sexta-feira, 31 de maio de 2019

CAPITÃO ENCRENCA

José Manuel Diogo, ISTOÉ
Todo o mundo sabe que a política é a arte do possível, mas no Brasil é também a do impossível. Qualquer extraterrestre que aterrisse hoje em Brasília sem um pós-doutorado em arte dramática, ciência política e exibicionismo antropológico, não vai entender nada do que está acontecendo.
Quando os políticos esquecem que em democracia as instituições são o lugar certo para resolver os conflitos e, ao invés, se dedicam a transportá-los para a rua e para os mídia, usando o povo como arma de arremesso, apenas uma coisa têm como certa: mais cedo do que pensam o povo deixará de os apoiar.
A solução não está em ruas cheias de cor apoiando o juiz, o capitão e os seus zeros. Nem nos excessos de alguns grupos que pedem a suspensão do STJ e do Congresso. A democracia aguenta tudo e até permite que os mais radicais se exprimam contra a liberdade.
A solução está em resolver a fragilidade da economia que resulta da corrupção de décadas e de um sistema de Previdência desadequado da realidade. Se ninguém fizer nada rapidamente, talvez nem a democracia possa ser salva.
Como o Brasil não investiu em valorizar a sua população e ao invés decidiu viciá-la em subsídios, os problemas que tem para resolver são maiores e mais complexos que há três décadas atrás.
Para poder sair da crise e alcançar o sucesso é preciso efetuar transformações radicais no “mecanismo” que ainda hoje é o padrão funcional no jogo político do Brasil. Continuar usando o mesmo “aplicativo” não vai dar. É preciso inovar “baixando” outro. Esse é um enrosco.
Sem acordo para mudar as leis de trabalho e da aposentadoria a economia do Brasil nunca vai conseguir, por exemplo, exportar produtos de qualidade para a Europa. Ao invés apenas vai conseguir continuar exportando para lá seus talentos. É uma pena ver tantos profissionais competentes saindo do país.
Por fim há também a questão da confiança. Não aprovar a reforma ministerial seria um sinal de enorme incapacidade. Até os militares sabem que, para os investidores internacionais a corrupção não é pior que a incompetência.
Quando a principal estratégia no jogo político é um presidente defendendo “a voz das ruas” contra o “Congresso”, o Brasil fica bem mais perto de Caracas que de Lisboa e isso, nos dias que correm, não é apenas ridículo, é também perigoso.
Com “atos” assim o capitão rapidamente vai transformar seu rolo num enrosco. Vai ser uma encrenca!
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RUAS, CORREDORES E GABINETES

