Carlos Fernando Lima.
O convescote de Dirceu
Na mesma sessão, Gilmar, Toffoli e Lewandowski confirmaram a soltura do lobista Milton Lyra, apontado como operador do MDB. Em seguida, decidiram ir contra o entendimento do plenário da Corte, que autoriza a prisão após condenação em segunda instância, e soltaram o ex-tesoureiro do PP, João Claudio Genu, e o ex-ministro José Dirceu. Ambos já foram condenados pelo TRF4, mas restou entendido que as penas ainda poderiam ser revistas por recursos pendentes. Entre a decretação de sua prisão pelo juiz Sergio Moro e a soltura pelo STF, Dirceu passou menos de 40 dias preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Na quarta-feira 27, o petista promoveu um animado convescote em sua residência, no Sudoeste, região nobre de Brasília, durante o jogo do Brasil, regado a cerveja e petiscos variados.
A sessão continuou com mais resultados que levam os brasileiros a crer que criminosos poderosos recebem tratamento diferenciado no Poder Judiciário. Para o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, “os ministros Gilmar, Toffoli e Lewandowski desrespeitaram a autoridade do plenário do STF, que autorizou prisão após decisão de segunda instância. Tentaram disfarçar, mas a violação é clara. Caso se exigissem requisitos de prisão preventiva (que aliás estão presentes), não seria execução provisória”.
O ministro Marco Aurélio mandou soltar até Eduardo Cunha, mas o ex-deputado permanece na cadeia por conta de outras ações
Na tarde de quinta-feira 28 foi a vez do ministro Marco Aurélio Mello mandar soltar outro preso de alto calibre: o ex-deputado e ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Mas como ele coleciona mandados de detenção, em ações às quais responde por corrupção e lavagem de dinheiro, Cunha permanece na cadeia, onde se encontra desde outubro de 2016 por decisão do juiz Sergio Moro.
Como se nota, Fachin ao lado de Cármen Lúcia tornaram-se ilhas de resistência, em meio ao libera geral que equipara certas togas ao que há de pior no Legislativo e Executivo, onde imperam fichas-sujas. No Judiciário, descobre-se agora, coabitam os togas sujas – aqueles que preferem sujar as próprias mãos e a indumentária de ministro a aplicar a lei.
O Brasil não é a terra da pizza, seus traçados não formam uma bota, mas está cada vez mais parecido com a Itália. Lá, como aqui, tudo começou quase por acaso puxando o novelo de um escândalo menos estrepitoso de corrupção político-empresarial que envolveu o líder dos socialistas de Milão, Mario Chiesa. Ele aspirava à prefeitura da cidade e exigia dinheiro sujo das empresas em troca de concessões de obras públicas. Foi então que um grupo de juízes, liderado por Antonio Di Pietro, uma espécie de Sergio Moro italiano, descobriu que a corrupção era como cupim a carcomer o sistema político como um todo. Como na Odebrecht, foram encontradas planilhas com as cifras oferecidas a partidos e políticos. Praticamente todos os partidos políticos teciam a grande e intrincada teia da corrupção, embora quem operasse os fios da corrupção fosse o Partido Socialista (PSI) que, com Bettino Craxi, havia alçado pela primeira vez ao poder. Entre as centenas de políticos condenados, Craxi e seu partido representaram a alma do esquema. O líder socialista acabou condenado a 17 anos de prisão, mas desertou para um exílio na Tunísia, onde terminou seus dias. Também lá, como aqui, Craxi atacou com virulência os juízes e posou de perseguido político. A trama foi revelada como um câncer comandado por um partido a infestar a classe política, mas degenerou em frustração para os italianos e na aprovação de leis que neutralizaram as punições aplicadas pela Justiça. O risco, aqui, se impõe a partir do comportamento de próceres do Supremo. “Infelizmente, o cenário é muito preocupante porque a similitude com o que ocorreu na Itália com o que está ocorrendo aqui é muito grande. As reações da classe política lá são exatamente as mesmas reações da classe política aqui. As frases são iguais. É impressionante. O ‘Judiciário quer criminalizar a política’ é uma expressão usada lá e depois usada aqui”, lamentou Rodrigo Chemim, procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná, para quem a população está meio saturada de ouvir falar em escândalo. “E aí é o momento que os políticos aproveitam para aprovar leis que no final de contas neutralizam os efeitos da investigação”.
Joaquim Falcão e o peso da palavra intermediária: “isso torna o País juridicamente inseguro”, diz ele
Em setembro, quando Toffoli sair de campo e adentrar aos gramados Cármen Lúcia, a tendência hoje ali favorável aos réus tende a se inverter. Cármen, Fachin e Celso de Mello passarão a formar a maioria que hoje está nas mãos de Toffoli, Gilmar e Lewandowski. O que preocupa a todos é a insegurança jurídica que esse clima de guerrilha traz, com decisões sendo modificadas apenas por conta da composição que detém a maioria nas turmas. Como escreveu o professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão, o que pesa hoje no STF não é tanto “a palavra final”, do plenário, mas a “palavra intermediária” das turmas e dos ministros. As diversas mudanças de decisões são perigosas. “Isso torna o País inseguro juridicamente”, considera Falcão. Por isso, a dança de cadeiras no foro restrito é considerada mais importante que a chegada de Toffoli à Presidência da corte. Mesmo no comando do STF, ele preside um colegiado. Não pode agir contra a maioria. Seu poder concentra-se mais na definição da pauta. Como hoje as seções intermediárias do Supremo têm sido mais importantes, é na 2ª Turma que a Lava Jato e o processo de saneamento do País nutrem tempos de esperança. Se até setembro a tríade libertadora não colocar tudo a perder.
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quarta-feira, 27 de junho de 2018

O JOGO RÁPIDO DO MUNDO

Artigo de Fernando Gabeira
Enquanto estamos todos envolvidos na Copa do Mundo, o mundo continua rodando, com seus paradoxos. Um deles, o mais importante, é revelado pela facilidade com que dinheiro e mercadoria circulam pelo mundo e pela dificuldade cada vez maior para a circulação da força de trabalho.
Esse roteiro principal foi dramatizado no início da semana, com a decisão do presidente Trump de separar crianças dos seus pais, na fronteira com o México. É de doer o coração, porque implica suspender algo que sempre vigorou no mundo pelo qual transitam refugiados: a reunião das famílias.
O Brasil não está muito distante desse problema. Nossa fronteira com a Venezuela é palco de um fluxo cada vez maior de refugiados econômicos e políticos. Esse enredo principal, o drama dos refugiados, acabou se entrelaçando com o secundário, a Copa do Mundo.
As autoridades finlandesas, segundo o “Moscou Times”, avisam que sete torcedores que foram à Rússia para a Copa cruzaram a fronteira e pediram asilo na Finlândia. Eles entraram na Rússia como torcedores, inclusive com a carteirinha chamada aqui de Fan ID, e, em vez de assistirem às partidas de futebol, avançaram para o Norte, em busca de um refúgio seguro. Isso mostra apenas que, mesmo na euforia da Copa, não é possível ignorar os dramas do mundo. Assim como não é possível ignorar suas constantes mutações.
O caso dos brasileiros e de outros latinos que assediaram mulheres e crianças, forçando-as a repetir frases obscenas num idioma que ignoram, é típico da incompreensão sobre o curso do mundo. Creio que, falando do Brasil apenas, de certa forma falhamos nos meses e nos dias que antecederam a Copa.
Temer foi à televisão dizer que as nossas divergências acabam na Copa e que devemos torcer unidos. Lula fez comentários esportivos de dentro da cadeia. A imprensa, na qual me incluo, falou muito da Copa, da Rússia e de tudo mais. No entanto, não atinamos para a necessidade de uma campanha educativa para a torcida que se deslocaria para cá. Era preciso lembrar que o mundo mudou. A própria embaixada, com boas intenções, disse claramente o que poderia ser proibido por lei. Mas a questão cultural não foi abordada.
Os torcedores que saem do país para apoiar a seleção também nos representam. Os japoneses têm consciência disso: limparam o estádio depois do jogo, numa operação de imagem diplomática. Os senegaleses gostaram da ideia e seguiram o mesmo caminho. É fora da realidade esperar que nos comportemos como os japoneses. Já mostraram isso quando sofrem um desastre: recuperam-se num átimo, enquanto nós nos arrastamos, e parte do dinheiro é tragada pela corrupção.
Logo, o problema não é imitar japoneses, nem suecos, nem ingleses — sobretudo esses, que às vezes se envergonham do quebra-quebra de seus hooligans. O problema é apenas sermos um pouco melhor do que somos. Compreender que certos comportamentos ainda tolerados por muitos brasileiros são condenáveis. De qualquer forma, o que aconteceu foi um aprendizado. Nas próximas oportunidades, será necessário articular campanhas pedagógicas. O presidente da República precisa se manifestar, os políticos, também. A imprensa, então, nem se fala.
Os europeus vivem problemas semelhantes, não apenas com hooligans, mas com o racismo. Copa do Mundo e eventos de dimensão internacional são um importante momento para combater racismo, machismo e homofobia. E aí não se trata de ser politicamente correto. É apenas uma questão de bom senso.
Artigo publicado no Globo ema 25/06/2018
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sábado, 23 de junho de 2018

