sexta-feira, 30 de setembro de 2022

A EDUCADORA QUE CIRO GOMES ESQUECEU

Adriana Negreiros, PIAUÍ

Presidenciável usa sucesso da educação no Ceará como bandeira de campanha, mas tirou da disputa pelo governo do estado a mulher que conduziu o projeto

No Ceará, sempre que o presidenciável Ciro Ferreira Gomes (PDT) inclui o sucesso da educação pública no estado na lista de seus méritos, desabafos são compartilhados em grupos locais de WhatsApp. A principal queixa é a de que Ciro nunca trabalhou no projeto, iniciado na Prefeitura de Sobral em 2001, quando o irmão Cid era prefeito. A ação foi ampliada para todo o estado em 2007, ano em que Cid tomou posse como governador. Posteriormente, o projeto serviu de modelo para experiências em outros 48 municípios de 11 estados, além do exterior — caso de São Tomé e Príncipe.

O desconforto com o comportamento de Ciro tornou-se maior desde julho, quando apoiou a escolha do ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio para concorrer ao governo do estado pelo PDT. Com isso, preteriu Izolda Cela, atual governadora, que desejava a reeleição. Isso fez com que Cela deixasse o PDT e provocou a ruptura de uma aliança de dezesseis anos entre o PT e o grupo ligado aos Ferreira Gomes. Os petistas decidiram então lançar candidato próprio, Elmano de Freitas, em quem Cela declarou voto na segunda-feira, dia 26.

Izolda Cela, uma psicóloga e mestre em educação de 62 anos, é reconhecida por seus pares como a grande responsável pela melhoria no ensino público no estado. “Ela é a representante e criadora do maior legado político dos Ferreira Gomes, aquilo que se tornou um símbolo do grupo”, afirma a socióloga Monalisa Soares, professora da Universidade Federal do Ceará. “A atual governadora foi a responsável pelo destaque nacional dado ao Ceará na educação. Mas sofre um processo de invisibilidade”, explica Soares. Segundo afirma a socióloga, Ciro Gomes não fez parte do “cotidiano” do projeto educacional.

Em 2001, Izolda Cela aceitou o convite de Ivo Gomes – o caçula dos irmãos – para auxiliá-lo na secretaria de Educação de Sobral. Ele era o titular da pasta. Ciro estava no PPS, articulava sua candidatura à Presidência pela segunda vez (havia ficado em terceiro lugar em 1998) e viajou aos Estados Unidos para fazer um curso sobre política na Universidade de Harvard.

Logo nos primeiros dias de trabalho, Cela soube que metade das crianças da terceira série do ensino fundamental terminava o ano sem aprender a ler ou escrever. Então traçou uma estratégia para alfabetizar as crianças na idade certa. As que estivessem em séries mais avançadas e apresentassem lacunas na formação receberiam atenção especial. “A ideia era simples, nada de espetacular”, explica Izolda Cela, numa tarde de segunda-feira, em seu gabinete no Palácio da Abolição, em Fortaleza, sede do governo estadual, onde recebeu a reportagem da piauí.

A alfabetização era a prioridade — mais do que escolas reformadas e ônibus escolares exuberantes, símbolos do primeiro mandato de Cid Gomes. Professores foram treinados para cumprir uma rotina comum a todos, com aulas planejadas para todo o ano letivo. Os diretores passaram a ser escolhidos por mérito e receberam a tarefa de gerir a escola de acordo com as normas definidas pela prefeitura.

No momento em que o projeto ganhou corpo, Izolda Cela já era titular da secretaria. Ela assumiu a liderança quando Ivo Gomes licenciou-se do cargo, em 2002, para candidatar-se a deputado estadual – foi eleito no mesmo pleito em que Ciro Gomes terminou a disputa para o governo federal em quarto lugar. Portanto, na hora em que as críticas contra as ações na educação em Sobral começaram a surgir entre pedagogos, foi Izolda Cela quem as enfrentou. A principal acusação era a de que, ao exigir o cumprimento de uma rotina previamente planejada, o projeto podava a criatividade dos professores.

Também recebeu cobranças por implementar práticas vistas com reservas por educadores, como a premiação – em dinheiro – dos professores que atingissem as metas de alfabetização estabelecidas pela prefeitura. Outro motivo para críticas era sua recusa em alinhar as práticas de ensino a algum método clássico de alfabetização, como o fônico ou o construtivista. Ela os via como complementares, não excludentes.

Havia quem, em vez de questionar Cela pessoalmente, fosse pedir sua cabeça ao então prefeito Cid Gomes. “Mas ele bancava o projeto”, afirma o consultor educacional Joan Oliveira, que fazia parte da equipe de Sobral, coordenando a formação dos docentes. “Izolda Cela é a ideóloga. Mas a ideia foi executada pela vontade política de Cid”, avalia o consultor.

Joan Oliveira recorda-se de ter recebido telefonemas do prefeito perguntando, por exemplo, as razões do afastamento de algum professor. Cid ouvia as razões – usualmente relacionadas ao desempenho do profissional – e contemporizava com seus correligionários, que o pressionavam para que interferisse no trabalho dos subordinados. “Mas ele não se metia em nada”, assegura Oliveira.

A carta branca que Cid Gomes deu a Izolda Cela foi renovada em 2007, ano em que tomou posse como governador do Ceará e levou a equipe de Sobral para a secretaria estadual de Educação. Izolda já vencera a desconfiança de colegas educadores graças aos bons resultados conseguidos – e pelo reconhecimento externo. Em um período de quatro anos, o índice de alfabetização na cidade havia crescido 140%. Mais de 90% dos alunos da primeira série sabiam ler e escrever. Com base nesse desempenho, Unicef e Instituto Ayrton Senna passaram a considerar a experiência sobralense como exemplar para outros municípios brasileiros.

Enquanto Izolda Cela trabalhava na educação de Sobral, Ciro Gomes foi ministro da Integração Nacional do primeiro governo Lula, entre 2003 e 2006. Deixou o cargo para candidatar-se a deputado federal. Eleito pelo PSB do Ceará com cerca de 660 mil votos, registrou presença em pouco mais da metade das sessões, ausência justificada em 37,4%, apresentou cinco requerimentos e nenhum projeto de lei.

Nesse mesmo intervalo em que Ciro foi deputado federal, entre 2007 e 2010, Cela comandou a secretaria da Educação do primeiro governo Cid Gomes, dando início à implementação do Paic, sigla para Programa de Alfabetização na Idade Certa. Em 2010, Cid foi reeleito — Ciro não disputou as eleições — e Cela continuou à frente da secretaria, aprimorando o Paic. Os avanços na alfabetização de crianças cearenses credenciaram Cid Gomes para assumir o ministério da Educação do governo Dilma Rousseff, em janeiro de 2015.

No final de sua participação na gestão de Cid, Cela conviveu com Ciro como colega de trabalho, mas não na mesma área – o mais velho dos Ferreira Gomes foi nomeado secretário estadual de Saúde. Em abril de 2014, ela se licenciou para disputar o cargo de vice-governadora na chapa encabeçada pelo petista Camilo Santana.

Desde 2004 se espalhou em Fortaleza a gravação de uma suposta conversa telefônica entre uma atendente da Coelce (a companhia de energia do Ceará) e uma usuária que pede a religação da luz, indevidamente cortada. Quando ouve o nome da cliente – Maria Izolda da Silva – a funcionária tem um acesso de riso. A reação da atendente ao nome da cliente se transformou em um bordão local: “Que diabo é Izolda?”

Em 2015, quando Izolda Cela assumiu o posto de vice-governadora do Ceará, o áudio (que seria um treinamento interno da companhia, e não uma conversa real) voltou a circular. Graças a um hábito local de fazer piadas com tudo, ela passaria a enfrentar frequentes alusões ao bordão nonsense – embora não tivesse nenhuma relação com a xará do meme. Se o perfil oficial do governo postava alguma foto da vice em rede social, sempre aparecia um engraçadinho para comentar: “Que diabo é Izolda?”

A piada tinha alguma graça porque Izolda Cela, a despeito dos anos dedicados à educação pública do estado, não era uma política conhecida pelo eleitorado. Quando se tornou vice-governadora, quem não acompanhava o dia a dia da política local ignorava sua trajetória prévia. “Ela foi convocada para ser vice de Camilo Santana como forma de se ter, na chapa, uma pessoa de confiança dos Ferreira Gomes, especialmente de Cid. Sempre atuou ao lado dele, de maneira firme, mas discreta, sem roubar as atenções”, analisa a jornalista Kamila Fernandes, apresentadora do podcast As Cunhãs, sobre política regional, e professora de jornalismo da Universidade Federal do Ceará. “Pesou também o fato de ser mulher. Sua presença procurou quebrar a percepção de que o grupo ligado aos Ferreira Gomes é machista”, avalia Fernandes.

Reservada, com certa aversão aos holofotes, de fala mansa e modos suaves, Izolda Cela sempre cultivou um perfil técnico, não político. Permaneceu assim durante os quase oito anos em que foi vice-governadora. Raramente dava entrevistas e não estava nas redes sociais. O primeiro post de sua conta do Instagram (onde tem 115 mil seguidores) é de março de 2021. Aderiu ao Twitter (14,4 mil seguidores) em janeiro deste ano.

Vestida com um blazer cor gelo sobre camisa roxa, composição que lhe confere um ar sóbrio, Cela lembra da ocasião em que foi flagrada em contradição por um jornalista local. Meses antes de se tornar vice, ele havia lhe perguntado se pensava em candidatar-se a algum cargo eletivo. “De jeito nenhum”, respondeu, alongando-se nas vogais para reforçar a aversão à ideia de pedir votos. “Fiz um ‘de jeito nenhum’ bem exagerado, porque para mim aquilo não fazia o menor sentido”, relembra. Os dois se reencontraram durante a campanha eleitoral, e o repórter a cobrou pela frase. “Ai, meu Deus, foi mesmo”, respondeu, aos risos. “Mas naquela época era verdade”, conta, entre pequenos goles em uma xícara de café expresso.