Artigo de Fernando Gabeira
Vivemos um momento de manifestações, de um lado e de outro, até com a velha disputa: a minha é maior que a sua. Não sou teórico no assunto, mas o fato de ter vivido muitas manifestações ao longo de 60 anos me autoriza a especular sobre elas de modo geral.
Para começar, sei que observadores de fora sempre são vistos com desconfiança. Há uma constante tensão entre manifestações e os modos de calcular seu alcance: técnicas aritméticas de contá-las, diferenças entre o que viram os manifestantes e a PM, os cálculos nunca coincidem. Enfim uma constante sensação de que os movimentos não foram devidamente reconhecidos.
Falando sobre o falso dilema entre governar com conchavos e obter o que o governo quer apenas com pressão popular, ouvi de uma leitora que estava equivocado. Ela parou de ler o texto supondo que condenaria as manifestações pró-governo. Pena, porque alguns parágrafos adiante descrevia as condições em que essas manifestações são perfeitamente possíveis: quando há convergência de propósitos entre manifestantes e governos, um momento em que é preciso mostrar a demanda social por um tema em debate.
Manifestar-se, para mim, é uma forma de autoexpressão válida em si. Jamais analiso as manifestações apenas por seu tamanho. Existem outros critérios decisivos. Até que ponto elas transcendem a pura autoexpressão e contribuem para a solução real do problema?
Neste último caso, elas são medidas por seu grau de eficiência. E isso não depende apenas dos manifestantes, mas de como as forças políticas que eles apoiam vão aproveitar seu impulso positivo.
Tanto nas manifestações pró-governo como nas contrárias a ele procuro encontrar essa lógica. Um pouco como no futebol: a equipe cria condições de gol, mas são os atacantes, em geral, que o completam. Nas manifestações pelas reformas era de esperar que, dentro das instituições, as aspirações coincidentes fossem levadas adiante.
Bolsonaro deu um passo, parecendo compreender a complementaridade política-manifestantes: a assinatura de um pacto com o Congresso e o STF. Acho o pacto inócuo. Não exclui as negociações específicas para que as pautas de reforma caminhem, o que significa obter de fato os votos necessários à sua aprovação.
No caso do Coaf nas mãos de Sergio Moro, houve um curto-circuito entre o que as pessoas pediam nas ruas e alguns políticos do governo prometiam. A realidade é que os prazos e ritos parlamentares tornariam muito arriscado devolver o Coaf ao Ministério da Justiça. Era possível perder toda a reforma do Ministério apenas para salvar um aspecto dela.
Em outro plano, as manifestações pela educação são ainda defensivas. Trata-se de não perder verbas essenciais para seu funcionamento. Mas um tema dessa dimensão para o País sempre se alarga quando entra em debate.
Não se trata apenas de verbas, mas da necessidade de manter a educação no topo da agenda. Nesse caso, cabe uma questão básica: estamos satisfeitos com a qualidade da educação? Como virar esse jogo?
Manifestantes trazem calor, despertam a esperança de uma grande ação para valorizar realmente esse tema no Brasil. Mas quem pode utilizar esse impulso são os grupos políticos.
A oposição apoia o que acontece nas ruas, mas não propõe ainda uma saída. Os dois ministros da Educação que vi passar pelo Congresso foram questionados sobre um plano estratégico. Não tinham. Senti que alguns deputados se contentaram em mostrar que a discussão, da parte do governo, está limitada ao marxismo cultural e ao método Paulo Freire. Não há ao menos um esboço do que deve ser feito nessa frente, a partir do olhar da oposição.
São espaços abertos. Assim como o governo, fortalecido com as manifestações, precisa aprimorar seus métodos de negociação para conseguir as reformas, a oposição será forçada a pensar o tema educacional com mais amplitude. E tentar algumas vitórias.
Quando as equipes jogarem com um mínimo de coordenação entre rua e Parlamento, o ritmo político no Brasil deixará de ser erradio e ineficaz.
A sociedade está dando régua e compasso. Apoiar uma ou outra manifestação, tirar selfies e louvá-las nas redes e mesmo votar de acordo com o prometido não basta. É preciso algo mais que demonstrações isoladas.
É possível argumentar que essa sintonia entre ruas e Parlamentos deveria ser pensada por partidos. Mas a verdade é que eles não existem como intérpretes e realizadores das aspirações. Em ambos os casos, nas reformas e na educação, será preciso criar frentes suprapartidárias para responder com algo mais profundo que um simples tapa nas costas ou um like nas redes sociais.
Possivelmente ainda encontraremos nas ruas grupos antidemocráticos nas suas propostas, como o fechamento do Congresso, ou mesmo na prática, como a violência ou o vandalismo. Essas forças ainda são minoritárias e insignificantes. Mas o que as alimenta é precisamente a ideia de que as manifestações não mudam nada.
Se houver sintonia entre instituições e as ruas, resultados práticos, a tendência é de manifestações cada vez mais pacíficas. E talvez menos frequentes.
Ser parlamentar com as ruas constantemente cheias é uma experiência interessante. Não há o que temer, apenas vislumbrar a oportunidade histórica que não tiveram mandatos em fases de indiferença.
Ali dentro do Parlamento, sozinho ninguém avança. O passo é descobrir quem está percebendo a mesma realidade ou vivendo a mesma ilusão. Só a prática vai mostrar.
Tudo isso acontece num momento difícil. Índices de crescimento baixos, perigo de recessão, gastos nas alturas. O governo depende de um crédito suplementar de R$ 249 bilhões. Isso dá à palavra experiência um interessante sotaque chinês da velha maldição: que vivam tempos interessantes.
Artigo publicado no Estadão em 31/05/2019
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LOUCURA COMO MÉTODO