A CIDADE QUE RESISTE ATÉ O FIM

Artigo de Fernando Gabeira
Atribui-se a Garrincha a seguinte frase: Roma é a cidade onde seu Zezé escorregou da escada. Para muitos, São Petersburgo é a cidade onde o Brasil enfrenta a Costa Rica, amanhã.
É comum tratar os lugares assim, sobretudo quando o deslocamento é rápido. Há uma piada sobre um turista americano numa excursão pela Europa que disse, ao acordar:
— Se hoje é quinta-feira, isso deve ser a Bélgica.
No entanto, São Petersburgo é uma cidade que merece um olhar mais demorado. Foi fundada por Pedro, o Grande para adequar a Rússia à Europa. Construíram-se grandes palácios, e os nobres eram obrigados a estudar etiqueta e a se comportar como os europeus.
Mas talvez o período mais dramático da História de São Petersburgo tenha acontecido no século XX, na Segunda Guerra Mundial. O episódio ficou famoso como o Cerco a Leningrado. Durou 900 dias, entre 1941 e 1944. Os alemães queriam conquistá-la de todas as maneiras, porque aqui, além de um centro industrial, era a base da frota soviética no Báltico.
Mas a cidade resistiu, e Hitler resolveu matá-la de fome. De fato, 600 mil pessoas morreram durante o cerco. No princípio, havia alguma comida. As rações eram rigorosamente definidas. Até alguns restaurantes comerciais funcionavam.
Com o tempo, a coisa apertou. A comida foi racionada ao mínimo. Era preciso alimentar prioritariamente os soldados que defendiam a cidade, sitiada por alemães e finlandeses, uma força secundária que atacava pelo norte.
As pessoas começaram a comer os bichos de estimação, cachorros e gatos. Depois, partiram para os ratos, e, finalmente, no auge do desespero, houve canibalismo: comiam mortos, e dizem que algumas mães sacrificaram filhos para alimentar os outros.
A resistência foi um dos momentos mais heroicos da História da Humanidade. Não à toa, deu a Leningrado, em 1945, o título de “cidade heroica”, ao lado de Stalingrado, Sevastopol e Odessa, pela força de seus cidadãos na luta pela sobrevivência. Aquele momento inspirou, entre outros, o poeta Carlos Drummond de Andrade:
“A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,/ apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,/ caminho solitariamente em tuas ruas onde há mãos soltas e relógios partidos,/ sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?/ Uma criatura que não quer morrer e combate,/ contra o céu, a água, o metal, a criatura combate,/ contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,/ contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate,/ e vence”.
São Petersburgo não é só uma recordação da Segunda Guerra. Tem magníficas catedrais, e passei a me interessar mais por elas porque da janela do quarto vejo a cúpula azul da Santíssima Trindade. E tem um museu, o Hermitage, com obras que dificilmente veríamos no Brasil.
A cidade, é claro, ficará mais interessante ainda se for aquela em que o Brasil venceu a Costa Rica. No hotel, há uma torcida costa-riquenha. Eles usam uma camiseta em que está escrito Costa Rica na frente, e atrás a versão em russo do nome do país. Sempre que nos cruzamos no elevador, sinto que estão jogando suas últimas esperanças.
Em número, não se comparam aos egípcios que tomaram o hotel. Há um andar só para reuniões dos ministros egípcios que vieram para a Copa. É triste vê-los partir desolados, após a derrota contra a Rússia. Mas há também um certo alívio, porque o hotel estava superlotado, nada funcionava direito.
Mas, afinal, São Petersburgo é a terra dos que resistem até o fim.
Artigo publicado no Globo em 20/06/2018
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FALANDO FRANCAMENTE

Da ISTOÉ
Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse considerar um atraso para o desenvolvimento do País a polarização entre Jair Bolsonaro, que para ele representará a volta do autoritarismo, e Ciro Gomes, considerado como “imprevisível” por não ser possível caracterizá-lo nem como direita nem como esquerda. Por isso, o ex-presidente, que nesta segunda-feira 18 completa 87 anos, defende com vigor a união dos sete candidatos do centro em torno de uma única candidatura que, necessariamente, não precisa ser a do PSDB. “Eu não posso dizer: só caso se for com a Maria”. FH afirma que até às convenções a negociação em busca da unidade será importante para a consolidação de um “projeto progressista e democrático”. Alegou estar convencido, porém, que Geraldo Alckmin é o melhor candidato e que o PSDB “não tem plano B”.
O senhor subscreveu há alguns dias o manifesto “Por um pólo democrático e reformista”, pedindo a união dos partidos do centro, para evitar uma volta ao passado. Qual é a ameaça política que o senhor vê ao futuro do Brasil?
Eu falo da criação de um pólo progressista e democrático, respeitando a Constituição e o Estado de Direito. No quadro atual, a gente até se esquece das ameaças que podem acontecer. De forma dramática, acho pouco provável que aconteça uma quebra formal das regras do jogo. De forma não dramática, ou seja, pela absorção paulatina dos que vierem a governar o País, com a adoção de medidas mais arbitrárias, isso pode acontecer sim. Temos que evitar uma volta ao passado. Eu não me refiro tanto ao lulopetismo, do risco do PT voltar a governar, porque a gente já tem experiência do que é o PT no poder. Não acredito que eles quebrem as regras e rumem para o viés autoritário. O risco vem do pólo à direita. As declarações do candidato Jair Bolsonaro nos assustam. Ele é autoritário. Tem feito declarações autoritárias. É preciso que o Brasil não tenha também um governo imprevisível e arbitrário. No caso do Ciro Gomes, eu não posso dizer que ele seja de direita ou de esquerda. Ele não é uma coisa, nem outra. Ele é mais errático, portanto, é imprevisível.
Como unir o centro? O deputado Marcus Pestana, do PSDB, chegou a propor que todos os sete candidatos do centro desistam de suas candidaturas e se escolha então um nome de consenso. Isso é possível?
Na vida partidária, é difícil imaginar que as pessoas, no ponto de partida, se disponham a abrir mão. Elas se dispõem a dizer que vão ganhar. No momento em que estamos há o risco de que nenhuma dessas candidaturas de centro chegue ao segundo turno. Há o risco sim de termos uma imprevisibilidade ou uma tendência autoritária no segundo turno. Portanto, seria aconselhável que as pessoas olhassem para as pesquisas. Como os políticos, naturalmente, puxam a brasa para a sua sardinha, têm que ter capacidade de entender que isso é um processo. Mesmo os candidatos ligados a grandes partidos não têm mostrado capacidade de juntar e acho que precisamos chegar a um entendimento até as convenções.
Ou seja, faltam menos de dois meses…
Sim, as convenções vão até 5 de agosto. É o tempo que vamos ter para isso. Os que têm consciência histórica e o sincero desejo de ver o Brasil andar, e que não vêem apenas a sua candidatura, têm esse tempo para alinhavar uma possibilidade de se chegar a um nome que represente a maioria da população. A população não quer que fiquemos na mão dessas duas candidaturas mais radicais e que hoje estão à frente nas pesquisas. Quer alguém mais palatável. Centro não quer dizer “centrão”, que no Brasil significa a união de tendências fisiológicas. O País cansou disso. A chave de tudo é alguém que inspire confiança. A crise mais perceptível hoje é de confiança. Temos que voltar a ter entusiasmo pelo Brasil. A falta de entusiasmo deriva dos fracassos recentes que sofremos.
Geraldo Alckmin não consegue sair dos 6%. Por que não decola?
No primeiro momento de qualquer campanha você tem a seguinte dificuldade: tornar-se conhecido ou ser demasiadamente conhecido. Até o muito conhecido, como é o caso do Geraldo, precisa fazer as pessoas tomarem conhecimento de que ele é candidato outra vez e isso leva tempo. No Brasil tem muita coisa nova acontecendo. Tem o novo no cinema, tem o novo no teatro, na música, tem novo no futebol. Agora, o que falta é o novo na política.
O PSDB tem o novo?
Nem o PSDB e nenhum outro partido tem o novo.
Como se obter o novo?
Isso passa pelos meios de comunicação e nós estamos habituados aos meios de comunicação tradicionais, rádio, televisão, jornal e revista. Mas hoje temos as mídias sociais. Os meios de comunicação estão ansiosos pelo bizarro ou pelo novo. Então, um político tradicional como o Geraldo, leva mais tempo para se consolidar. Mas também esse novo não pode queimar na largada. O Geraldo é um candidato experimentado, é maratonista. Tem que se dar tempo ao tempo. Isso não significa, porém, que temos que ficar de braços cruzados.
Alckmin está jogando parado?
Ele está fazendo o que é necessário. Procurando alianças, com o objetivo de ter mais tempo de rádio e televisão. E ele tem um outro objetivo: as estruturas políticas estão desgastadas, mas elas existem. Quem imaginar que a Câmara vai mudar de cabo a rabo, está enganado. Os candidatos a deputado dependem muito das estruturas organizadas, dos clubes, das empresas, das igrejas. Então, o candidato está costurando alianças para ter apoios nos Estados. E ele precisa escolher também o vice. Vai escolher no Sul, Sudoeste ou no Nordeste? E o que faz com Minas e com o Rio, que são Estados que decidem? Em Minas, ele tem o Anastasia, mas e no Rio? Dificilmente o PSDB terá um candidato próprio com força lá. Vai se aliar a quem no Rio?
O MDB, DEM, PP e outros estão resistindo em fazer aliança com o PSDB?
Li hoje que o DEM já está decidindo não ter candidato a presidente. Acho que o nosso candidato, como ex-governador de São Paulo, tem um problema a resolver. Os palanques no Estado. O problema é que há dois candidatos a governador que apoiam o Geraldo (João Doria pelo PSDB e Márcio França pelo PSB). Eu tive dois palanques dificílimos em São Paulo quando fui candidato: Mário Covas e Paulo Maluf. Não foi fácil, mas saí com uma votação estrondosa de São Paulo. O que une hoje é a crença no candidato, que ele toque o coração das pessoas. Alckmin ganhou várias eleições e do jeito dele. Eu sei que São Paulo não é o Brasil, mas de qualquer maneira ele é bom de televisão, fala claro, e é simples. Se o Brasil cansou de desordem, de imprevisibilidade, o Geraldo é o candidato mais seguro. Me lembro que quando me elegi presidente pela primeira vez, em junho eu estava com 12% e o Lula com 40%. Aí veio o Plano Real em julho e disparei em agosto. Tá certo que agora não tem o Plano Real…
O senhor acha que o eleitor continua procurando o novo?
E não é só aqui, essa tendência de se procurar o novo. Aconteceu na Espanha, na França e nos Estados Unidos, embora o Trump não seja o novo que eu goste, mas ele propôs uma coisa que juntou os cacos. E aqui tem que juntar, ter coesão, uma chama nova. Aqui estamos às cegas. Com o quadro atual para o segundo turno, o empresário reflui, o consumidor compra menos, as pessoas ficam preocupadas com o futuro.
O senhor já disse que a população quer o novo e lá atrás pensou em nomes como o do apresentador Luciano Huck, mas ele não aceitou ser candidato. O senhor também já defendeu nomes como o de João Doria.
Primeiro vamos falar do Luciano Huck. Ele é popular, tem densidade social e é ligado ao PSDB. Mas ele teve que tomar uma decisão. A decisão era dele e não minha. E ele escolheu ficar na Globo.
E o Doria, tem gente do PSDB que defende trocar Alckmin por ele?
Nunca vi ninguém defender. Vejo no jornal, mas nunca vi nenhum líder do partido defender isso. Acho a troca pouco provável. E o Doria tem chance de ser governador de São Paulo.
Então o partido tem que insistir com o Alckmin até o fim?
Não sei qual será seu potencial de crescimento, mas certamente o candidato do PSDB é o Alckmin. Não vejo plano B.
O senhor acha que pode ter um nome alternativo para impedir a polarização do Bolsonaro e Ciro, que o senhor já disse que representam um atraso para o País?
Não se pode dizer: eu só caso se for com a Maria. Tem que ver o que vai acontecer nesses dois meses até as convenções. Eu, por exemplo, não acho a Marina um terror. Acho que a Marina tem muitas virtudes. O Alvaro Dias não sei qual é a base efetiva. Hoje tem votos no Paraná. O problema do Alvaro é que quem vota nele, votaria no Geraldo.
Mas esses nomes seriam para cabeça de chapa ou para vice do Alckmin?
Estou dizendo que você não pode, no ponto de partida de uma negociação para se encontrar um candidato de centro, falar que eu só caso se for com a Maria…O Geraldo tem mais conhecimento da máquina, capacidade administrativa, olha para o fiscal. Podem dizer: ah ele é muito religioso. Sim, pode ser. Mas não é uma pessoa que julgue as coisas pelo ângulo da religião ou pela ideologia. Ele é tolerante. A Marina também é tolerante. O que ela não tem é partido, tempo de televisão. É barreira grande.
Ela seria uma boa vice para o candidato do PSDB?
Ela não quer ser vice. Eu não vou propor uma coisa que pode ser entendida como menor. Eu respeito a Marina. Na eleição de 2014, ela apoiou o Aécio contra a Dilma. Ela é previsível. Mas neste momento não há razão para propor também que o Geraldo seja seu vice.
O centro unido vence a eleição?
Sim, podemos vencer. E qual é o medo de não ganhar? Nós já perdemos muito tempo. É patético. Perdemos a centralidade no mundo. Temos que resolver problemas óbvios. Não dá para ter o endividamento público crescente como temos. Isso termina em inflação ou algo pior, como confisco, sei lá o que. Temos que tomar decisões cruciais, que já deveríamos ter tomado a mais tempo. O Brasil vai acabar? Não, não vai acabar. Mas se não unirmos o centro e permitirmos a vitória dos que polarizam hoje vamos atrasar nosso desenvolvimento.
E polarização entre esquerda e direita? O senhor acha que é tudo o que a maioria da população não quer ou ainda há quem prefira o Fla-Flu?
Não ajuda. Não é nem a questão de esquerda. O PT é previsível. Eu posso não gostar, mas sei mais ou menos o que eles vão fazer. Eu tenho mais medo da imprevisibilidade do Ciro. Com ele, não se sabe o que vem pela frente. O País fica tonto. Não estamos num momento de arriscar. Não podemos voltar atrás. Se crescermos 3% ou 4% durante dez anos, mudaremos o sentimento de todo mundo. Isto aqui não é para principiantes.
“A busca pelo novo aconteceu na Espanha, na França e nos Estados Unidos, embora o Trump não seja o novo que eu goste” (Crédito:Aneto Herculano)
A denúncia de que recebeu caixa 2 da Odebrecht pode estar afetando desempenho de Alckmin?
Geraldo tem passado limpo. Ele é pobre, classe média/média, e todo mundo sabe que ele não rouba.
Falando em Odebrecht, o senhor pode explicar o pedido de dinheiro que fez a Marcelo Odebrecht para campanhas de tucanos em 2010?
Eu pedi mesmo. Sou presidente de honra do PSDB e quando via candidatos razoáveis que precisavam de apoio, eu pedia. Não só para a Odebrecht. Pedi, mas dei o número da conta de campanha. E eu não tinha cargo nenhum no governo. Não teve toma-lá-dá-cá.
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ESTRATÉGIA DESASTROSA