Izolda Cela afirma que, de fato, a carreira política convencional nunca esteve em seus planos. Mas gostou de ser vice, depois governadora – e desejava disputar a reeleição. Quando o PDT, em suas prévias, escolheu Roberto Cláudio para a vaga, ela declarou que respeitava a decisão do partido, mas aos interlocutores mais próximos disse ter sido vítima de uma rasteira. O ex-governador Camilo Santana, agora candidato ao Senado, solidarizou-se com Izolda Cela. “Lamento muito que a primeira mulher governadora do Ceará não poderá concorrer à reeleição, após decisão do PDT. Siga firme, Izolda”, tuitou, horas após a escolha de Cláudio. Nas redes sociais, deputadas, vereadores e até a filha da governadora, Luísa Cela, identificaram uma presumida violência de gênero na escolha de Roberto Cláudio. A governadora diz não estar certa disso. “Não descarto, mas penso que há outros elementos a serem considerados”, avalia, citando a disputa nacional. Caso a aliança entre PDT e PT fosse mantida no Ceará, Ciro Gomes teria que dividir o palanque em sua terra natal com Lula.

Procurado pela piauí por meio de sua assessoria de imprensa, Ciro Gomes não quis comentar o assunto. O deputado federal André Figueiredo, presidente do PDT no Ceará, também preferiu não dar entrevista a respeito da decisão da sigla.

Durante a campanha à sucessão estadual, embora não seja candidata, a governadora tem sofrido ataques de Roberto Cláudio. Ele acusa o governo estadual de efetuar “compra milionária de apoios”. A despeito da fidelidade partidária, Cid Gomes saiu em defesa da antiga secretária. “Não é favorável falar mal da Izolda. Ela é uma mulher séria, dedicada e discreta”, disse, durante recente entrevista coletiva em Sobral.

“Meu querido Cid, gosto muito dele”, sorri Cela. “Considero-me uma pessoa com bom nível de autonomia. Mas gosto de ter boas referências. Ele, para mim, é uma liderança”, afirma. O elogio não soa estranho para quem acompanha os bastidores da política cearense. Durante o processo que impediu Cela de concorrer ao governo, “Cid e Ivo ficaram de um lado, Ciro fincou pé com Roberto Cláudio”, como explica a socióloga Monalisa Soares. O racha entre os irmãos Ferreira Gomes é um dos assuntos mais comentados na política local.

“Às vezes, a discrição e a suavidade de Izolda são confundidas com fragilidade”, afirma o educador Joan Oliveira, que trabalhou com ela tanto em Sobral quanto no governo do estado. “Vai se dar muito mal quem pensar assim”, prevê. Mantendo silêncio sobre as especulações acerca de seu temperamento e futuro político, a governadora tem apenas um plano traçado para os dias seguintes ao fim do mandato: tirar férias. “Penso que mereço”, diz.

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ELEIÇÕES: A HORA DA ESCOLHA

Edmundo Lima Arruda Jr., OS DIVERGENTES

Direitopatas estão, inconformados, assistindo em toda a Europa a direita liberal – e setores progressistas no poder abrirem suas pautas à questão que leva a ultradireita ao delírio, a imigração. Trump surfou nesse surto de “medo”. E caiu. Na Europa não há, exceção da Hungria, tendência à continuidade de populistas reacionários em países com tradição de estabilidade institucional da democracia.

No Brasil Bolsonaro tem, no máximo, 20% em votos da direita extremada, por força de uma retórica na qual a imigração é tolerada, puxando a brasa para o xenofobismo e os costumes, além do bordão anti-comunista, o que é curioso diante do entreguismo dirigido por Guedes e da promiscuidade das negociatas evidentes de certos pastores e igrejas, e relações escusas entre milicianos, polícia e narcotráfico, e o namoro com Putin e China. Em todo caso, Bolsonaro tem um teto, 33%, talvez um pouco mais, conquistado na despolitização da polarização.

A direita liberal, conservadores, sociais democratas, socialistas democratas comunistas bem informados, formam uma maioria avessa a golpismos e outras compulsões fascistas. Isso tende a se revelar eleitoralmente.

Nas eleições que se aproximam teremos uma ideia do nosso Comum. Saberemos quem aposta na democracia com estado de Direito como processo social de gestão de interesses e conflitos; ou numa democracia delegada, abrindo mão do Estado de direito em nome de certa eficiência anunciada como panaceia pelo mercado total. Alea jacta est.

– Edmundo Lima de Arruda Jr

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TIRE O OXIGÊNIO DE BOLSONARO


Cristina Serra, Folha de S.Paulo

Neste domingo temos a chance de fechar o ciclo maldito iniciado em 1964 e que se renovou em 2016. No golpe contra Dilma, na Câmara, o voto-vômito de Bolsonaro, na fúria daquele abril, assinalou o triunfo do padrão golpista, que nos rebaixa como país desde a fundação da República.

No Brasil do século 21 não dá mais para tolerar militares que se acham tutores do poder civil, que se sentem à vontade para ameaçar eleições, para elogiar um regime que matou, torturou e roubou utopias e a brisa das liberdades por 21 anos.

A derrota de Bolsonaro, de sua indigência moral e mental e de seu gangsterismo fascistóide, tem que ser, também, a volta definitiva dos fardados aos quartéis. Para que nunca mais seja profanado o plenário onde Ulysses Guimarães, em 1988, mirou o futuro: "Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo".

No desdobramento do golpe, Lula foi impedido de disputar a Presidência em 2018 por uma farsa político-policial, jurídico-midiática e também militar. Sua candidatura reata o fio rompido da história. Seu próximo mandato (se as pesquisas estiverem certas) apontará a saída do inferno.

Será um governo de transição. O apego à Constituição é a rota para a travessia em mar bravio. De novo, Ulysses: "Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora, será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados".

Temos um encontro marcado com os ventos da esperança. Nosso voto deve honrar os 700 mil brasileiros que se foram. Muitos, eleitores que não irão às urnas porque foram assassinados. O governo Bolsonaro respira com a ajuda de aparelhos. Desligue-os agora, já.

Tire o oxigênio que ele negou a tantos brasileiros em seus derradeiros sopros de vida. Corte o ar do qual ele depende para passar ao segundo turno, quando espera poder virar o jogo, com suas falanges infladas de cólera. Mate o governo Bolsonaro com a arma mais poderosa de todas: o voto.

Na fase mais grave da pandemia, Bolsonaro imita pessoa com falta de ar

Cristina Serra

Paraense, jornalista e escritora. É autora de "Tragédia em Mariana - a história do maior desastre ambiental do Brasil". Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense

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ASCENSÃO E QUEDA DA EXTREMA DIREITA

Artigo de Fernando Gabiera

No momento em que a extrema direita está prestes a deixar o governo no Brasil, a italiana acaba de vencer as eleições. No caso deles, é a primeira vez desde a 2.ª Guerra Mundial.

Enquanto os italianos têm de discutir como lidar com essa forca política, aqui, no Brasil, o debate ainda incipiente é como evitar que retorne com sua política de armar a população, destruir os recursos naturais, esvaziar a produção científica e cultural e isolar o País no mundo.

Nos primeiros passos para abordar o fenômeno, tenho acentuado que o dínamo do crescimento da extrema direita europeia não está presente no Brasil: o medo diante dos movimentos migratórios.

Umberto Eco, no seu pequeno livro Migração e intolerância, fala das dificuldades dos animais e mesmo das crianças de conviverem com o diferente. Tive a oportunidade de assistir, nas praias italianas, à chegada maciça dos albaneses, quando ruiu o império soviético, no final do século 20. Eco menciona essa presença albanesa para registrar que alguns desses imigrantes se perderam para o crime e a prostituição. Mas esse fenômeno pontual acabou sendo visto por alguns como típico dos imigrantes. Ele mesmo exemplifica essa distorção com o exemplo de alguém que tem a mala roubada num outro país e acha que ali todos são ladrões.

Suas conclusões são bem realistas: educar para a tolerância adultos que atiram por motivos étnicos e religiosos é tempo perdido; a intolerância deve ser combatida por meio de educação constante, antes que se torne uma casca comportamental espessa e dura demais.

Naturalmente, em países como o Brasil e a Itália, onde aconteceram as famosas Operações Mãos Limpas e Lava Jato, a decadência do processo democrático se torna um grande impulso para a ascensão da extrema direita. As pessoas parecem se cansar do jogo político, perdendo o que resta de esperança nele.

São, portanto, dois movimentos a investigar: a vulnerabilidade democrática de um lado e os mecanismos de intolerância latentes na psicologia humana.

Mesmo sem fluxos migratórios, a extrema direita brasileira conseguiu produzir seus inimigos. Ela tem um grande apego às armas e à masculinidade, como nos tempos italianos de Mussolini. Orientações sexuais diferentes são estigmatizadas: menino é azul, menina é rosa, e pronto. As comunidades tradicionais, cujos território e identidade religiosa e cultural são garantidos pela Constituição, são vistas com desconfiança. Bolsonaro já disse muitas vezes que os índios precisam se integrar à sociedade. E a desconfiança se estende aos artistas, pesquisadores e cientistas.

Umberto Eco fala, também, do integrismo, que difere do fundamentalismo por tentar fazer com que uma visão religiosa se transforme também numa visão política.

Não se trata apenas de contestar fatos como a forma da Terra, mas de algo maior: tentar fazer com que a Bíblia e a própria Constituição sejam textos complementares, sem contradições.

Nas últimas semanas de campanha, Bolsonaro enfatizou o que a imprensa chama de luta de costumes, mas na realidade é uma tentativa de aproximar política e religião, uma transmutação de candidato em missionário, que diz como as pessoas devem se comportar na sua vida íntima.