Monica De Bolle, ÉPOCA
Nem todas as respostas para as perguntas desta vida se resumem à urgência da reforma da Previdência, assim como nem todas as respostas às perguntas sobre os problemas do Brasil deveriam gerar repetecos pelo temor de acusações e de tentativas de constranger quem faz as perguntas. Se algum dia não tivéssemos posto em prática a loucura com método, a vontade de testar limites dentro das restrições existentes, o Brasil provavelmente ainda padeceria de hiperinflação e outros males. Ou teria se tornado uma economia com alto grau de dolarização, com os inúmeros problemas que isso nos traria, como se pode testemunhar com o drama da Argentina. O Plano Real, que em breve completará 25 anos, nasceu dessa loucura metódica. Perdemos a capacidade de pensar dessa maneira depois que Dilma Rousseff e Guido Mantega nos trouxeram a loucura sem método, ainda que tenham sido motivados por dar impulso à economia num momento externo turbulento. Loucura sem método, como a nova matriz econômica, não funciona.
Portanto, a vocês, leitores, ofereço esta semana uma lista no lugar de um artigo. Trata-se de lista de perguntas que tenho me feito todos os dias, algumas das quais têm me levado à loucura, sempre com método. Tratei um pouco disso no artigo publicado no site de ÉPOCA em 24 de maio. Aqui estão:
1. O Brasil quase não cresce há três anos, após a Grande Recessão de 2015-2016. Será que o país atravessa uma espécie de estagnação secular, em que a produtividade não deslancha, as tendências demográficas são adversas e a demanda permanece deprimida sem alguma força que a empurre? A taxa de fertilidade no Brasil é menor do que a dos Estados Unidos, país onde o debate sobre estagnação está a todo vapor. Essa pergunta interessa para que possamos pensar em políticas que destravem o crescimento de longo prazo. E, não, a resposta única não é o mantra. A resposta passa por vários temas que temos de desenvolver, o principal deles sendo a qualidade da educação.
2. Por que um país que cresce tão pouco continua a ter inflação anômala para as taxas de expansão observadas? A inflação hoje está em 4,9%. O Focus, a pesquisa do Banco Central junto ao mercado, projeta-a em cerca de 4% para este ano. Contudo, 4% é muito para um país que não cresce quase nada. Poderia a inflação ser, em parte, o resultado do nó górdio causado por juros altos que pressionam o déficit nominal, embutindo riscos na formação de preços que impedem a inflação de ceder? Recentemente, o economista André Lara Resende, um dos principais formuladores do Plano Real, fez pergunta semelhante, com a finalidade de instigar o debate, apenas para ser duramente rechaçado. Há tipos de perguntas que a intelligentsia nacional não se permite fazer. Mas é curioso que essa pergunta, na realidade, seja mais ou menos o corolário de outra:
3. Por que as taxas de juros no Brasil, considerado o nível de atividade, ainda são tão altas? Verdade que no momento estão um pouco mais baixas, mas para o tomador de crédito segue a anomalia. Essa pergunta já foi feita por diversos economistas, sem que ninguém tenha chegado a uma conclusão satisfatória. Será que a falta de uma resposta reflete premissas equivocadas que já não funcionam para entender o Brasil? Apenas pergunto, na esperança de que alguém tenha a coragem de tomá-la como tema de pesquisa com rigor e método. Quiçá eu mesma.
4. Para que estamos guardando tantas reservas internacionais se já não temos riscos externos relevantes? Há quem ainda não entendeu que, embora as reservas sejam um seguro, isso não significa que o seguro deveria nos proteger de todas as contingências imagináveis, inclusive as que dificilmente ocorrerão, como uma crise de balanço de pagamentos sem dívida externa significativa, com déficit em conta-corrente de cerca de 1% do PIB e com dívida soberana em moeda local. A atitude refratária à venda de parte das reservas equivale a pagar sinistros absurdos para assegurar-se de que seu carro jamais sofrerá um arranhão. Não parece razoável.
5. Por que não podemos usar uma parte das reservas para abater parte da dívida soberana? Ou para dar respaldo a linhas de crédito para investimentos públicos e privados compatíveis com a sustentabilidade ambiental, injetando força na demanda enquanto criamos nosso próprio plano de desenvolvimento verde? Pretendo elaborar essa última ideia em breve.
Enquanto isso, divirtam-se com o quebra-cabeça. Mas lembrem-se: loucura com método, sempre.
*Monica de Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics
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O FOCO NA VIDA BANAL