Presidenciável pelo PSL, o deputado federal Jair Bolsonaro decidiu não participar de debates com outros candidatos durante a campanha para o primeiro turno das eleiçōes. A informação é do jornal O Globo.
Líder em intenção de votos nas últimas pesquisas do Datafolha, em cenários testados sem o ex-presidente Lula na disputa, Bolsonaro pretende fazer organizar lives em redes sociais para conversar com seus eleitores durante os debates feitos em TV aberta.
Conhecido por declaraçōes polêmicas, o pré-candidato pelo PSL já vem se esquivando de determinadas sabatinas e entrevistas neste primeiro semestre.
Via Yahoo
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sexta-feira, 22 de junho de 2018

MORRE WALDIR PIRES

Da Folha de S.Paulo
O ex-governador da Bahia e ex-ministro Waldir Pires morreu na manhã desta sexta-feira (22) aos 91 anos em Salvador.
Ele havia dado entrada na noite de quinta-feira (21) no Hospital da Bahia com um quadro de pneumonia e, por volta de 10h desta sexta, teve uma parada cardiorrespiratória e não resistiu.
Waldir foi um dos quadros mais importantes da esquerda brasileira. Foi consultor geral da República no governo João Goulart, entre 1963 e 1964, e ministro da Previdência no governo José Sarney entre 1985 e 1986. Também foi ministro da Controladoria-Geral da União e da Defesa no governo Lula.
Após o golpe militar de 1964, ficou exilado por seis anos no Uruguai e na França. Retornou ao Brasil em 1970, mas só recuperou os direitos políticos com a anistia, em 1979.
Em 1986 foi eleito governador da Bahia pelo MDB, desbancando o jurista Josaphat Marinho, candidato apoiado pelo ex-governador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), seu principal adversário na política.
Ficou no cargo até 1989, quando descompatibilizou-se para tentar ser candidato a presidente da República.
Acabou disputando as eleições como candidato a vice na chapa liderada por Ulisses Guimarães. A chapa ficou em sétimo lugar na disputa.
Foi deputado federal entre 1991 e 1994 e entre 1998 e 2002. Em 1994 e 2002 foi derrotado nas duas tentativas de chegar ao Senado. Neste período, passou por partidos como PDT e PSDB até filiar-se ao PT.
No governo Lula, teve atuação destacada na CGU, sendo o idealizador de ferramentas de controle como o Portal da Transparência.
Já no ministério da Defesa, teve atuação criticada e foi demitido do ministério em julho de 2007 na esteira da crise dos aeroportos brasileiros, dias após o acidente com um voo da TAM que deixou 199 mortos. Em seu lugar, Lula nomeou o ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal) Nelson Jobim.
Em 2012, aos 85 anos, foi eleito vereador em Salvador, cumprindo mandato até 2016, quando saiu oficialmente da vida pública.
Com a saúde já debilitada, fez sua última aparição pública há uma semana, quando participou do lançamento da sua biografia escrita pelo jornalista e ex-deputado federal Emiliano José (PT).
O governador da Bahia, Rui Costa, decretou luto oficial de cinco dias. Em nota, o governador afirmou que Waldir foi ‘um exemplo de caráter e retidão, na vida pública e na vida privada” e disse que seu legado “serve de herança e inspiração”.
“Com temperança e honestidade, bem ao seu estilo, levaremos adiante seus ideais. Meus sentimentos, em especial à família e aos amigos, e que Deus conforte a todos nós”, disse o governador.
O prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), também lamentou a morte do ex-governador: “Estivemos em lados opostos, mas Waldir nos lega o exemplo de homem público que exerceu com serenidade o seu papel na política. É um personagem de relevância que escreveu seu nome na história de nosso país”.
A cerimônia de cremação será no domingo (24), às 11h, no Cemitério Jardim da Saudade.
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PARABÉNS, MARCO PRADO !