Nas circunstâncias europeias e também num contexto parlamentarista, a extrema direita italiana deverá apresentar uma visão mais sofisticada que a brasileira.

Um dos primeiros discursos de Giorgia Meloni fala de sua identidade, como italiana e mulher, e acusa um sistema que faz das pessoas dóceis consumidoras. Aparentemente, é uma visão antissistêmica diferente da de Bolsonaro, que se restringe ao universo político, sem menções à economia.

O simples fato de a extrema direita italiana e a francesa serem lideradas por mulheres já estabelece uma diferença básica, uma vez que Bolsonaro e seus adeptos veem a ascensão das mulheres como mais uma das tramas do que chamam de marxismo cultural. Esse dado é até sociológico: nas pesquisas de intenção de voto, Lula tem o dobro de votos de Bolsonaro entre as mulheres.

Enfim, extrema direita entrando, extrema direita saindo, nas circunstâncias de crise econômica e degradação democrática, é razoável contar com esta presença no horizonte e, sobretudo, estudar melhor seu discurso. A pior das situações é tocar as coisas como se não tivesse acontecido nada, como se esse momento da história do Brasil, que é também um momento mundial, não contivesse nenhuma lição, e tentar recomeçar a vida exatamente como antes.

Há quem ache que a extrema direita brasileira seja idêntica ao bolsonarismo. De fato, Bolsonaro é um líder popular, sobretudo depois da facada em Juiz de Fora, e tem uma linguagem muito acessível aos seguidores. Mas nada impede, como aconteceu na França, que haja renovação e também aprendam algo com a derrota.

É toda uma nova época que começa, sob a capa ilusória de uma continuidade. A tendência é sempre achar que as grandes batalhas são uma repetição das anteriores. Assim naufragam os generais.

O processo de redemocratização do Brasil ganha uma nova chance. Mas precisaremos de mudanças para aproveitá-la.

Artigo publicado no Estadão em 30/09/2022

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TRANSPARÊNCIA GARANTIDA

Marcos Strecker, ISTOÉ

Sociedade civil se posiciona contra as insinuações golpistas e as novas ameaças de Bolsonaro

Por meio de documento forjado pelo PL, Bolsonaro volta a desacreditar o processo eleitoral. Busca com isso se antecipar a um revés no pleito e preparar a contestação do veredito popular, já que os resultados devem ser desfavoráveis a ele no dia 2. Mas a reação da sociedade em defesa da democracia, a firmeza do Judiciário e a transparência garantida pelo TSE diminuíram as chances de sublevação. O desfecho no domingo terá impacto internacional

O País está diante de uma das eleições mais importantes da história. A tensão gerada pelas ameaças golpistas do presidente, que continuam levando a episódios isolados de violência, ainda cercam o pleito. Mas a reação da sociedade foi fundamental para que ele ocorra dentro da normalidade e, principalmente, para que o resultado seja aceito sem contestações, seja no próprio dia 2, seja no segundo turno, dia 30. Os eventos organizados por juristas e representantes da sociedade na Faculdade de Direito no Largo São Francisco, no dia 13 de agosto, mostraram que a cúpula do Judiciário conta com amplo respaldo.

Inúmeras manifestações se seguiram desde então. A imprensa conseguiu combater as fake news, mostrando que a desinformação espalhada pelo presidente não tem respaldo suficiente para subverter o processo. Para reforçar essa disposição em defesa das instituições, o economista Roberto Giannetti da Fonseca organizou um novo manifesto em defesa do respeito ao resultado das urnas, o Pacto Nacional pelas Eleições Livres, Seguras e Democráticas (www.tinyurl.com/docdemocracia), que já tem as assinaturas de Lula, Simone Tebet, Geraldo Alckmin e Michel Temer, além de juristas, empresários e personalidades. “É necessário que a sociedade civil se coloque em apoio à normalidade democrática, em apoio às eleições“, diz Giannetti. Um dos idealizadores da carta, o general Santos Cruz diz que a população e as autoridades “não podem aceitar que o fanatismo leve à violência”.

“A atuação firme do TSE vai assegurar que nada tumultue a escolha livre e consciente dos cidadãos brasileiros. É o absoluto respeito ao processo democrático” Rosa Weber, presidente do STF

“Na democracia, as urnas são soberanas. Quem desacredita das decisões das urnas não deveria nem concorrer à eleição”, diz Geraldo Alckmin, candidato a vice na chapa de Lula. “O Brasil não aceitará que um aprendiz de ditador, como Bolsonaro, tente colocar em dúvida o resultado da eleição”, afirma Carlos Lupi, presidente do PDT. “A absurda hipótese de não acatamento ao resultado afronta o Estado Democrático de Direito, pois viola a lei e mutila a própria democracia. Todos devem respeitar o resultado das urnas”, enfatiza Luiz Flávio Borges D’Urso, ex-presidente da OAB-SP. “Bolsonaro ainda se nega a dizer se vai deixar o poder, caso seja derrotado. A manifestação é condizente com sua história de desprezo à democracria”, acrescenta Carlos Siqueira, presidente do PSB.

Não se descarta que haverá tentativas de subverter o processo, que deverá se encerrar no próprio domingo à noite e de forma até mais célere do que nos últimos pleitos, já que foram unificados os horários de votação em todo o País, independentemente de fuso horário. E uma das ameaças vem da própria legenda do mandatário. Um suspeito documento divulgado pelo PL apontou a quatro dias da abertura das urnas que “o quadro de atraso encontrado no TSE, referente à implantação de medidas de segurança da informação mínimas necessárias, gera vulnerabilidades relevantes. Isto poderá resultar em invasão interna ou externa nos sistemas eleitorais, com grave impacto nos resultados das eleições de outubro”. A empresa que produziu a peça, IVL (Instituto Voto Legal), recebeu R$ 225 mil da legenda e diz que foram identificadas “24 falhas”. O texto foi imediatamente espalhado pelos canais bolsonaristas. O TSE acusou o partido de Bolsonaro de fabricar um relatório “falso e mentiroso” para tumultuar a eleição. O ministro Alexandre de Moraes afirmou que idealizadores do documento serão investigados no inquérito das fake news do STF, incluindo o próprio PL, e serão alvos de processo no TSE. O torpedo mostra a atitude ambígua do presidente do partido de Bolsonaro, Valdemar de Costa Neto, que abastece a estratégia golpista do mandatário ao mesmo tempo em que tenta manter uma relação amistosa com a corte eleitoral.

Bolsonaro voltou a questionar o processo eleitoral na última segunda-feira, em entrevista à TV Record, e a insinuar que pode não aceitar o veredito das urnas, dizendo que antes disso vai “esperar o desfecho da disputa” e averiguar se foram “eleições limpas”. Com isso, estimulou ainda mais iniciativas de radicais. Apesar de todo o cuidado da Justiça Eleitoral, e de uma relativa colaboração das empresas de redes sociais, voltaram a correr pela internet fake news e mensagens ameaçando a votação. “Vai dar Bolsonaro no primeiro turno! Senão, vamos à rua para protestar! Vamos invadir o Congresso e o STF! Presidente Bolsonaro conta com todos nós!!”, dizia um texto apócrifo disparado 324 mil vezes na noite do dia 23 por meio de um número de telefone antes usado pelo Detran do Paraná. O governo local diz que está investigando.

É esse tipo de discurso que pode ser sacado pelos bolsonaristas após a totalização dos votos para tentar questionar a legitimidade da eleição. Foi isso o que o presidente fez no dia 18 de julho para o corpo diplomático em Brasília, ainda que, na posse de Alexandre de Moraes na presidência do TSE, poucos dias depois, o número de embaixadores presentes tenha sido maior, mostrando de forma contundente que a iniciativa de desacreditar as eleições não terá eco no exterior. As investidas do presidente levaram a que o número de delegações estrangeiras seja recorde para fiscalizar o pleito. Haverá pelo menos 160 observadores internacionais – em 2018, foram 50. Uma das primeiras delegações a chegar foi a da Organização dos Estados Americanos (OEA), chefiada pelo ex-chanceler do Paraguai Rubén Lezcano. Ele foi recebido no Palácio do Planalto e, depois, no TSE, pelo ministro Alexandre de Moraes. Mostrando o incômodo com o holofote internacional, Bolsonaro chegou a ironizar o encontro antes de falar com o diplomata: “Ele vem observar o quê?” Além da OEA, outras sete entidades internacionais enviaram observadores. Diversas entidades, como a OAB, participarão da fiscalização da votação.

O reconhecimento internacional do resultado das eleições é uma etapa importante em caso de contestação. Por isso, os EUA já sinalizaram que deverão ser rápidos. Na última terça-feira, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, afirmou que seu governo vai “monitorar de perto as eleições” e reafirmou que os EUA “confiam na fortaleza das instituições democráticas do Brasil”. Em julho, o governo dos EUA já havia afirmado que as eleições brasileiras “servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”. O Senado norte-americano aprovou na tarde da quarta-feira de forma unânime uma resolução em favor do respeito à democracia no Brasil, por iniciativa de parlamentares democratas, e pede que Joe Biden reconheça automaticamente o resultado do pleito – e que reveja as relações entre os países em caso de golpe.

Na Europa, 50 deputados do Parlamento Europeu enviaram uma carta à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, solicitando que o bloco monitore as eleições. Em caso de descumprimento do rito democrático, sugerem sanções comerciais ao País. O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos também fez um alerta sobre os ataques contra o processo eleitoral e divulgou que a entidade está “muito preocupada” com a violência política. “Notamos que existem tentativas repetidas de despertar dúvidas sobre a credibilidade do sistema eleitoral e ameaças de não reconhecer os resultados da eleição. Isso representa um sério risco para o processo democrático”, disse a porta-voz desse órgão da ONU, Ravina Shamdasani.