Do Blog do Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense
Hoje tem manifestações em defesa da Educação, convocadas por entidades estudantis, associações de professores e partidos de esquerda. O protesto nos dará o tamanho da capacidade de mobilização da oposição ao governo Bolsonaro, com destaque para o PT, com suas bandeiras vermelhas e as palavras de ordem que mais mobilizam o partido: “Lula livre!”. Nem de longe se parecem com as manifestações do dia 15 de maio, que foram uma reação espontânea aos cortes de verbas nas universidades e demais estabelecimentos de ensino federais pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub.
As águas rolaram sob a ponte desde aquelas manifestações, que superaram as de apoio a Bolsonaro. O ministro da Educação sentiu o calor do caldeirão e afrouxou o garrote. O presidente da República aceitou o resultado das eleições na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e nomeou reitora a candidata mais votada, Denise Pires de Carvalho. Houve uma certa descompressão, apesar de o problema do corte de verbas persistir. Embora os protestos tenham conteúdo e mobilizem a comunidade universitária, sinalizarão apenas que a resistência à nova política para a Educação continua, mas não haverá uma escalada de radicalização da sociedade.
No decorrer da semana, as conversas entre o presidente Jair Bolsonaro e os presidentes dos demais poderes serviram para desanuviar o ambiente, mesmo com arroubos do tipo minha caneta é mais poderosa que a sua, para não falar outra coisa. Três vertentes do processo determinam a correlação de forças no Congresso: o mercado, as corporações e a sociedade. O governo também é obrigado a levar em conta o comportamento desses três atores. Quando dois deles se agrupam, o terceiro é que sai perdendo.
Nesse aspecto, as ações do governo vêm sendo pautada pelos interesses do mercado, como sua agenda ambiental, e algumas bandeiras que sensibilizam a sociedade, como a do programa anticrime, de Bolsonaro. A relação com as corporações é tensa por causa da Previdência, mas a tramitação da reforma está apenas começando. Os grandes embates se darão por ocasião das decisões em relação ao regime especial de algumas corporações, como policiais, professores, procuradores, magistrados etc. Aí é que o pau vai quebrar.
Agenda liberal

O falecido professor Milton Santos, notável geógrafo, era um observador da vida banal nas periferias do mundo, ou seja, o dia a dia dos cidadãos afetados pela globalização, com suas desigualdades e grande exclusão. Dizia que a captura das políticas públicas pelos grandes interesses privados acaba por deixar ao relento o cotidiano da população de baixa renda, que se vê obrigada a buscar alternativas de sobrevivência numa espécie de beco sem saída social, porque esses interesses estavam mais voltados para o lucro do que para os objetivos das políticas públicas.
Um dos focos do governo Bolsonaro é a vida banal, mas com desconstrução de políticas públicas. Talvez o melhor exemplo seja a nova política de armas, que promove uma ruptura com a ideia de que o emprego da violência deve ser um monopólio do Estado. Ninguém tem dúvida de que a violência é um dos principais problemas da nossa vida urbana e do campo, a venda de armas como alternativa de autodefesa para a população é uma resposta individualista ao problema, tem foco na vida banal, mas à margem da política pública, porque somente uma minoria tem acesso às armas, com destaque para os mais violentos.
Vários projetos do governo em discussão no Congresso têm repercussão em outros aspectos da vida banal, mas à margem das políticas públicas, alguns com objetivo de desarticular movimentos sociais ou reverter a mudança nos costumes. É uma agenda meio liberal, meio conservadora. Em alguns casos, retira o Estado da mediação dos conflitos, sem pôr nada no lugar para proteger os mais fracos dos abusos e da violência dos mais fortes. Os sinais estão em toda parte, inclusive nas perguntas do Censo de 2020, que serão reduzidas em 32% pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para economizar gastos. A maioria das perguntas versa sobre a vida banal da população, serviam para fundamentar políticas públicas, que estão sendo relativizadas ou mesmo abandonadas.
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quinta-feira, 30 de maio de 2019