A sexta-feira amanheceu achocolatada, hoje é dia de abraçar e parabenizar o ex-vereador de Sobral (CE), Marco Prado, o Chocolate.
O jovem político da família Prado desenvolveu um excelente trabalho quando esteve vereador na Câmara Municipal de Sobral.
Os sobralenses que acompanharam suas atividades parlamentares no legislativo sobralense se sentiram representados. O povo teve voz e vez.
A perseverança tem sido a marca desse político que não economiza esforços em defesa da população de Sobral.
Marco Prado tem demonstrado em suas ações que ainda é possível fazer politica com ética, competência e respeito.
Chocolate, saúde, paz e felicidade. Parabéns, Marco Prado!
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quinta-feira, 21 de junho de 2018

CHAME O GERENTE

Artigo de Fernando Gabeira
Num livro que ensina russo a principiantes, uma dica das autoras é preparar visitantes para um tratamento duro em algumas lojas. Segundo elas, isso vem do período do comunismo, e as pessoas se sentem muito seguras no emprego, a ponto de não se preocupar muito com as reações dos clientes. E ensinam uma frase para fazer frente às situações difíceis: por favor, chame o gerente.
Sabia que ia encontrar dificuldades na prestação de serviços na Rússia. No livro de Michael Idov chamado “Dressed up for a riot”, ele conta que foi dirigir uma revista da Condé Nast em Moscou. Numa conversa com a diretora de Relações Humanas, ela o aconselhou a pensar bem antes de admitir alguém, porque a demissão era algo bem difícil na Rússia. Segundo ela, alguns demitidos têm direito a um ano de salários. Muitos desejam ser demitidos e trabalham de má vontade.
Numa Copa do Mundo, é difícil testar essas informações e afirmar com clareza que, realmente, as coisas são assim. Para começar, em toda Copa do Mundo há a correria dos preparativos finais, e as pessoas ficam tensas. Passei por algumas entradas de metrô que ainda estavam sendo reparadas no princípio de junho.
Quando a Copa realmente acontece, aí o fluxo de turistas é muito grande. No hotel de Moscou, o saguão estava tomado por grandes grupos. Algumas pessoas dormiam apoiadas na mala, à espera do momento do check in, pois chegaram algumas horas antes da liberação dos quartos.
Em Petersburgo, o hotel onde nos hospedamos me lembrou um pouco do antigo 200 da Barata Ribeiro, um prédio onde morei, nos anos 1960, com quatro jornalistas, infelizmente todos mortos hoje. O último a nos deixar foi Moacir Japiassu.
Havia muita gente, alguns gritando “gol” na televisão, outros relamando na portaria, um cheiro de gordura no ar. O prédio é bonito, um hotel vertical, com vista para o Rio Fontanka. A internet é grátis. Boa para os turistas, mas uma lástima para alguém como eu, que manda textos e fotos para o jornal e vídeo para a TV. Tentei negociar com a gerência, mas tudo o que me ofereceram foi vir do 15º para o 1º andar, pois talvez melhorasse.
Quis comer algo, pois tinha me esquecido do fuso horário e trabalhei a noite toda. No bar, o garçom disse: melhor não pedir nada, vai demorar demais. Há muita gente.
Os táxis são problemáticos, as companhias de aviação domésticas, muito rudes. Tudo o que oferecem num longo voo é um copo d’água. A comissária vem com um carrinho e, num ritual de serviço de ponte aérea, estende um copo de papel: “vody?”.
Na Chechênia, a experiência foi outra. Hotéis vazios, suntuosos, e as pessoas, calorosas. Infelizmente, não têm grande prática. Pedi um espagueti e um chá preto no hotel. Vieram os dois, mas sem talheres, apenas a colher para a xícara de chá. Estava com tanta fome que comi um pouco do espaguete com a própria colher de chá, enquanto a portaria tentava consertar a situação. Fiz bem, porque o que comi com colher ainda estava quente, quando chegaram os talheres o prato já estava frio.
De qualquer forma, os russos se esforçaram, assim como nós o fizemos, em 2014, para fazer o melhor na Copa do Mundo. Esses eventos elevam o nível geral do país, mas não fazem mágica. Não resolvem de uma só vez obstáculos culturais que acumulam décadas de existência.
Artigo publicado no Globo em 21/06/2018
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RECORDANDO BRIZOLA

Há exatos 14 anos, um dos políticos mais contundentes da política brasileira, Leonel Brizola fez sua última viagem em 21 de junho de 2004. Nascido em 22 de janeiro de 1922, em Carazinho, município pertencente de Passo Fundo, Rio Grande do Sul.
Brizola entrou na política lançado por Getúlio Vargas. Uma das façanhas de Brizola foi governar dois estados diferentes: Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, eleito pelo povo.
Leonel Brizola teve uma extensa carreira política: foi prefeito de Porto Alegre, deputado estadual e governador do Rio Grande do Sul, deputado federal pelo Rio Grande do Sul e pelo extinto estado da Guanabara, e duas vezes governador do Rio de Janeiro.
Ingressou na política partidária no antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), por recomendação pessoal de Getúlio Vargas – seu padrinho de casamento – sua primeira candidatura a cargo eletivo foi para deputado estadual e foi eleito.
Sua influência política no Brasil durou aproximadamente cinquenta anos, inclusive enquanto exilado pelo Golpe de 1964, contra o qual foi um dos líderes da resistência. Por duas vezes foi candidato a presidente da República do Brasil pelo PDT, partido que fundou em 1980, não conseguindo se eleger.
Brizola era casado com Neusa Goulart, irmã do ex-presidente João Goulart, com ela teve três filhos: Neusa, José Vicente e Otávio. Em 21 de junho de 2004, Brizola morreu aos 82 anos de idade, vítima de problemas cardíacos.
No aniversário de 90 anos de Brizola, foi lançado na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro o livro Leonel Brizola - a Legalidade e outros pensamentos conclusivos, organizado por Osvaldo Maneschy, Apio Gomes, Madalena Sapucaia e Paulo Becker.
A trajetória política, a vida pessoal de Leonel Brizola rende muitos livros – como já rendeu. Um dos mais recentes livros é Brizola que foi escrito por quem conviveu lado a lado com ele: Clóvis Brigagão e Trajano Ribeiro.
Outro livro lançado recentemente sobre Brizola é o Minha vida com meu pai, Leonel Brizola conta em detalhes a vida de Brizola sob o ponto de vista de seu filho, João Otávio. Não é uma daquelas biografias “chapa branca”, onde sobram elogios. Da forma mais imparcial possível, João revela como era o seu pai no cotidiano.A trajetória política, a vida pessoal de Leonel Brizola rende muitos livros – como já rendeu. 
O livro que mostra para as novas gerações o lugar de Leonel Brizola na política brasileira revivendo grandes momentos da história de Brizola, conseguirmos entender o quanto foi fundamental a sua dedicação ao Brasil.
Em 2015, em Porto Alegre, Brizola foi homenageado com uma estátuacolocada entre o Palácio Piratini – sede do governo gaúcho – e a Catedral. A cerimônia contou com a presença de vários políticos, entre eles: os ex-governadores Alceu Colares e Germano Rigotto, o ex-senador Pedro Simon e do então governador Tarso Genro.
Para as novas gerações e para quem gosta do tema política, o blog Sou Chocolate e Não Desisto dá uma dica para conhecer sob outro ponto de vista, um pouco mais sobre a história desse homem que desafiou a Rede Globo nos anos 80 e venceu o governo do estado do Rio de Janeiro, vale a pena ler El Caudillo– um perfil biográfico do jornalista FC Leite Filho.
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quarta-feira, 20 de junho de 2018

MORRE JOSÉ MARQUES DE MELO

Do G1, AL
Faleceu na tarde desta quarta-feira (20) o jornalista e professor doutor José Marques de Melo, aos 75 anos, vítima de um infarto em sua residência, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Nascido em Alagoas, ele era um dos nomes mais reconhecidos da área da Comunicação em todo o país.
A informação foi confirmada pelo primo dele, o desembargador José Carlos Malta Marques, do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL). Segundo ele, o jornalista passou mal logo depois do almoço.
“Ele vinha bem, estava trabalhando, produzindo. Aí hoje, por volta do meio-dia, ele se sentiu mal e acabou tendo um infarto fulminante. Há uns 15 dias ele esteve no médico fazendo um check-up, e não foi encontrado nada de errado. Ele tinha o Mal de Parkinson, mas a doença estava controlada há muito tempo”, relata o desembargador.
O jornalista será velado e enterrado em São Paulo, no cemitério do Morumbi, às 11h.
A professora Rossana Gaia, do Instituto Federal de Alagoas (Ifal) trabalhou com Melo de 1999 a 2014, realizando pesquisas na área da comunicação e também colaborou em alguns dos livros dele. Ela lamentou a morte, e diz que sua inspiração continuará sendo sentida pelas novas gerações.
“Ele sempre me dizia que tinha muita pressa [para pesquisar], muita urgência, em função de seu quadro de saúde. O professor refletiu sobre Alagoas e seus intelectuais, e também fez história na comunicação brasileira. Sou muito grata a ele por todos os ensinamentos que recebi. Esse é um dia muito triste, principalmente porque vivemos uma falência do pensamento crítico”, afirma a professora.
José Marques de Melo nasceu em 1943, em Palmeira dos Índios, no Agreste de Alagoas. Ele era jornalista, professor universitário, pesquisador científico e consultor acadêmico, além de ter sido o primeiro doutor em jornalismo do país, em 1973, e docente-fundador da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
O alagoano trabalhou em jornais de Maceió e do interior do estado antes de mudar para São Paulo, onde continuou atuando na área e também, se dedicando às pesquisas.
Em toda sua carreira, escreveu dezenas de livros de jornalismo e comunicação social, que viraram referência para professores e estudantes dessas áreas.
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segunda-feira, 18 de junho de 2018