Nunca a eleição brasileira despertou tanta atenção internacional. Do ponto de vista externo, a lisura do processo que movimentará 156 milhões de eleitores não vai determinar apenas o rumo do País a partir de 2023. Vai sinalizar se as próprias democracias ocidentais estão se mostrando resilientes diante do assédio de populistas de extrema direita liderados pelo ex-presidente Donald Trump – a maior referência para Jair Bolsonaro.

A resposta mais forte capaz de impedir as tentativas de subverter o resultado das urnas, no entanto, vem da sociedade civil. É amplo e generalizado nos diversos setores o apoio ao processo eleitoral, contra as tentativas de intimidação. “Pacificar o Brasil é cumprir a Constituição. Obedecer o resultado eleitoral é a revelação do espírito democrático e portanto de obediência ao texto constitucional. Simples assim”, diz Michel Temer, que já havia desanuviado o ambiente institucional após as ameaças feitas por Bolsonaro no Sete de Setembro do ano passado, quando declarou que não acataria mais decisões de ministros do STF. “Não tenho dúvidas de que temos instituições fortes e suficientemente unidas para barrar qualquer ação antidemocrática por parte de quem quer que seja”, diz Simone Tebet, a candidata do MDB. “Não acredito em episódios de extremistas em massa, como ocorreu no Capitólio, nos EUA. O povo brasileiro acredita e apoia a democracia. O brasileiro está cheio dessa polarização, desse ódio.”

O ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, que presidiu a eleição de 2008, ressalta que o modelo brasileiro de urna eletrônica é o mais seguro do mundo. Segundo ele, para se fraudar as eleições, seria necessário combinar “com os russos”: sete ministros do TSE, todo o corpo de funcionários técnicos do tribunal, os 27 presidentes dos tribunais estaduais e todos os partidos políticos que fiscalizam as eleições. Ou seja, seria preciso a conivência de um gigantesco sistema eleitoral. “A Covid odeia a vacina, e a fraude eleitoral odeia a urna eletrônica”, ironiza.

Embora esteja mais fragilizado do que esteve até recentemente, Bolsonaro seguirá tentando dar um golpe sem aceitar o resultado das urnas, acredita um dos principais dirigentes do PSDB. “Em que pese essa movimentação nas casernas a partir de um grupo pequeno de militares que ainda ouvem generais de pijama, como Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos, Lula deveria ter habilidade para neutralizar qualquer ação articulada pelos fardados anunciando que o seu ministro da Defesa será Nelson Jobim ou Raul Jungmann, que são nomes muito respeitados nos quartéis”, argumenta. E para desmobilizar qualquer insatisfação de empresários com sua eleição, o petista poderia anunciar que o seu ministro da Fazenda será Henrique Meirelles, avalia. “Jobim e Meirelles, que já foram ministros de Lula no passado e são muito admirados por todos, chancelariam o futuro governo do PT e anulariam qualquer manobra de Bolsonaro no sentido de desestabilizar as instituições”, diz o tucano.

Mas Lula, até o momento, não tem sinalizado seus planos no sentido de uma pacificação, em caso de vitória. Sua aposta é liquidar a fatura no dia 2. As últimas pesquisas eleitorais mostram a possibilidade real de o petista vencer no primeiro turno. A mais recente pesquisa Ipec (ex-Ibope), dia 26, mostrou Lula com 48% dos votos, contra 31% de Bolsonaro. A diferença entre os dois, de 17 pontos percentuais, é a maior já aferida pelo instituto. Esses números ampliaram a crise na campanha de Bolsonaro, com a troca de acusações entre o Centrão e a ala ideológica pela responsabilidade no fracasso. Ciro Nogueira chegou a anunciar que deixaria a reta final da disputa para cuidar do seu reduto eleitoral no Piauí, mas teve que voltar atrás após a péssima repercussão. O nervosismo do chefe do Executivo ainda aumentou porque membros da sua equipe passaram a cortejar Lula.

O último momento decisivo para a campanha, na noite da quinta-feira, foi o debate televisionado entre os candidatos. Com pouca probabilidade de mudar o rumo da votação, o evento, por outro lado, pode determinar se o processo se estenderá até o dia 30. No mesmo dia, o TSE decidiu proibir o transporte de armas e munições por colecionadores (CACs) na véspera do dia das eleições e nas 24 horas do dia seguinte ao pleito, sob pena de prisão em flagrante. A corte já havia vetado o porte de arma nos arredores das seções eleitorais, excetuando apenas os policiais convocados por uma autoridade eleitoral. São iniciativas que confirmam o fato de que a Justiça conseguiu se manter inflexível na defesa das instituições e da soberania popular.

E esse papel, inclusive didático,teve um alcance inédito. Extensos rituais providenciados pelo TSE mostrando a transparência da contagem dos votos serviram para assegurar a dezenas de entidades e especialistas, além de todos os partidos políticos e candidatos, que há pouca margem para dúvidas. Na última quarta-feira, o TSE promoveu uma visita à sala de totalização dos votos, com a presença do titular da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e de Valdemar Costa Neto, que precisou reconhecer que a sala “não é mais secreta, agora é aberta” (Bolsonaro repetiu várias vezes teorias conspiratórias sobre uma “sala secreta” no tribunal). Foi também limitado o assédio do Exército, ordenado por Bolsonaro por meio de seus ministros fardados. O Ministério da Defesa fará uma checagem improvisada por amostragem de urnas, sem respaldo científico, que servirá para contentar o chefe do Executivo, mas tem pouca chance de abrir caminho para contestações. Essa iniciativa foi neutralizada pela ação do Tribunal de Contas da União, que indagou os critérios e o objetivo dessa averiguação paralela (a pasta da Defesa adiou para dois dias antes do pleito a resposta oficial). Já o TCU, que aponta a segurança do processo, também anunciou teste semelhante e mais abrangente. Com iniciativas como essa, tudo indica, Bolsonaro terá pouco espaço para suas tentativas  intimidatórias, além de instigar os próprios apoiadores. Mas isso não é suficiente para afrontar o veredito dos eleitores.

Colaboraram Ana Viriato, Gabriela Rölke e Mirela Luiz

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BOLSONARO, O IMBROCHÁVEL, BROCHOU DIANTE DE LULA

Do Blog do Noblat

Falso padre foi outra vez boca de aluguel do presidente

Sabe por que Bolsonaro evitou o confronto direto com Lula? Porque, no primeiro bloco do debate entre os candidatos na Rede Globo, ensaiou e deu-se mal.

Lula enfrentou-o com palavras duras e ganhou mais direitos de resposta do que ele. E pesquisas qualitativas feitas em tempo real mostraram a Bolsonaro que não era por aí.

O imbrochável broxou. Não dirigiu uma única pergunta a Lula, que não perdeu nenhuma oportunidade de dar-lhe estocadas. O Lula em cena nada tinha a ver com o Lula do debate da BAND.

Alguns dos seus assessores achavam que Lula não deveria ter sido tão agressivo como foi com o falso padre. Mas ao revelar sua indignação com o que ouvia, Lula cresceu.

Foi o momento mais tenso do debate. Lula não poderia ter ficado calado até que o padre esgotasse seu estoque de acusações. Diriam que o ele o intimidara. 

Pasme: o mais calmo dos candidatos foi Ciro Gomes. Vestido com as cores da bandeira da França, tratou com respeito os adversários. Seu apelo final por votos, porém, não será atendido.

Não se sabe o que Lula cochichou a Simone Tebet ao fim do debate. Mas não será surpresa para este blog se Lula, uma vez eleito, convide Simone para ser ministra. Vai depender do MDB.

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SIMONE FAZ A DIFERENÇA EM DEBATE QUE CIRO VIROU ESCADA PARA BOLSONARO

Andrei Meireles, OS DIVERGENTES

Ciro Gomes foi sorteado pra dar o pontapé inicial no tão aguardado debate na Globo. Teve a bola no pé pra pautar o mais decisivo debate presidencial. Atrás nas pesquisas, tinha várias opções pra diversificar o jogo e exibir suas virtudes na campanha eleitoral.

Mas seu primeiro tiro foi equivocadamente em Lula, treinado para responder ao mesmo ataque supostamente de outros adversários. Ciro gastou chumbo sem nenhum lucro. Quem surfou na mesma onda foi Bolsonaro, o tal “padre” Kelmon e Luiz Felipe DÁvila, candidato do Novo, todos sentados em uma mesma bancada na divisão de espaço no estúdio da Globo.

Lula sentou na banda oposta, ao lado das senadoras Simone Tebet e Soraya Thronicke. Por mais que os assentos e tudo o mais no debate tenham sido definidos por sorteio, fora raras outras dobradinhas, nas questões mais polêmicas prevaleceu a turma dois dois lados. Em alguns temas, Ciro até flertou com o outro lado.

Mas ao não discernir, em questões essenciais, as diferenças entre Bolsonaro e Lula e com outros democratas como Fernando Henrique Cardoso, tratando a todos como uma mesma mixórdia, Ciro se perdeu na própria maionese. Nesse devaneio, tá brigando com os irmãos e derretendo no Ceará.

O badalado debate na Globo, tido como decisivo, virou um espetáculo chinfrim  com cenas dantescas, como o bate boca do afônico Lula com o padre fake, lançado por Roberto Jefferson, estrela do Mensalão, para ajudar Bolsonaro nos debates. Deu certo. Ele tirou os principais contendores de Bolsonaro do sério. Lula e Soraya, por exemplo, caíram nessa armadilha.

Quem parece ter escapado dessa mediocridade foi Simone Tebet. Ela não participou de baixarias, quando pôde enquadrou Bolsonaro, e conseguiu apresentar suas propostas. Isso pode ou não render votos no domingo, a ponto dela desbancar Ciro como terceira colocada.

A conferir.