POPULARIDADE DESGASTADA

Bruno Boghossian, Folha de S.Paulo
Popularidade de Bolsonaro já sofre desgaste entre os mais ricos
O desgaste da imagem de Jair Bolsonaro começou a subir a pirâmide de renda. O presidente já havia perdido pontos entre eleitores mais pobres e da classe média, mas preservava seu capital político nos andares de cima. Pesquisas do último mês sugerem que a insatisfação chegou a quem ganha mais.
O último levantamento XP/Ipespe indicam uma disparada da reprovação a Bolsonaro desde abril em segmentos de renda mais alta. No grupo que recebe mais de cinco salários mínimos, o índice de eleitores que consideram o governo ruim ou péssimo passou de 22% para 41%.
As fatias mais ricas da população foram as primeiras a aderir à candidatura de Bolsonaro durante a campanha, segundo pesquisas da época. O candidato conseguiu consolidar o apoio desses núcleos e, depois, expandiu seu eleitorado para a classe média e para os mais pobres. Agora, a erosão ocorre no sentido inverso.
Números de março registravam que os brasileiros com renda de até cinco salários reduziam sua aprovação ao presidente. Dois meses depois, é possível enxergar uma curva semelhante nas faixas superiores.
Entre eleitores com renda acima de cinco salários mínimos, o percentual de entrevistados que consideram o governo ótimo ou bom caiu de 47% para 34%. A margem de erro nesse recorte é maior, mas os dados apontam para uma tendência relativamente constante nesse grupo.
Regiões que deram vitórias expressivas a Bolsonaro no segundo turno também registram mudanças. No Sul, onde o candidato do PSL recebeu 7 de cada 10 votos válidos, sua aprovação está em 40%. Em janeiro, só 13% dos entrevistados consideravam o governo ruim ou péssimo. Agora, esse índice é de 32%.
A desidratação da popularidade é normal, especialmente no meio de um atoleiro econômico duradouro. As pesquisas, porém, mostram que culpar forças terríveis pelas frustrações do governo não deve colar. Quase metade da população (47%) ainda acha que o governo será bom, mas o tempo está passando.
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HOJE A FESTA É NOSSA !

Em 30 de maio de 2005 estreou o blog político Sou Chocolate e Não Desisto. Um dos primeiros blogs de política do país, atrás apenas do blog do jornalista Ricardo Noblat que teve suas atividades iniciadas em abril de 2004.
Com 5.113 dias no ar, mais de 3,9 milhões de visitas dos seis continentes, a cada dia o blog tem se destacado na blogosfera. Nesses 14 anos, o blog Sou Chocolate e Não Desisto participou de alguns prêmios, entre eles o TopBlog, a maior premiação voltada para a blogosfera brasileira.
Desde a criação do Prêmio TopBlog em 2009, o nosso blog tem ficado entre os 100 blogs (2009, 2010, e 2012) mais votados na categoria política/pessoal pelo júri popular. Em 2011, em segundo lugar pelo júri acadêmico.  Em 2013 ficamos em terceiro lugar pelo júri popular. Neste ano, ficamos entre os 100 blogs mais votados pelo júri popular.
É uma honra ter o reconhecimento desse trabalho. A responsabilidade a cada dia aumenta. Obrigado a todos os leitores, amigos e parceiros. Valeu, galera!
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ESTAGNAÇÃO SECULAR ?