NENHUM BRASILEIRO É UMA ILHA

Artigo de Fernando Gabeira
No dia da estreia do Brasil na Copa, resolvi subir a montanha para conhecer o lago de Kezenoy. Duas horas de viagem, numa estrada sinuosa, cheia de cabras e vacas. Queria relaxar e fazer um vídeo curto sobre a montanha chechena. Relaxar e filmar paisagens, para mim, são sinônimos.
De um modo geral, não tenho ansiedade com meu trabalho, exceto com cumprir prazos. Mas como torcedor, no momento em que a Copa começa para todo o Brasil, domingo era um dia especial. Aqui na Chechênia, gostam do futebol, mas não tanto quanto nós.
Visitei o hotel onde está a seleção egípcia, cuja estrela é Salah. A Chechênia é muçulmana. Ele é um craque da mesma religião, um ídolo no mundo árabe. O estádio construído para os treinos egípcios e o novo hotel erguido com capital árabe estão num quarteirão bloqueado pela polícia.
Meu filme seria mudo, pois meu diálogo com o motorista e todos os outros possíveis personagens era feito com ajuda de aplicativos de tradução. Mesmo assim, ele parecia saber que eu era do Brasil. Disse qualquer parecida com “Hoje, Brasil. Marcelo super”.
Foi uma viagem muito bonita, um dia de sol. Paramos para tomar água na montanha. Diante da fonte, havia uma foto de Akhmad Kadyrov e seu filho Ramzan, presidente da Chechênia.
O estádio de futebol se chama Arena Akhamad Kadyrov; no rádio do carro, segundo o motorista, tocava uma canção sobre Akhmad; em todo lugar há um retrato dele. Akhmad morreu num atentado. Sua presença é tão disseminada que os críticos de Sarney no Maranhão iam achá-lo discreto se visitassem a Chechênia.
Na descida da montanha, um acidente. Começou a chover e cair pedra na estrada. Uma imensa barreira, com pedra, água e barro, bloqueou o caminho. Fiquei assustado, o motorista também. Será que ia perder o jogo do Brasil? Ele me confortou dizendo que, se saíssemos muito tarde, poderia ver na televisão de um tio dele no vilarejo de Harachoy. Mas o tio morava a quatro quilômetros montanha abaixo. Como descê-la com chuva e equipamento nas costas?
Felizmente, ao contrário dos motoristas bloqueados na Transamazônica, dois tratores vindos de direções diferentes resolveram a situação em três horas. A estrada continuava perigosa. Na subida, a névoa já era envolvente. Quase não vimos uma cabra que amamentava o filhote no meio da estrada.
O motorista mostrou a tabela da Copa no telefone, apontou para o jogo da Alemanha com o México e fez um sinal de que este iria para o espaço. Dei de ombros: afinal, minha questão era o jogo do Brasil. Independentemente do resultado, ele, eu e o tio vivemos juntos a mesma expectativa.
O Presidente da Chechênia deve ter acompanhado o jogo. Razam Kadyrov gosta do futebol brasileiro e, uma vez, trouxe para um jogo aqui Romário, Bebeto e Cafu. Mas o presidente da Chechênia escolheria um jornalista estrangeiro como a penúltima opção para compartilhar um grande jogo. A última certamente seria um gay.
Mas isso é um outro jogo, sobre o qual falaremos um dia. A emoção da estreia passou.
P.S. Peço desculpas por dois erros. Maior país do mundo, a Rússia tem 17 milhões de quilômetros quadrados e não metros. Perdeu mais de 20 milhões de pessoas na II Guerra, e não 20 mil. Foi digitação apressada e não ignorância.
Artigo publicado no Globo em 18/06/2018
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MORRE ELIEZER BATISTA