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A IMPORTÂNCIA DO VOTO

Artigo de Rachel de Queiroz

O artigo "Votar" de Rachel de Queiroz foi publicado na revista O Cruzeiro, em 11 de Janeiro de 1947, com o objetivo de alertar os eleitores de então, quanto a importância do voto, continua contemporâneo.

Não sei se vocês têm meditado como devem no funcionamento do complexo maquinismo político que se chama governo democrático, ou governo do povo. Em política a gente se desabitua de tomar as palavras no seu sentido imediato. No entanto, talvez não exista, mais do que esta, expressão nenhuma nas línguas vivas que deva ser tomada no seu sentido mais literal: governo do povo. Porque, numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVERNO.

Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de tempo.

Escolhem-se pelo voto aqueles que vão modificar as leis velhas e fazer leis novas - e quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.

Escolhemos igualmente pelo voto aqueles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda, aqueles que irão estipular a quantidade desses impostos. Vejam como é grave a escolha desses "cobradores". Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gota de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bolso.

E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aqueles que vão receber, guardar e gerir a fazenda pública, mas também se escolhem aqueles que vão "fabricar" o dinheiro. Esta é uma das missões mais delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos.

Pois, se a função emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Eles desandam a emitir sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale mais zero.

Não preciso explicar muito este capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros falsos no poder.

Escolhem-se nas eleições aqueles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático. E, circunstância mais grave e digna de todo o interesse: dá-se aos representantes do povo que exercem o poder executivo o comando de todas as fôrças armadas: o exército, a marinha, a aviação, as polícias.

E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho que lhes fez um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio - lembrem-se de que não vão proporcionar a esses sujeitos um simples emprego bem remunerado.

Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para eles comandarem - e soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes que lhe dá o povo. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fossem.

Entregamos a esses homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra - e a flor da nossa mocidade, a eles presa por um juramento de fidelidade. E tudo isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou contra o seu amo e criador.

Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva.

Porque, afinal, a mulher quando é ruim, dá-se uma surra, devolve-se ao pai, pede-se desquite. E o governo, quando é ruim, ele é que nos dá a surra, ele é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da boca dos nossos filhos e nos faz apodrecer na cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.

E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto.

Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à fôrça, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno".

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A PAUTA É UMA ARMA DE COMBATE

Da Arquipélago Editorial 

Aliando sensibilidade, análise e engajamento, a premiada jornalista Fabiana Moraes articula críticas, propostas e reflexões sobre as relações discursivas do jornalismo com grupos sociais historicamente oprimidos. 

A autora dá lugar central à pauta, a coluna vertebral da notícia, que reflete e produz olhares sobre as coisas do mundo, situada em um contexto atravessado por hierarquias de gênero, raça, classe social e origem geográfica. 

Reconhecendo o campo jornalístico como partícipe de narrativas que transformam diferenças em desigualdades, Fabiana investiga caminhos de ruptura com os modos colonizados pelos quais o jornalismo atua desde o século 19; e defende o jornalismo de subjetividade, propondo uma prática reflexiva que possibilite melhores encontros com as alteridades e que jogue luz sobre violências naturalizadas como o racismo, a misoginia e as muitas formas de outrofobia. 

Em um esforço para aproximar teoria e prática, o livro apresenta três reportagens de Fabiana publicadas no Jornal do Commercio do Recife: A vida é Nelson (2012); Ave Maria (2013); e Casa grande e senzala (2013). 

A autora se propõe a analisar os trabalhos uma década após sua publicação original, fazendo uma autocrítica e narrando com proximidade afetiva os bastidores dessas reportagens.

Sobre a autora:

Fabiana Moraes é recifense, nascida no Alto José Bonifácio, mãe de Mateus e professora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco. É jornalista com mestrado em Comunicação e doutorado em Sociologia, ambos pela UFPE. Pesquisa mídia, imprensa, poder, raça, hierarquização social, imagem e arte. É vencedora de três prêmios Esso com as reportagens A vida mambembe (2007), Os sertões (2009) e O nascimento de Joicy (2011). Recebeu ainda o Prêmio Petrobras de Jornalismo, o Prêmio Imprensa Embratel e o Prêmio Cristina Tavares de Jornalismo. Lançou cinco livros: Os sertões (Cepe, 2010), Nabuco em pretos e brancos (Massangana, 2012), No país do racismo institucional (Ministério Público de Pernambuco, 2013), O nascimento de Joicy (Arquipélago, 2015) e Jomard Muniz de Britto: professor em transe (Cepe, 2017).

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quinta-feira, 29 de setembro de 2022

OS HOMOSSEXUAIS NA VISÃO DE BOLSONARO

Caio Matos, Congresso em Foco
O presidente Jair Bolsonaro (PL) nunca escondeu suas “opiniões” sobre os homossexuais e os demais membros da comunidade LGBTI+. Durante seus 27 anos na Câmara dos Deputados, Bolsonaro ganhou fama por discursos polêmicos e cheios de preconceito, direcionados para sua base conservadora. 

Confira algumas frases homofóbicas de Bolsonaro:
As falas do então deputado federal lhe renderam aparições em programas de TV, documentários e entrevistas para jornais em revistas, que o ajudaram a conquistar cada vez mais seguidores e se projetar para um público maior.
O próprio Bolsonaro já reconheceu que isso aumentava o seu alcance. Durante uma entrevista coletiva na Câmara, o deputado ironizou os repórteres que lhe faziam perguntas: “parabéns, estão me promovendo”. Na ocasião, Bolsonaro afirmou que os homossexuais “que têm que nos respeitar” e que a “minoria tem que se calar e se curvar a maioria”.
Em 2014, Bolsonaro participou de um programa de TV para debater sobre a exibição do primeiro beijo entre dois homens em uma novela da Rede Globo. O deputado afirmou que o beijo e demonstrações de afeto em público por homossexuais eram coisas “agressivas” e que “a sociedade é ofendida, a família é ofendida” pelos atos.
Bolsonaro foi um ferrenho opositor do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006, que criminalizava a homofobia e crimes resultantes da discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. O deputado alegava que o projeto era contra a família brasileira, pois “qualquer coisa” poderia ser interpretada como homofobia.
Como exemplo para defender sua tese, Bolsonaro utilizou a própria homofobia: “Se eu quero contratar um motorista para levar o meu filho no Ensino Fundamental. Se eu perceber que ele é homossexual, eu vou contratá-lo? É um direito meu”, afirmou.
Durante a participação em um programa de entrevistas, Bolsonaro se posicionou veementemente contra a educação sexual, afirmando que não se deveria “ensinar para a criança que ser gay é normal” e que não deixaria o próprio filho brincar com um filho adotado por um casal de homossexuais.
O presidente também já defendeu que os pais agredissem fisicamente os filhos para “mudar o comportamento” deles, caso suspeitassem que o filho fosse homossexual.
Bolsonaro participou do documentário “Stephen Fry: Out There”, elaborado pelo ator britânico em 2013 e que abordava a homossexualidade pelo mundo. Na entrevista, o deputado afirmou que “nenhum pai tem orgulho de ter um filho gay” e que “a sociedade brasileira não gosta de homossexuais”.
Apesar de suas falas homofóbicas, Bolsonaro encerrou sua participação destacando que “não existe homofobia no Brasil”.
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DESESPERO DE BOLSONARO

Ricardo Kertzman, ISTOÉ

Desespero de Bolsonaro indica Datafolha devastador logo mais

O presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar ferozmente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), especialmente o ministro Alexandre de Moraes, ao mesmo tempo em que seu partido, o PL, de Valdemar Costa Neto, ex-presidiário no Mensalão, emitiu uma nota apócrifa, ou seja, sem assinatura, ainda que em papel timbrado, atacando a segurança das urnas eletrônicas e colocando as eleições sob suspeita de fraude.

Bolsonaro, em “live”, também disse que determinará às Forças Armadas intervenção em zonas eleitorais que, por ventura, impeçam eleitores de votar trajando a camisa da Seleção Brasileira de Futebol, e, ainda, voltou a acusar o ministro Moraes de vazar à imprensa os dados contidos no aparelho celular de seu ajudante de ordens, investigado no âmbito do inquérito das fake news, que implica sua esposa, Michelle Bolsonaro.

O tom das ameaças e dos ataques são tão ou mais altos que no auge da ânsia golpista, próximo ao 7 de setembro, Dia da Independência, no ano passado, quando o presidente afirmou que “não mais respeitarei as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF)”, em particular, como sempre, seu principal desafeto, o ministro Moraes, que antecede o segundo maior alvo de Jair Bolsonaro, o ministro Barroso.

O destempero (acima do normal) parece ter motivo e fazer sentido. Logo mais, às 18:30hs, o Instituto Datafolha promete divulgar a maior pesquisa eleitoral já realizada, com mais de 12 mil entrevistados, presencialmente por todo o País, que poderá confirmar a tendência de uma “onda lulista”, detectada nas últimas rodadas por todos os institutos sérios. Além destes, os tais “trackings” dos partidos caminham no mesmo sentido.

Os últimos resultados indicavam a possibilidade de vitória do ex-presidente Lula ainda no primeiro turno, porém dentro da chamada “margem de erro”. Com essa amostragem gigante, a se confirmar as suspeitas de crescimento do petista, a possibilidade de vitória já no domingo poderá ser ratificada fora da “margem de erro”, influenciando sobremaneira a decisão do eleitor neutro em direção ao conhecido “voto útil”.

O documento do PL sobre as eleições é de tal sorte vazio e falacioso, e em tese, criminoso, que foi anexado, por ordem de Alexandre de Moraes, ao inquérito já em andamento contra os atos antidemocráticos. As acusações do presidente contra o mesmo ministro, por suposto vazamento de dados, não apresentaram qualquer prova, ao contrário, o próprio magistrado determinou a apuração pela quebra do sigilo.