Da Folha de S.Paulo
Morreu nesta segunda (18) no Rio o ex-ministro e ex-presidente da Vale Eliezer Batista, 94. Ele estava internado no Hospital Samaritano, mas a causa da morte ainda não foi confirmada.
Eliezer era engenheiro e ocupou o ministério de Minas e Energia durante o governo João Goulart. No governo Fernando Collor de Mello, foi secretário de Assuntos Estratégicos.
Ele começou a trabalhar na Vale em 1949. Em 1961, foi nomeado presidente da mineradora pela primeira vez, sendo afastado com a deposição do presidente em 1946.
Após experiência na iniciativa privada, retornou à presidência da Vale em 1979. Sob seu comando, a companhia desenvolveu o Projeto Ferro Carajás, hoje o principal polo produtor de minério de ferro do Brasil.
Eliezer era viúvo de  Jutta Fuhrken, com quem teve sete filhos entre eles, o empresário Eike Batista. Ele se casou pela segunda vez em 2009, com Inguelore Sheunemann Batista.
OITO IDIOMAS
Àqueles que, em dúvida, perguntavam se a pronúncia correta de seu nome era "Eliézer" ou "Eliezér", o engenheiro Eliezer Batista da Silva costumava responder: "At your option" (em tradução livre, "como você preferir").
Em uma só frase mostrava duas de suas muitas características marcantes: as citações frequentes em um dos oito idiomas que dominava e a capacidade de adaptação.
No Brasil, era Eliezér, oxítono, mas acostumou-se a ser Eliézer em suas andanças pelo mundo para fechar milionários contratos de venda de minérios para a Vale.
Podia, dependendo da situação, assumir outros nomes. Nos anos 70, no auge de mais uma das muitas crises entre árabes e israelenses, fazia check in em um hotel na Árabia Saudita quando ouviu de um desconfiado funcionário: “Eliezer é um nome judeu”.
Respondeu de imediato: “No meu país se escreve assim, mas se lê Ahmad”. Desconcertou o interlocutor e conseguiu o quarto.
Nasceu em 1924, na minúscula Nova Era (MG), no vale do rio Doce. Lá conheceu aquela que, nas palavras da alemã Jutta Fuhrken Batista (1931-2000), sua mulher por 50 anos e mãe de seus sete filhos, seria sua amante por toda vida: a Companhia Vale do Rio Doce, onde trabalhou, com alguns breves intervalos,  entre 1949 e 1997, ano da privatização, e que presidiu por dois períodos.
Com Eliezer, a Vale se transformou de uma pequena mineradora que extraía ferro das montanhas de Minas Gerais —mas deixava nas mãos de terceiros todos os passos seguintes, como venda, beneficiamento, transporte— em uma das maiores do mundo ainda na década de 1980.
De suas ideias, vistas muitas vezes como megalomaníacas, surgiram marcos do desenvolvimento nacional, como o porto e a siderúrgica de Tubarão, no Espírito Santo, e o projeto Carajás, no Pará.
O segredo para a ascensão da empresa, dizia o engenheiro, era o “planejamento sistêmico-holístico”. “O que adiantava ter ferrovias se havia um gargalo no porto? Tive um estalo. Era tudo questão de logística”.
“Logística” vem do grego logistikos, aquele que sabe calcular racionalmente. E isso Eliezer fazia muito bem.
Ao assumir a presidência da Vale pela primeira vez, em 1961, aos 36 anos, tinha como meta tornar a empresa responsável por todas as fases, da extração do minério à entrega a compradores do outro lado do mundo.
Queria também aumentar a exportação de minério de ferro, à época na faixa de 1,5 milhão de toneladas/ano e, quem sabe, vender o produto já beneficiado, com preço mais alto.
“Nenhum país fica rico exportando apenas matéria-prima”, dizia.
Encontrou nos japoneses os parceiros ideais. O país precisava da matéria-prima para reconstruir seu parque industrial, destruído na Segunda Guerra Mundial.
Neste ano, Eliezer Batista fez a primeira de suas 178 viagens oficiais ao Japão. Firmou contratos de venda de longo prazo e capitalizou a Vale. Mas precisava de um porto que recebesse navios de grande porte para tornar o negócio rentável.
Em sua imaginação, os navios sairiam do Brasil abarrotados de minério de ferro e voltariam com petróleo árabe. Se não fechasse a equação, a operação seria economicamente inviável.
Com o apoio do então ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, conseguiu tirar do papel a construção do porto de Tubarão, no Espírito Santo.
Orçado em US$ 100 milhões, o projeto não encontrava financiadores. Convencido da importância do novo porto, San Tiago Dantas, mandou, nas palavras de Eliezer, “rodar a guitarra”: imprimir mais dinheiro para bancar as obras.
“Hoje levaríamos um tiro na fronte desses fundamentalistas da moeda”, disse em depoimento aos jornalistas Luiz Cesar Faro, Claudio Fernandes e Carlos Pousa, para o livro “Conversas com Eliezer”, publicado em 2005.
Faltavam os navios. Nos cálculos do engenheiro, seriam necessárias embarcações com capacidade para transportar 120 mil toneladas de carga. No início dos anos 60, os maiores navios brasileiros levavam 10 mil toneladas; o maior do mundo levava 35 mil toneladas.
“Armadores europeus disseram que aquela ideia era a mais louca desde que Vasco da Gama contornara o Cabo da Boa Esperança”, contou.
Premidos pela necessidade do minério, estaleiros japoneses embarcaram na aventura e ajudaram Eliezer.
Deram-lhe, ainda, a condecoração da Ordem do Sol Nascente, a mais alta honraria do país e que lhe foi entregue pelo imperador Hiroito.
A grandiloquência do projeto lembra o que, cinco décadas depois, o empresário Eike Batista, um de seus sete filhos, tentou fazer no Porto do Açu, no norte-fluminense, reunindo em um só lugar porto, siderúrgica, estaleiros e uma série de empreendimentos diversos.
A ousadia de Eliezer aumentou a exportação anual da Vale de 1,5 milhão de toneladas por ano para 5 milhões de toneladas/ano. O empreendimento de Eike patina em um emaranhado de desistências de empresas e em processos na Justiça que buscam recuperar financeiramente e saldar dívidas de partes do grupo EBX, como o estaleiro OSX e a petroleira OGX.
BARÃO DE CURITIBA
Um dos seis filhos do seleiro José Batista da Silva, que fabricava arreios para cavalos e burros, e da dona de casa Maria Natividade Pereira, Eliezer deixou Nova Era no início dos anos 1940 para estudar em um colégio de religiosos holandeses em São João Del Rei. Durou pouco tempo. Foi expulso em um ano, considerado pelos frades má influência para os outros alunos.
Não voltou para a cidade natal, que chamava de “a selvagem New Was”, em referência à pobreza e falta de perspectivas na região. Foi para Curitiba, onde se formou em engenharia na Universidade do Paraná em 1948.
Lá descobriu o mundo. “Dizem que é uma cidade chata, sem graça, mas foram os melhores anos da minha vida”, contou em entrevista. Usava roupas extravagantes, como uma gravata borboleta vermelha que fez com que os amigos o apelidassem de barão de Nova Era.
Nadava, praticava saltos ornamentais e pólo aquático, o que lhe rendeu porte atlético, apesar da baixa estatura, e sucesso com o público feminino.
“Não diria que eu era um galã, mas dava muita sorte com as mulheres.”
Decidiu aprender a tocar piano, mas foi desestimulado por um professor alemão que lhe disse que tinha “mãos de moça” —pequenas, o que torna difícil a prática do instrumento. Recomendou que procurasse um grupo de canto gregoriano, onde sua voz de barítono, quase baixo, faria sucesso.
Como grande parte das obras para canto gregoriano foram compostas em russo, a sugestão o levou a aprender o primeiro dos muitos idiomas que falava —mais tarde passou a dominar o inglês, francês, alemão, italiano, espanhol e “arranhar” grego e japonês.
Manteve o hábito de cantar no idioma ao longo da vida. “Não há nada melhor para o espírito do que um bom canto gregoriano pela manhã”, contou à Folha em conversa em outubro de 2012.
Sua história com a mineradora começou em 1949. Recém-formado, passara um ano estudando nos Estados Unidos e voltara para visitar a família. Encontrou Nova Era mudada. A cidade estava tomada por americanos, empregados da Morrison-Knudsen, que reformava a ferrovia Vitória-Minas, da Vale.
Arrumou emprego ali mesmo. Dez anos e alguns cursos no exterior depois já era o superintendente da ferrovia; em mais dois anos, presidente da Vale. Em 1962, a convite de João Goulart, passou a acumular a presidência da estatal com o cargo de ministro de Minas e Energia, o que manteve até junho do ano seguinte.
O prazer que o conhecimento do idioma russo lhe trouxe também aborrecimentos. Logo após o golpe de 1964, foi exonerado da presidência da Vale e quase foi preso. Aqueles que pediam sua cabeça apresentavam três justificativas: defendia os direitos de seus empregados, para quem construía casas, escolas e hospitais; tinha sido ministro de João Goulart; e falava russo.
Teria sido, inclusive, grampeado em uma ligação telefônica com o ditador iugoslavo Joseph Broz Tito. No telefonema, Eliezer explicou anos depois, convencia o marechal a construir um porto em Balkar, que abriu caminhos para que a estatal entrasse nos mercados europeus.
“Aos olhos do novo regime, a participação no governo João Goulart e o fato de ser fluente em russo eram suficientes para me tingir de vermelho da cabeça aos pés”, disse, em entrevista para o livro “Conversas com Eliezer”.
Foi salvo pelo empresário Augusto Trajano Azevedo Antunes, fundador do grupo Caemi. Amigo do general Castello Branco, Azevedo Antunes o convenceu a retirar Eliezer da lista de cassados.
Mas não evitou sua demissão da Vale. Levou-o então para trabalhar em uma das empresas de seu grupo, a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR). De comunista, passou a ser tachado de entreguista —a MBR tinha como sócia a norte-americana Hanna Mining.
A birra dos militares com o executivo não durou muito. Em 1968, foi designado presidente da recém-criada Rio Doce Internacional S/A, subsidiária da Vale com sede em Bruxelas.
Foram onze anos na Europa. Em março de 1979, foi chamado para uma conversa com o novo presidente da República, general João Figueiredo. “Esqueça o passado, o Brasil precisa de você”, ouviu do general ao ser convidado para reassumir a presidência da estatal.
Figueiredo queria que Eliezer fizesse avançar a exploração das reservas de Carajás, estimadas em 18 bilhões de toneladas de ferro de alto teor e mais uma infinidade de metais, como bauxita, ouro, manganês, cobre, cassiterita, caulim, fosfato.
A reserva, no sul do Pará,  tinha sido descoberta em 1967 pela US Steel, que detinha 49,1% dos direitos de lavra —os 50,9% restantes eram da Vale.
“Estamos com esse projeto Carajás enguiçado. Vê se dá um jeito nisso”, disse o presidente.
O “enguiço” era uma divergência entre os sócios. Os americanos pretendiam construir um porto para navios de pequeno porte, que seriam usados para levar o minério para os Estados Unidos.
Brasileiros, empolgados com a bem-sucedida empreitada de Tubarão, queriam um porto capaz de receber grandes navios que escoariam a produção para o sudeste asiático.
Depois de negociações tensas, a US Steel vendeu sua participação para a Vale, mas ainda havia o problema de como financiar as obras.
Em suas memórias, Eliezer conta que pediu a Figueiredo orientação sobre o que fazer. “Não tem orientação nenhuma, isso é problema seu”, respondeu o presidente.
Mais uma vez, Eliezer recorreu a seus amigos japoneses que, em troca de novos contratos de fornecimento de longo prazo, fizeram surgir dinheiro para o Projeto Carajás.
JUDAS
A expansão da Vale incomodava alguns. Eliezer era criticado por afastar a empresa do que, no mundo dos negócios, se chama “core business” —seu objetivo principal.
A estatal criada para ser uma mineradora já tinha uma siderúrgica (a Companhia Siderúrgica de Tubarão), uma empresa de frete de navios (Docenave), outras de reflorestamento e de produção de celulose, ferrovias e continuava a se espalhar.
Pouco após a posse de Figueiredo, seu ministro de Minas e Energia, Cesar Cals, declarara que devido à importância da exportação de minérios na balança comercial, a Vale concentraria suas atividades na extração.
“Apanhei feito Judas, amarrado no poste da ignorância”, disse no livro “Conversas com Eliezer”.
Mas dedicou-se ao Projeto Ferro Carajás. E paralelamente, desenvolveu dois outros, Alumínio do Brasil (Albrás) e Alunorte (Alumina), em sociedade com o consórcio japonês Nalco.
Sua avaliação era a de que o Brasil se encontrava em uma sinuca no comércio exterior. “Terá que decidir entre se tornar uma potência exportadora, capaz de singrar as longas distâncias marítimas ao menor custo, ou se perpetuar como um vendedor de urucum, penas de arara e castanha de caju”.
Carajás se tornou um de seus grandes orgulhos, apesar das críticas pesadas de ambientalistas que o acusavam de destruir a floresta e a quem, em revide, acusava de “ecolatria” —ecologia sem conhecimento científico.
Aos amigos, contava que foi depois de uma visita ao projeto, em 1991, que o suíço Stephan Schmidheiny criou o conceito de desenvolvimento sustentável. “Foi a prática que criou a teoria”, gabava-se.
A preocupação com o desenvolvimento econômico sem descuidar da questão ambiental era antiga. Em 1958, quando cuidados com o meio ambiente não faziam parte da agenda das grandes empresas, usou um subterfúgio para convencer o conselho da Vale a comprar uma área de floresta de 23 mil hectares em Linhares, norte do Espírito Santo.
Disse que a madeira seria usada para fazer dormentes para as estradas de ferro da mineradora. Hoje a Reserva de Linhares é uma das poucas áreas de mata atlântica preservadas no Estado.
Deixou a presidência da estatal pela segunda vez em 1986, no início do governo Sarney, e voltou para a direção da subsidiária internacional, na Europa.
Em 1990, recusou um convite de Fernando Collor para assumir o Ministério da Infraestrutura. Alegou questões de saúde, mas aos mais próximos dizia que “do poder, me basta o acesso a quem o tem”.
Já ameaçado de impeachment, Collor voltou à carga em 1992 e convenceu Eliezer a assumir a SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos). “Decidiu-se, em um gesto híbrido de desespero e bom senso, cercar-se de nomes como Célio Borja e Adib Jatene. Não foi um convite, foi uma convocação para a guerra”, afirmou anos depois. Saiu quando a Câmara aprovou a abertura do processo para o afastamento do presidente.
Na SAE, voltou suas preocupações para a matriz energética do país, excessivamente dependente de hidrelétricas. Há 20 anos previu que, sem mudanças, haveria o risco de blecautes e de falta d’água nos grandes centros.
Insistiu na implantação de usinas térmicas para que as hidrelétricas pudessem recompor seus níveis de água em períodos de menor consumo; esforçou-se para que fossem firmados contratos para compra de gás boliviano e para a construção do gasoduto que agora liga os dois países.
Alguns anos depois, já no governo Fernando Henrique Cardoso, envolveu-se nos debates sobre a privatização da Vale, mas se afastou por discordar do modelo adotado. Defendia o desmembramento da empresa para a venda em blocos, o que impediria a formação de monopólios e aumentaria seu valor.
RISO, SONO E MÚSICA
Quando Jutta dizia que a Vale era a amante de seu marido, Eliezer respondia, bem-humorado, que a amante tinha sido a responsável por tê-la encontrado. Os dois se conheceram em Hannover, quando o executivo fazia um curso de especialização.
Casaram-se em 1954 e tiveram sete filhos: Helmut, artista e coreógrafo; Werner, empresário que mora em Boca Ratton, na Flórida; Harald trabalha em uma empresa de criação de ferramentas high tech para finanças em Palo Alto, na Califórnia; Lars, envolvido com a indústria de videogames, e Monika, arquiteta, vivem em São Francisco; Dietrich, que se formou em medicina na Alemanha, voltou para o Brasil e montou uma empresa de informática; e Eike, aquele que, segundo o pai, herdou seu espírito empreendedor.
Dos dez netos, só os três filhos de Eike —Thor e Olin, de seu casamento com Luma de Oliveira, e Balder, com Flavia Sampaio— vivem no Brasil. Nas férias, filhos e netos se reuniam com o patriarca no sítio Pedra Azul, pedaço de terra comprado por Eliezer e Jutta no Espírito Santo na década de 1950.
As intermináveis viagens do marido pelo mundo deixaram com Jutta a responsabilidade de criar os sete filhos. “Poderia ter aproveitado mais as crianças, mas, se fizesse isso, não teria condições de lhes dar a educação que dei”, disse.
Em entrevista para o cineasta Victor Lopes, que dirigiu o documentário “Eliezer Batista, o Engenheiro do Brasil”, Eike contou que voltou a se conectar com o pai aos 30 anos, quando já tinha seus próprios negócios. Executivos que passaram pelo grupo EBX contam que o empresário sempre se preocupou com as opiniões do pai sobre seu trabalho.
Eliezer foi acusado de ter entregue a Eike um mapa com as minas que a Vale descartara, para que o filho as explorasse. Especulação que nunca seria provada. Eike sempre rejeitou veementemente qualquer insinuação a esse respeito, argumentando que, em toda a sua carreira, o pai nunca permitira que ele se aproximasse da Vale.
“Quando Deus resolveu dar dons ao meu pai, deu tudo para ele. É um homem da renascença. Mas Deus deixou um talento para mim, o de ganhar dinheiro. Todos os outros ele deu para meu pai”, disse ao documentarista em 2009.
Quando o império montado pelo filho começou a se desfazer, Eliezer partiu em sua defesa e disse que ele era mal compreendido no país. “É uma das pessoas mais generosas que conheço. Não tem nada de avarento”, disse.
Meses depois, pediu demissão do Conselho de Administração da OSX, o estaleiro do grupo agora em recuperação judicial.
Eliezer passou os últimos anos de sua vida dividindo seu tempo entre a casa no alto do Jardim Botânico, mesmo bairro da zona sul onde mora Eike, e o escritório no prédio da Firjan, no centro do Rio, onde atuava como consultor.
No escritório, um CD player tocava sempre peças de Wagner e de Bach, seus compositores favoritos.
Na casa, de uma “simplicidade escandinava”, como costumava dizer, tinha a companhia da mulher, a ex-reitora da Universidade de Pelotas Inguelore Scheunemann, com quem se casou discretamente em um cartório carioca em setembro de 2009 —os filhos foram avisados depois.
“É muito ruim viver sozinho e sou fã de mulheres, no sentido amplo”, disse.
Para levar a vida, dizia, usava três antidepressivos: o riso, uma boa noite de sono e a música.
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sábado, 16 de junho de 2018

OLHAR BRASILEIRO NA RÚSSIA DE PUTIN

Artigo de Fernando Gabeira
Apesar das leituras, não me arrisco a analisar a política russa. Apenas comparar o que li com o que vejo e tentar, através da experiência, entender um pouco o Brasil.
O momento em que Vladimir Putin surgiu na cena política russa é parecido, por razões diferentes, com a atual situação do Brasil. Depois de uma década de transição para o capitalismo, os russos sentiam o país mergulhado no caos e ansiavam por algo que Putin oferece: estabilidade.
Tanto lá, naquele período, como no Brasil de agora, há uma sensação de perda de importância no cenário internacional de baixa autoestima e um desejo difuso por mais comando e autoridade.
Como um ex-coronel da KGB, que atuou em Dresden, na época Alemanha Oriental, Putin se aproveitou da ampla campanha positiva em torno da KGB, dirigida pelo seu mais ilustre dirigente: Yuri Andropov.
Um dos pontos altos da campanha foi uma série sobre um espião russo que se tornou herói nacional: Maxim Isaev. Sob o nome de Max Otto von Stierlitz, ele se se infiltrou no governo alemão e impediu com seu trabalho um acordo entre Estados Unidos e Alemanha, destinado a prejudicar a União Soviética.
Stierlitz foi tema de uma série de extraordinário sucesso, intitulada “17 Momentos da Primavera”. Virou tema popular, jogos infantis de guerra. Segundo Arkady Ostrovsky, no livro “A invenção da Rússia”, Putin fez uma bela apariçao em cena, emulando o herói Stierlitz. No programa de TV em que foi apresentado, a música de fundo era a mesma da série, ele dirigia o mesmo carro Volga, enfim, era o homem certo para salvar a Rússia, nessa nova dificuldade.
Deu certo. A Rússia esperava alguém que a arrancasse da insegurança. E Putin passou a representar isto. Tanto que os jovens no período de seu governo são chamados de os filhos da estabilidade.
Putin é criticado pela oposição por falta de liberdades políticas. No entanto, certamente usando a máquina, consegue se reeleger com facilidade e também ao seu sucessor de plantão: Dimitri Medvedev.
O Brasil não passou por uma década de capitalização selvagem. Pelo contrário, o último período foi marcado por uma experiência estatizante, focada em aspirações socialistas.
A ascensão de Michel Temer não só não trouxe estabilidade, como transmitiu a certeza de que a corrupção continuava instalada no poder: eram todos do mesmo bloco predatório.
A greve dos caminhoneiros acentuou a sensação de desamparo dos brasileiros.
Fernando Henrique, numa entrevista, considerou a situação pré-revolucionária.
Discordo. Não vivemos um momento pré-Lenin. Estamos mais próximos de um momento pré-Putin.
Felizmente não temos nenhum herói nacional para ser emulado. Mas a televisão é um grande instrumento.
Influenciado pelo marxismo, analistas costumam culpar os asiáticos pelos traços autoritários na Rússia. Diziam que o Czar Nicolau era o Gengis Khan com telégrafo e Stalin o Gengis Khan com o telefone.
Os tempos passam, podem surgir Gengis Khan com televisão ou talvez até com internet.
Nessa plataforma, no entanto, será difícil prosperar, porque pelo menos teoricamente é um espaço democrático, uma Atenas digital.
Artigo publicado no Segundo Caderno, no Globo em 16/06/2018
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sexta-feira, 15 de junho de 2018