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MACHADO DE ASSIS E O ABSENTEÍSMO ELEITORAL

Miguel Matos, Folha de S.Paulo

Jornalista e advogado, é autor de "Código de Machado de Assis" (ed. Migalhas)

Na obra do conhecido escritor Machado de Assis (1839-1908), as questões eleitorais muitas vezes são a matéria-prima na costura de saborosos enredos. De fato, em seus livros há inúmeros parlamentares —e outros tantos candidatos.

Os informes são esparsos, mas possivelmente, no começo de sua vida adulta, Machado tenha acalentado o sonho de ser político. Todavia, o autor de "Dom Casmurro" nessa época não era eleitor, muito menos elegível. É que o voto era censitário, ou seja, só podia votar quem recebesse um salário ou fosse beneficiário de uma herança. E o escritor, como se sabe, era de uma família sem posses.

Aliás, não é sem motivo que numa crônica, aos 25 anos, ele pede eleições diretas "para tornar efetiva a soberania popular". No entanto, o direito de votar e ser votado do imortal só se confirma em 1877, quando ele então tem 36 anos.

Na arte de contista –a qual Machado dominou como poucos—, há algumas passagens curiosas, como em "Sereníssima República", onde se vê uma crítica contundente ao processo eleitoral; ou no clássico "O Programa", quando o protagonista Romualdo vê baldadas suas chances eleitorais, mas obtém alguns votos, que são "pedaços da soberania popular que o vestiam a ele, como digno da escolha".

No fecundo labor de cronista, o tema se torna uma constante. Num dos textos, narra-se uma pitoresca história na paulista Itu. Ali, os eleitores vendiam o voto para um candidato, mas se outro oferecesse mais dinheiro, o eleitor aceitava e, numa esdrúxula probidade, devolvia o montante ao primeiro comprador.

Outro tema abordado pelo autor de "Memórias Póstumas" é o voto feminino, clamando a possibilidade de as mulheres votarem desde 1877, direito que só foi conquistado entre nós em 1932.

Nenhum assunto eleitoral, porém, ocupa tanto a pauta do Bruxo do Cosme Velho como a abstenção. Para ele, o grande mal das eleições "é a abstenção, que dá resultados muitas vezes ridículos". E sentencia: "Urge combatê-la".

Mal poderia ele imaginar, que mais de um século depois de sua morte, a abstenção pode ser responsável por um ridículo resultado eleitoral no país, pois um dos candidatos fomenta um clima de terror, com o objetivo de provocar pusilanimidade nos eleitores do oponente, desencorajando o exercício do voto.

E se se mantiver a progressão no número de abstenções dos últimos pleitos (2006, 16,8%; 2010, 18,1%; 2014, 19,4%; e 2018, 20,3%), e preponderantemente de um lado apenas da polarização sabidamente cristalizada, teremos um assustador contingente de mais de 30 milhões de brasileiros que não exercerão este que é o maior dos direitos: escolher livremente seus representantes.

Por estas e outras, e por receio de que venha a ocorrer algo "mitologicamente" ridículo, urge combater a abstenção. Neste domingo (2), vá votar.

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PESQUISA ELEITORAL

Igor Gielow, Folha de S.Paulo

Datafolha: Lula tem 50% dos votos válidos no 1º turno; Bolsonaro marca 36%

SÃO PAULO A três dias das eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera a corrida com 50% dos votos válidos, o que mantém aberta a possibilidade de vencer já no primeiro turno. Em busca da reeleição, Jair Bolsonaro (PL) tem 36%, seguido por Ciro Gomes (PDT), com 6%, e Simone Tebet (MDB), com 5%.

É o que revela a mais recente pesquisa do Datafolha, que ouviu 6.800 pessoas em 332 cidades de terça (27) a esta quinta (29). Ela foi encomendada pela Folha e pela TV Globo e registrada com o número BR-09479/2022 no Tribunal Superior Eleitoral.

A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

O instituto passa a divulgar o resultado dos válidos, que exclui da conta de intenção de votos brancos, nulos e indecisos, pois esse é o critério usado pelo TSE para contabilizar o resultado do pleito.

Assim, se mantém no limiar da vitória no primeiro turno, que demanda 50% dos válidos mais um voto ao menos, numa onda de recuperação: chegou a ter 54% em maio, descendo em setembro para 48%, patamar em que permaneceu até a semana passada, quando oscilou para 50%. Assim, o ex-presidente pode ter de 48% a 52% dos válidos.

Ou seja, a situação é de estabilidade —Bolsonaro tinha 35% dos válidos na semana passada e passou para 36%.

A campanha petista intensificou sua busca por votos, particularmente de Ciro, cuja reação energética contra a ofensiva resultou num comunicado à nação na segunda (27), quando disse que não deixaria a disputa. Não foi muito ouvido pelos eleitores: neste levantamento, ele oscilou negativamente ante o da semana passada, de 7% dos válidos para 6%.

A senadora Tebet, por sua vez, manteve-se estável, provando que, se a campanha não lhe trouxe uma candidatura viável, ao menos a mostrou inoxidável em seu patamar. O Datafolha havia mostrado que 1 em cada 5 eleitores dela e de Ciro estava disposto a votar útil em Lula.

Quando o critério é a totalidade dos votos, incluindo brancos, nulos e indecisos, Lula oscilou de 47% para 48% ante a pesquisa anterior. Bolsonaro foi de 33% para 34%, Ciro, de 7% para 6% e Tebet manteve seus 5%.

Os resultados tornam ainda mais importante para Lula e para Bolsonaro o debate desta quinta na TV Globo, o último grande evento da campanha. Qualquer escorregão mais grave pode atrapalhar; empates ou vitórias por pontos são o que usualmente se espera desses encontros, cuja mística é algo exagerada na crônica política.

Com efeito, a ausência de Lula no encontro do SBT no sábado passado (24) em nada lhe prejudicou a intenção de voto. Assim como a algo folclórica apresentação ao mundo das redes sociais de Padre Kelmon não ajudou o candidato do PTB, que não pontuou.

Problema maior para o PT é a questão da abstenção, que atinge tradicionalmente mais eleitores de baixa rende que compõem a força de Lula nesta campanha. Não há como prever essa taxa, dada a imprevisibilidade de fatores, e segundo o Datafolha havia apurado na semana passada, 3% dos eleitores admitiam não ir às urnas.

Problema maior para o PT é a questão da abstenção, que atinge tradicionalmente mais eleitores de baixa rende que compõem a força de Lula nesta campanha. Não há como prever essa taxa, dada a imprevisibilidade de fatores, e segundo o Datafolha havia apurado na semana passada, 3% dos eleitores admitiam não ir às urnas.

Entre os eleitores que ganham até 2 salários mínimos, 50% dos ouvidos neste levantamento, o petista mantém dianteira de 31 pontos sobre o presidente: 57% a 26% dos totais. Lula já havia ganho cinco pontos na pesquisa anterior, e manteve o patamar.

Significativamente para Bolsonaro, que investiu tudo em medidas econômicas populares, como a queda forçada de preços administrados de energia e o aumento do Auxílio Brasil para 20 milhões de famílias mais necessitadas, quem recebe o benefício que substituiu o Bolsa Família criado por Lula segue votando mais no petista: 58%, enquanto 26% declaram apoio ao presidente.

Em outro grupo expressivo, o das mulheres (52% da amostra populacional em questão), Lula mantém também vantagem, com 50%, ante 29% de Bolsonaro. A mais alta rejeição do atual mandatário entre elas é o preço de anos de discurso machista que a sua campanha tentou alterar na reta final, sem sucesso até aqui.

Na região mais populosa do país, o Sudeste (43% do eleitorado), Lula seguiu na dianteira, com 43% a 35% dos totais. O petista oscilou dois pontos ante a semana passada, e o presidente, um para baixo, perdendo metade do avanço que havia conseguido na rodada anterior. No segundo maior colégio regional, o Nordeste com seus 27% do eleitorado na amostra, o petista tem 41 pontos de vantagem (63% a 22%).

Se esta fosse uma eleição decidida apenas levando em conta o critério renda, contando da classe média baixa para cima, Bolsonaro estaria em situação melhor: ele empata com Lula ou tem vantagem sobre o antecessor em todos os segmentos a partir dos R$ 2.440 de renda média mensal no lar do entrevistado.

O fato é que esta é uma eleição definida nos detalhes, sem variações dramáticas nos números gerais. Com o voto cristalizado pela maioria dos eleitores há mais de um mês, tudo sugere que a propaganda gratuita teve impacto reduzido no resultado que se aproxima —todos os quatro principais candidatos aumentaram o tom dos ataques entre si, com Bolsonaro chamando Lula de ladrão diuturnamente.

O mesmo marasmo relativo se viu no fim da tabela, com os candidatos que ou nunca pontuaram, ou ficaram na margem de erro do nada. Neste levantamento, Soraya Thronicke (União Brasil) tem 1%, empatada com Vera (PSTU), Leo Péricles (UP), Felipe D'Ávila (Novo), Sofia Manzano (PCB), Constituinte Eymael (DC) e Kelmon, todos sem sair do traço.

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O RISCO DE SUJEIRA NO FINAL DA CAMPANHA

Vinicius Torres Freire, Folha de S.Paulo

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Jair Bolsonaro (PL) corre o risco de terminar o domingo comendo pizza fria. Uma vitória de Lula da Silva (PT) no primeiro turno está na linha do gol. O imponderável de indecisões da última hora, abstenções e votos inválidos podem levar a bola para lá ou para cá, por diferença pequena. Quem sabe chova demais ou até falte ônibus para o povo ir votar, né. A dúvida maior é se o bolsonarismo vai tentar um lance de mão, um pontapé ou bater no juiz.

Parece preocupação amanhecida. Mas ainda nesta quarta-feira (28) as facções mais fanáticas do bolsonarismo requentavam a história da eleição roubada. O PL divulgou um papelucho sobre "vulnerabilidades relevantes" do sistema eleitoral, "com grave impacto nos resultados das eleições".

Nesta quinta-feira, acontece o último debate entre os candidatos a presidente, na Globo, no último dia de campanha em TV e rádio. Dado o histórico de Bolsonaro e do bolsonarismo, não é desarrazoado especular que soltem uma bomba retórica de escândalo no debate. Poderia ser uma tentativa desesperada, de efeito marginal, se algum, de evitar uma derrota precoce. O tempo e os meios de reação do lulismo seriam escassos.

Um parlamentar moderado da campanha de Bolsonaro diz que isso é "delírio". Mesmo o "nível de agressividade" de seu candidato, "forte", será "dosado e baseado em fatos conhecidos" da vida política de Lula. Esse parlamentar diz que os ataques serão "objetivos" e, "por isso mesmo", vão deixar o petista "emocionalmente abalado".

Sabe-se lá. Parte do comando da campanha de Bolsonaro tem vazado pelos jornais que a agressividade, os maus modos, os maus bofes, as desumanidades e as ameaças golpistas não pegaram bem no eleitorado. Dizem que tentaram conter seu candidato, com efeito notável nas últimas duas semanas, acreditam.

Não é garantia de coisa alguma, como percebe qualquer pessoa que não esteve catatônica nestes quatro anos de trevas. No entanto, com os contra-ataques e contragolpes de agosto e de setembro, grupos importantes da sociedade acuaram o golpismo. Nesta terça-feira, empresários e dirigentes de empresas fizeram uma espécie de cerimônia precoce, precipitada, dizem alguns, de reconhecimento do novo rei, um comício de declaração de boa vontade com Lula.

Não tem efeito algum no resultado da eleição, claro, mas é mais uma pá de terra sobre os últimos zumbis golpistas que querem escapar da cova. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também reagiu ainda nesta quarta-feira ao estertor aloprado do PL contra a votação eletrônica.

O tribunal chamou as "conclusões" do PL de "falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade, reunindo informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral".

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, mandou investigar a "responsabilidade criminal" dos "idealizadores" do papelucho do PL.

Sim, pouco antes, o dono do PL, Valdemar Costa Neto, fizera média com o tribunal e com o sistema eleitoral. É um sinal de que mesmo o núcleo do centrão bolsonarista, PP e PL, está rachando, parte dele já boiando em direção à Lula ou algum lugar de onde possam arrumar um lugarzinho ao sol em um possível novo regime.

Nada disso altera a tendência geral de votação ou a brisa de relativo desafogo que começou a soprar em setembro. Mas tem havido violência; o bolsonarismo é em essência bruto e alucinado. A possibilidade de que a derrota precoce seja decidida por números mínimos pode incentivar reações desesperadas.

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quarta-feira, 28 de setembro de 2022

JEJUM E ORAÇÃO

Edna Lima, OS DIVERGENTES

A primeira-dama Michelle Bolsonaro postou um vídeo nesta quarta-feira (28) propondo aos eleitores evangélicos 12 horas de jejum e oração pelo Brasil.
Quem tem um cartão corporativo à disposição para pagar as contas pessoais, talvez não saiba que mais de 33 milhões de pessoas passam forme hoje no Brasil, segundo pesquisa divulgada em junho deste ano pela rede Penssan.
Ou seja, já vivem um jejum obrigatório permanente. Talvez estejam orando pra essa situação mudar.
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CIRO ROMPE COM IRMÃOS POR CAUSA DO PT

Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo

Ciro Gomes rompe com irmãos por causa do PT, diz que levou ‘facada nas costas’ e some do Ceará

Irmãos do ex-ministro, Cid e Ivo Gomes fazem acenos a Camilo Santana, candidato do PT ao Senado, e tentam reaproximação com partido de Lula

BRASÍLIA – Pressionado a desistir de sua candidatura, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) não está em rota de colisão apenas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem acusa de fazer “jogo sujo” para retirá-lo do páreo. Nesta campanha, Ciro resolveu ignorar o Ceará, seu reduto eleitoral, após brigar com sua família.

“Recebi uma facada poderosa nas costas. A traição é a cara do momento no Ceará. Resolvi não ir ao meu Estado pela primeira vez. Que o cearense diga lá o que quer fazer de mim”, disse o candidato do PDT em recente entrevista ao site O Antagonista.

Pesquisa Ipec divulgada na quinta-feira, 22, indica que Ciro tem 10% das intenções de voto no Ceará. Ocupa o terceiro lugar no Estado onde construiu sua trajetória política, atrás do presidente Jair Bolsonaro (PL), que está com 18%, e de Lula, com 63%.

Além disso, Roberto Cláudio, do PDT, que concorre a governador do Ceará com apoio de Ciro, corre o risco de ficar fora do segundo turno, que deve ser disputado entre Elmano de Freitas (PT), candidato de Lula, e Capitão Wagner (União Brasil), nome avalizado por Bolsonaro.

O rompimento de uma aliança de 16 anos entre o grupo de Ciro e o PT no Ceará dividiu a família Ferreira Gomes. Enquanto o candidato do PDT ao Palácio do Planalto ataca o PT, o senador Cid Gomes (PDT-CE) e o prefeito de Sobral, Ivo Gomes (PDT) – irmãos dele – evitam dar apoio a Roberto Cláudio e fazem campanha para o petista Camilo Santana ao Senado. Na tentativa de se reaproximar do PT, Cid afirmou que não vai declarar voto para governador.

“Eu vou me preservar nesse primeiro turno para tentar ser esse catalisador, o cupido da renovação dessa aliança”, disse o senador, no início do mês, ao pedir votos para Ciro e Camilo Santana, em Sobral.

Boquinha

Adversários políticos de Ciro duvidam, no entanto, que haja um rompimento na família. O ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE) avalia o movimento como “jogo de cena” para garantir cargos, caso o PT ganhe o governo do Ceará.

“É jogo de cena. Eles não brigam entre eles, não. Eles querem uma boquinha porque perderam o Brasil. O Ciro destruiu tudo, ninguém pode ser ministro de um e nem de outro”, afirmou Eunício ao Estadão, numa referência a Lula e a Bolsonaro. “No Brasil e no Ceará, Ciro morreu. O candidato dele não vai nem para o segundo turno. Ele perde para o Bolsonaro feio no Ceará, infelizmente. Então, vai tentar uma boquinha no governo do Elmano via Cid e via Camilo”, emendou.

O presidente do PDT, Carlos Lupi, disse ao Estadão que Cid tem evitado seus contatos. “Não falo com ele há um bom tempo. Ele se licenciou do Senado. Logo no comecinho (do período eleitoral), liguei para ele e não respondeu. Não voltei a falar”.

Ao contrário do que ocorreu em outras campanhas, Cid está recluso e não participou nem mesmo da convenção do PDT que lançou a candidatura do irmão à sucessão de Bolsonaro. O comportamento contrasta com a disputa de 2018, quando Cid era o coordenador da campanha de Ciro, comparecia aos eventos e dava entrevistas sobre a candidatura dele.

Lupi afirmou que, nos próximos dias, fará campanha para Roberto Cláudio, o candidato do PDT no Ceará. Ciro, porém, estará ausente. “Com esse negócio da questão familiar, ele vai só votar lá. Acho que ele não vai fazer nenhuma programação de rua, mas ainda não está fechado”.

Divórcio

Mesmo com as crescentes críticas de Ciro a Lula desde a eleição de 2018, o grupo do ex-ministro continuava aliado do PT no Ceará. O divórcio litigioso ocorreu com a insistência de Ciro em escolher o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio para ser candidato a governador do Ceará. Cláudio tem um histórico de enfrentamento com o PT.

Os petistas queriam lançar a atual governadora, Izolda Cela, que assumiu o cargo em abril, após Camilo Santana renunciar para ser candidato ao Senado. Depois de ser preterida, Izolda se desfiliou do PDT e hoje está sem partido.

Cid e Ivo Gomes, os irmãos de Ciro, já manifestaram publicamente apoio a Izolda e disseram que a aliança com o PT não deveria ter sido desfeita. Os dois têm pedido voto para Camilo. Ciro, por sua vez, não poupa críticas ao ex-governador e já disse que tudo “desandou” porque Lula, certo da vitória, convidou Camilo para ser ministro.

“O nosso povo não tem culpa da vaidade e da prepotência de lideranças que, uma vez construídas nessa luta e ao redor desse projeto, agora servem por uma ninharia, por um punhado de nada ou um carguinho de ministro, e desertam da humildade e da luta do povo”, atacou o ex-ministro, na ocasião. Camilo não respondeu.

Ciro fez um pronunciamento, nesta segunda-feira, 26, no qual diz que “nada deterá” sua disposição de seguir em frente. “Por mais jogo sujo que pratiquem, eles não me intimidarão”, destacou o candidato do PDT, ao divulgar um “Manifesto à Nação” após pressão de artistas e políticos aliados a Lula para que ele abra mão de sua candidatura. O ex-ministro chamou de “rito suicida” um possível segundo turno entre o petista e Bolsonaro.

No mesmo horário, o cantor Caetano Veloso, que já apoiou Ciro nas últimas eleições presidenciais, divulgou um vídeo nas redes sociais para ampliar a campanha pelo voto útil em Lula. Sob o slogan #tiragomes, o cantor repetiu uma frase do ex-governador do Rio Leonel Brizola, um dos fundadores do PDT. Brizola dizia que “artista não dá voto, mas tira. Então...”

Nesta última semana de campanha, antes do primeiro turno, Ciro focará seus compromissos em São Paulo e no Rio. Ele ainda avalia se irá para o Ceará na véspera da eleição ou apenas no dia de votar.