NEM DE LONGE PARECE NORMAL

Artigo de Fernando Gabeira
Estou em Moscou. Às vezes, de longe temos a ilusão de ver melhor o Brasil. Mas não há garantia de que essa situação complexa seja desvendada de fora.
Um dos temas que às vezes nos aproximam do mundo é esta sensação de que o centro político está em declínio. Mesmo assim, corremos o risco de estar falando de centros políticos diferentes, de declínios impulsionados também por forças distintas.
No Brasil, o principal estímulo para tratar do assunto são as pesquisas eleitorais. Nos Estados Unidos, é um exame mais prolongado da retirada de cena de políticos democratas e republicanos mais próximos do centro, mais propensos ao diálogo e a soluções negociadas. Ao longo das eleições, seu número vem caindo.
Na Europa, sucessivas derrotas da social-democracia acionaram o alarme para o crescimento das forças demagógicas, centradas na repulsa aos imigrantes e nas consequências da globalização. O Brexit pode ser atribuído a essa tendência, assim como a eleição de Trump nos EUA.
O centro difere da esquerda na medida em que não se baseia no conflito para crescer. E difere da direita ao afirmar que é necessário atenuar as distorções sociais que o capitalismo produz no seu curso triunfante.
Se for realmente isso, o centro parece ter perdido substância ao acreditar que as mudanças sociais e culturais na globalização seriam resolvidas, naturalmente, pelo crescimento econômico. E errou mais ainda ao subestimar a temática nacional, supondo que a mística em torno da terra e da cultura fosse apenas nostalgia.
Uma das incaraterísticas do centro é apostar numa crescente liberdade, envolvendo todos os grupos minoritários. Nesse ponto, a esquerda que dominou o Brasil foi um alento para muitas lutas identitárias, também contempladas por Barack Obama.
O problema é que, à medida que essas lutas cresceram, declinou a energia necessária para uma coesão nacional. Muitas lutas identitárias se veem em confronto com a sociedade abrangente. Fixam-se no que chamam de seu território e seus valores próprios.
Como recuperar a ideia de um projeto nacional, algo que envolva a todos, apesar de suas diferenças?
Ainda assim, esses elementos típicos da globalização me parecem ter um peso relativo diante do fator corrupção. Centro, direita e esquerda naufragaram no combate direto à roubalheira.
Nem todas as forças foram colhidas com a mesma intensidade. E nenhuma delas foi capaz de encarnar as aspirações sociais de transparência e condenação dessa prática.
Se alguma o fizesse, comeria o pão que o diabo amassou, pois bateria de frente com uma cultura enraizada no meio político. Pagaria com o isolamento e a hostilidade na convivência cotidiana. Mas de certa forma sobreviveria não só para contar a história, mas para juntar os cacos e prosseguir o seu curso.
A situação do Brasil, ao que me parece, não é apenas a do declínio do centro, mas de todas as forças organizadas que passaram pelo furacão investigativo. As intenções originais de votos em Lula, nos níveis do fim do século passado, sobreviveram, ao que indicam as pesquisas. Mas quando transplantadas para nomes do seu partido caem vertiginosamente.
Os instrumentos tecnológicos à disposição revelam, no entanto, um avanço na consciência e na participação popular. Apontam para mais democracia, quem sabe uma complexa Atenas digitalizada.
No entanto, não aparecem os sinais de encontro entre esse mundo horizontal e uma ideia de governo. Os últimos foram marcados também por uma desconfiança na distribuição de renda, pelo alto preço que seus promotores cobraram da sociedade em desvios de verba pública e assalto às empresas estatais.
E nas últimas semanas Michel Temer enfraqueceu a ideia de democracia, usando-a para descrever a essência de sua reação à greve, titubeante e inepta.
Florescem no mundo, hoje, muitos governos autoritários, sobretudo em grandes países, como aqui, precisamente porque as pessoas associam a democracia liberal a um estado de bagunça e sonham em se tornar um “país normal”, isto é, que não se desintegre por falta de autoridade. Parecem preferir abrir mão de ampla liberdade pela sensação de viver num país estável.
Ao associar seus erros e trapalhadas à democracia, e não à sua condição de remanescente de uma grande quadrilha, Temer contribui para aumentar o desencanto com essa forma de governo.
Não parece acidental que a polarização atual caminhe para duas personalidades fortes, que assustam o mercado. Mas o mercado, creio, é menos vulnerável a impulsos autoritários. Ele se adapta muito melhor do que os livres-pensadores, os que batalham pela liberdade de expressão e sonham com um modelo de democracia ocidental num conjunto de países emergentes onde ela não é a preferida.
Pesquisas eleitorais revelam apenas um instante. O inquietante nelas não é exatamente a posição dos atores em disputa. O inquietante é o que revelam da situação de fundo, bastante mais difícil de se transformar. Não só porque é complexa, mas também porque, num momento eleitoral, a tarefa dos candidatos não é entendê-la, mas explorá-la.
É um tipo de contradição, mais nova no Brasil: um grande avanço tecnológico que expandiu a consciência coletiva e a decadência assustadora do universo político, que poderia potencializá-la para grandes saltos de qualidade.
Essa intensa troca de ideias num plano horizontal é uma espécie de antídoto contra o autoritarismo. Mas a decomposição do mundo político é um grande convite à sua chegada.
Não tenho fé religiosa na tecnologia. É uma ilusão avaliar as redes apenas pelo que têm de melhor. Uma corda serve para escalar a montanha ou para se enforcar. Daí, minha angústia.
Artigo publicado no Estadão em 15/06/2018
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sexta-feira, 8 de junho de 2018

DEBORAH COLKER: PRÊMIO NA RÚSSIA 'FOI O PRIMEIRO GOL DO BRASIL NA COPA'

Artigo de Fernando Gabeira
Moscou – Foi o primeiro gol do Brasil na Copa. Com essa frase, Deborah Colker comemorou o prêmio internacional Benois de La Danse que ela recebeu na noite desta terça-feira (dia 5) no Teatro Bolshoi, ao lado dos melhores bailarinos do mundo.
Deborah venceu pela coreografia do espetáculo “Cão sem plumas”, de 2017, baseado no poema homônimo de João Cabral de Melo Neto publicado em 1950, e comemorou ao lado de Gringo Cardia, responsável pelos cenários da peça e colaborador da companhia que completa agora um quarto de século.
Como em muitos espetáculos anteriores, o trabalho de Deborah é sempre recebido com críticas do tipo “isso não é dança”. No entanto, foi reconhecido por um júri internacional e emocionou os espectadores no teatro-sede do Ballet Bolshoi, um ícone da dança clássica mundial.
— Fizemos uma viagem de 25 dias por Pernambuco, montando oficinas e discutindo com a população ribeirinha. Mas o poema de João Cabral não trata apenas dos ribeirinhos do Capibaribe: é uma mensagem universal sobre o sofrimento e a resiliência humanas — disse a coreógrafa e diretora da companhia que leva o seu nome.
O “Cão sem plumas” de Deborah Colker utilizou também imagens de cinema realizadas por Claudio Assis. Não foi apenas mais um espetáculo com imagens. Imagens e bailarinos interagem de uma forma diferente, a impressão que quis dar é que pertencem a um universo único, transitando da tela para o palco e vice-versa.
Deborah e Gringo Cardia estavam no Hotel Metropol, um clássico hotel de Moscou, vizinho ao Teatro Bolshoi, ao Kremlin e à Praça Vermelha. A entrada do Metropol é decorada com um cartaz do Benois de La Danse.
Quando ela afirmou que sua vitória internacional era o primeiro gol do Brasil na Copa não estava longe da realidade. A letra O no cartaz lembra uma bola e a Copa do Mundo — que para dizer a verdade não empolga os russos tanto quanto a dança e a literatura.
Foram esses admiradores da dança que ficaram emocionados em ver, num telão instalado no palco, os bailarinos cobertos de lama, representando pessoas exploradas e esquecidas, mas resistindo com dignidade.
Os russos conhecem bem o sofrimento humano. Sua história é marcada por ele, desde as invasões mongóis entre os séculos XIII e XV, o cerco a Leningrado na Segunda Guerra Mundial, os exílios na Sibéria e os gulags promovidos pelo estalinismo.
A vitória do espetáculo “Cão sem plumas”, segundo Deborah, não é apenas da dança e da poesia de João Cabral, mas da resiliência do povo brasileiro.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 06/06/2018
Foto: Gabeira
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REMOVER 'FAKE NEWS'

Do TERRA
O ministro Sérgio Banhos, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou nesta quinta-feira (7), que o Facebook remova em um prazo de 48 horas cinco postagens de "fake news" divulgadas contra a pré-candidata da Rede à Presidência da República, a ex-senadora Marina Silva. Esta é a primeira decisão neste ano de um ministro do TSE referente à retirada de notícias falsas divulgadas na internet contra um dos presidenciáveis.
A Rede Sustentabilidade e Marina entraram com representação no TSE para denunciar a divulgação de cinco postagens no Facebook por um perfil intitulado "Partido Anti-PT", que tentavam associar a ex-senadora às investigações da Operação Lava Jato.
Banhos também determinou que em 10 dias o Facebook disponibilize os dados pessoais do criador e dos administradores do perfil.
Entre as postagens, estão mensagens de que "Marina Silva, Lula e Dias Toffoli foram delatados por Léo Pinheiro. Executivo da OAS tem muito o que contar ainda" e a de que "Marina Silva também recebeu propina de R$ 1,25 milhões da Odebrecht, confirma executivo do grupo". Uma outra publicação diz que "Marina Silva também se beneficiou de propinas da Odebrecht e ainda fica aborrecida quando a chamam de ex-petista".
A representação da Rede é considerada um "leading case" dentro do TSE, que discute internamente como enfrentar a propagação de notícias falsas nas próximas eleições no âmbito de um conselho formado por integrantes do próprio tribunal, da Polícia Federal, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da sociedade civil.
Liberdade
Para o ministro Sérgio Banhos, o perfil "Partido Anti-PT" publica frequentemente notícias inflamatórias e sensacionalistas de maneira anônima, sem identificação dos autores dos textos. Além disso, Banhos apontou que é inegável que as postagens podem acarretar graves prejuízos no caso de Marina, já que o perfil possui mais de 1,7 milhão de seguidores, potencializando a viralização das fake news.
"Conquanto a liberdade de expressão constitua garantia fundamental de estatura constitucional, sua proteção não se estende à manifestação anônima. A ausência de identificação de autoria das notícias, portanto, indica a necessidade de remoção das publicações do perfil público", escreveu Banhos.
Banhos destacou que as eleições de 2018 serão marcadas pela limitação de recursos financeiros e terão o "condão de representar uma virada em nossa democracia". "A intervenção da Justiça Eleitoral, até pela importância das mídias sociais nestas eleições de 2018, deve ser firme, mas cirúrgica", pontuou.
Para o ministro, as informações postadas contra Marina "não têm comprovação e se limitam a afirmar fatos desprovidos de fonte ou referência, com o único objetivo de criar comoção a respeito da pessoa da pré-candidata".
Procurado pela reportagem, o Facebook informou que ainda não foi notificado da decisão. "Respeitamos a Justiça brasileira e cumprimos decisões judiciais de remoção de conteúdo específico e de fornecimento de dados, nos termos do Marco Civil da Internet e da legislação eleitoral", disse a empresa, por meio de nota.
Estratégia
Em sua decisão, Banhos alegou que a prática de fake news não é recente. "É estratégia eleitoral antiga daqueles que fazem política. Como a recepção de conteúdos pelos seres humanos é seletiva e a desinformação reverbera mais que a verdade, o uso de fake news é antigo e eficaz mecanismo para elevar o alcance da informação e, como consequência, enfraquecer candidaturas", observou o ministro.
"A significativa diferença no mundo contemporâneo é que, com as redes sociais, a disseminação dessa informação maliciosa passou a ser mais rápida, mais fácil, mais barata e em escala exponencial", observou Banhos.
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