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CONTRATO DE LOCAÇÃO

Carlos Petrocilo, Artur Rodrigues, Folha de S.Paulo

Tarcísio contrata com verba eleitoral seu cunhado, dono do imóvel que indicou como endereço em SP

SÃO PAULO - O candidato ao Governo de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) contratou para sua campanha seu cunhado, o mesmo de quem também alugou um imóvel em São José dos Campos, no interior de São Paulo, por valor inferior ao de mercado.

Os repasses de R$ 40 mil, feitos ao militar Maurício Pozzobon Martins, foram a título de serviços de administração financeira para a campanha do candidato bolsonarista.

O pagamento consta na prestação de contas entregue por Tarcísio ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que não informa se o cunhado recebeu por meio do fundo eleitoral (dinheiro público) ou de doações de pessoas físicas.

Tarcísio é natural do Rio de Janeiro e vivia em Brasília até ser escalado por Jair Bolsonaro (PL) para concorrer ao pleito em São Paulo.

Entre os documentos apresentados pelo candidato para conseguir mudar sua residência eleitoral para o estado e disputar uma vaga ao Palácio do Bandeirantes está o contrato do apartamento na Vila Ema, bairro nobre de São José dos Campos.

Trata-se de um apartamento de 176 m², com três vagas na garagem, comprado pelo cunhado do ex-ministro de Bolsonaro em 2015, segundo matrícula do cartório. O imóvel está avaliado em cerca de R$ 1,6 milhão, usando como base apartamentos similares anunciados à venda.

O aluguel cobrado, de R$ 1.185 por mês, está bem abaixo do de imóveis da região. Um apartamento com padrão semelhante na cidade tem aluguel por volta de R$ 7.000 mensais, segundo sites imobiliários.

A Folha teve acesso ao contrato de locação celebrado entre Tarcísio e o seu cunhado, Martins. O prazo de locação é de 12 meses, com início no dia 1º de outubro de 2021 e término no dia 1º de outubro de 2022, um dia antes da eleição. Mas está prevista a possibilidade de renovação.

O contrato foi apresentado à Justiça Eleitoral pela candidatura do ex-ministro, que sofreu com um pedido de impugnação em razão da ausência de comprovação do domicílio eleitoral em São Paulo. E o TRE deferiu o registro da chapa composta por Tarcísio e pelo vice Felício Ramuth (PSD).

A assessoria de imprensa de Tarcísio disse, em nota à Folha, que "todos os esclarecimentos acerca do domicílio eleitoral de Tarcísio já foram prestados, e todos os questionamentos realizados sobre o assunto foram arquivados pela Justiça".

A reportagem também questionou quais as atividades realizadas por Martins, e se a campanha o recompensou com recursos provenientes do fundo partidário ou de doações particulares. "Conforme citado, toda a prestação de contas relativa à campanha está disponível no TSE", completa a assessoria do candidato.

Para transferência do título de eleitor, a legislação exige a residência mínima de três meses no novo domicílio (no caso de Tarcísio, o estado). O contrato de aluguel foi firmado em setembro do ano passado, e o candidato dos Republicanos transferiu o título de eleitor para São Paulo em janeiro deste ano —anteriormente, o documento estava registrado em Brasília.

Conforme a Folha mostrou, em junho deste ano, Tarcísio não vivia no imóvel, que estava em reforma. À reportagem ele disse, na ocasião, manter base na capital devido aos compromissos de campanha.

Atualmente constando como responsável por documentos na campanha, Martins é militar e foi para a reserva em 2019. Segundo o currículo dele, desde então e até junho deste ano, o militar atuou na Infraero, órgão vinculado ao Ministério da Infraestrutura, que era comandado por Tarcísio.

A origem de Tarcísio foi desde o início um dos principais flancos explorados por rivais. O tema ganhou novo fôlego após o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo decidir que o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) não poderia concorrer pelo estado, por considerar irregular a transferência do título de eleitor do também ex-ministro de Bolsonaro.

Em junho, a reportagem foi ao endereço informado à Justiça por Tarcísio, tocou o interfone à procura do ex-ministro e ouviu do porteiro que não era possível encontrar ninguém ali. "Tarcísio? Mas você é de obra?", perguntou o porteiro. "O apartamento 112 está em obra. Só tem os prestadores [de serviço]."

A reportagem perguntou se não conseguiria nunca encontrar alguém no local. "É", respondeu o porteiro.

Momentos depois, a reportagem voltou ao local e questionou na portaria se Tarcísio já havia sido visto ali. Após a Folha explicar que se tratava de um pré-candidato e que o prédio constava como endereço dele, o porteiro fez uma pausa e afirmou: "Reside aqui sim, mas o apartamento está em reforma".

O TRE rejeitou questionamento da direção do PSOL a respeito do domicílio eleitoral do candidato. Após a reportagem da Folha, a Polícia Federal abriu investigação sobre o assunto.

Recentemente, a origem de Tarcísio voltou a levantar questionamentos após uma entrevista em que ele disse desconhecer o local onde vota na cidade, durante entrevista à TV Vanguarda, afiliada da TV Globo.

"O senhor vota onde? Qual é o seu local de votação?", questionou a repórter que conduzia a conversa.

Em resposta, Tarcísio deu um riso abafado e falou: "Ah, é um colégio." "Sabe o bairro, por curiosidade?", seguiu a apresentadora. Constrangido, Tarcísio ficou em silêncio por um momento até a repórter emendar: "Fugiu à cabeça, né?"

"Sim, fugiu à cabeça", completou o candidato do Republicanos.

O assunto, novamente, virou munição para adversários de Tarcísio, principalmente para o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que disputa uma vaga diretamente contra o candidato para chegar ao segundo turno contra Fernando Haddad (PT).

Até o momento, a campanha de Tarcísio de Freitas arrecadou R$ 15,5 milhões. A maior parte vem do Republicanos e do PSD, partido de seu vice, mas a conta inclui também R$ 4,9 milhões em doações privadas —entre as quais uma de R$ 20 mil de Octavio Teixeira Brilhante Ustra, advogado e sobrinho do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado em segunda instância por tortura e sequestro no regime militar (1964-1985).

Os gastos já totalizam R$ 16,3 milhões, sendo a maior fornecedora a empresa Beacon Comunicação, sediada em São Paulo e com R$ 9,4 milhões em gastos.

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O MEDO QUE CORRÓI A DEMOCRACIA

Editorial O Estado de S.Paulo

Populistas com propensão ao autoritarismo, como é o caso do presidente Jair Bolsonaro, quando não deram causa, agravaram a chamada crise da democracia liberal. O tema é bastante estudado nas universidades e tem sido objeto de dezenas de livros lançados nos últimos anos, mas está longe de ser apenas um desassossego intelectual. A crise da democracia se manifesta de forma concreta no cotidiano das pessoas. E, não raras vezes, por uma de suas faces mais perversas: o medo da violência causada por escolhas políticas.

A poucos dias das eleições gerais, a pesquisa Violência e democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022, realizada pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), revelou que quase 70% da população brasileira afirma sentir medo diante da escalada da violência política. Pudera: há poucas semanas, o País assistiu, com um misto de consternação e incredulidade, aos brutais assassinatos de dois eleitores do petista Lula da Silva por apoiadores de Jair Bolsonaro.

Esses foram os dois episódios mais trágicos, até agora, dessa onda de violência política que assola o País em escala inaudita. Decerto não são os únicos. Na verdade, há tantas manifestações de hostilidade a pensamentos políticos divergentes que muitos cidadãos já se sentem afetados pelo problema.

De acordo com a pesquisa, quase metade dos brasileiros (49,9%) diz sentir “muito medo” de ser vítima de agressões físicas por suas afiliações político-partidárias. Outros 17,6% dizem sentir “um pouco de medo”. Apenas 32,5% não temem ser alvo de violência política.

“É difícil falar em eleições livres e justas com este nível de violência. As eleições estão ameaçadas não pelas razões que (o presidente Jair) Bolsonaro suspeita, as urnas eletrônicas, mas pela violência política”, disse ao Estadão o presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima. “Temos uma população amedrontada”, resumiu a cientista política Mônica Sodré, diretora executiva da Raps.

Ainda de acordo com o levantamento, 3,2% dos entrevistados disseram ter sido vítimas de ameaças por suas posições políticas; e 0,8% relatou já ter sofrido violência física. À primeira vista, a frieza da estatística pode não dar a exata dimensão da extrema gravidade do problema. Mas está-se falando de cerca de 8,5 milhões de brasileiros que já sofreram algum tipo de violência ou ameaça apenas por terem exercido o direito à livre manifestação do pensamento assegurado pela Constituição. Isso é inaceitável para todos os genuínos democratas, de qualquer coloração partidária.

Não há liberdade quando a manifestação do pensamento político-ideológico é tolhida pela força do medo. E, quando os cidadãos não se sentem livres para manifestar suas escolhas políticas, já não se pode falar de democracia, mas de um simulacro de democracia.

O presidente Bolsonaro é a personificação de uma política de confronto que desagrada a grande parcela da população. Não surpreende a enorme rejeição a seu nome. Talvez inebriado pelos quase 58 milhões de votos que recebeu em 2018, Bolsonaro tenha entendido essa expressiva votação como uma autorização para que ele levasse adiante sua agenda de destruição. Na verdade, Bolsonaro não foi capaz de compreender – talvez não seja até hoje – a excepcionalidade da conjunção de fatores que, há quatro anos, alçou alguém com seu perfil à Presidência da República.

Bolsonaro não inventou a violência política, obviamente. Mas é certo que fez da violência e do conflito permanente a essência de sua persona política. Isso é inédito na história recente do País, um presidente que faz do estímulo à violência política, em suas muitas formas de manifestação, uma ação de governo. Foi sob Bolsonaro que a violência política se tornou pauta no debate público e objeto de pesquisa. 

Mas, a julgar pelas pesquisas de intenção de voto, milhões de eleitores parecem fartos de viver sob essa tensão permanente. E dão sinais de que dirão isso exercendo a maior das liberdades democráticas: o voto.

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