Monica De Bolle,  O Estado de S.Paulo
Em 1938, o então presidente da Associação Americana de Economia (American Economic Association), Alvin Hansen, proferiu discurso perturbador. Era o final da Grande Depressão, mas Hansen sugeria que talvez o mundo estivesse à beira de nova era em que o desemprego seria persistentemente mais elevado do que anteriormente e o crescimento econômico permaneceria muito baixo sem alguma outra força que pudesse empurrar a economia de volta aos níveis de emprego que predominaram antes da crise de 1929. A tese ganhou termo próprio: estagnação secular. Seus principais fatores propulsores seriam a queda na taxa de natalidade e a demanda agregada deprimida em decorrência de fatores diversos. A visão de Hansen provou-se equivocada para a época, mas o economista Larry Summers a retomou recentemente para explicar as taxas de juros reais persistentemente baixas em várias economias maduras. Desde então, o debate sobre a existência ou não de estagnação secular nos países avançados tem sido terreno fértil para o debate econômico.
Até pouco tempo atrás, ninguém no Brasil provavelmente imaginaria que estagnação secular pudesse ser ideia aplicada aos problemas do País. Talvez a ideia tampouco se aplique agora. Mas, na busca por um entendimento sobre as causas do crescimento persistentemente baixo no Brasil, vale a pena refletir sobre quais partes da estagnação secular podem explicar os dilemas atuais. Afinal, o Brasil vive uma crise sem crise, como tenho escrito em outros espaços. Como tenho dito, a crise do crescimento baixo de hoje é inédita no País: não temos crises cambiais ou bancárias a acompanhá-la, ao contrário do nosso passado. Tampouco temos uma crise fiscal aguda, já que não há risco iminente de calote da dívida pública. O que temos é uma crise fiscal crônica para a qual soluções têm de ser encontradas. A reforma da Previdência é, evidentemente, uma delas. Mas não será a partir da reforma da Previdência que o Brasil sairá da armadilha do crescimento baixo.
Tomemos as condições expostas por Hansen. A taxa de natalidade brasileira caiu vertiginosamente nos últimos anos. De acordo com os dados mais recentes, ela está em 1,7 nascimentos por mulher – em 2000, a taxa de natalidade era de 2,3. Ou seja, em pouco menos de duas década, a taxa de natalidade do País caiu mais de 25%. A taxa de natalidade brasileira é, hoje, menor do que a do México (2,2), do Chile (1,8), da Argentina (2,3). Ela é também menor do que a dos EUA (1,8), da França (1,9), do Reino Unido (1,8), e iguala-se a da Bélgica.
Do lado da demanda, os dados brasileiros deixam poucas dúvidas sobre seu estado deprimido. O consumo das famílias cresce pouco desde a Grande Recessão de 2015-2016, o investimento doméstico não dá sinais de vida, e os gastos do governo estão limitados por restrições e medidas diversas. As razões para o baixo consumo das famílias são conhecidas: desemprego elevado, ganhos salariais reais limitados, incertezas quanto aos rumos da economia, e, em menor grau do que no passado, o ainda alto nível de endividamento das famílias. Os motivos para o desempenho pífio do investimento também são conhecidos e ultrapassam as justificativas fiscais: a carência de infraestrutura, as incertezas permanentes, o ambiente geral de baixa competitividade, além de outras razões ajudam a explicar porque o Brasil tem uma das piores taxas de investimento não só entre grandes países emergentes, mas na América Latina. É verdade que nossas taxas de juros reais não são tão baixas assim, ao menos não quando comparadas às das economias maduras. Mas, hoje a diferença entre a Selic e a taxa de inflação corrente é de apenas 1,6%. Se usarmos as expectativas de inflação doze meses à frente, essa diferença é de 2,4%.
Portanto, diagnóstico preliminar de que a economia brasileira hoje flerta com a estagnação secular, sobretudo diante das recorrentes revisões para baixo do PIB para 2019 – o que revela que nos últimos três anos a economia brasileira não terá tido fôlego para crescer mais do que cerca de 1% ao ano – não parece descabido. Se é essa a situação que temos, estão faltando avaliações rigorosas sobre como seria possível abrir espaço para medidas anticíclicas já no curto prazo. Inevitavelmente, tais medidas iriam requerer mudanças bem embasadas e justificadas no teto dos gastos. Mas esse é assunto para uma próxima coluna.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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BOLSONARO FLERTA COM O AUTORITARISMO

Da ISTOÉ
A boa-fé do político é a clareza; Jair Bolsonaro é a escuridão – toda vez que ele se manifesta, pessoalmente ou no Twitter, dá curto-circuito na democracia do País. Bolsonaro aposta na confusão social e política, como o faz todo governante com temperamento autoritário, porque é nesse clima que ele consegue se vitimizar e responsabilizar os demais poderes republicanos pela paralisia do Brasil – enquanto a culpa é dele próprio, devido, sobretudo, a sua incompetência, inépcia e inabilidade. O truque é velho demais e frequenta a agenda dos que narcisicamente deliram com a perpetuação no poder. Bolsonaro deu as costas à classe política e menospreza o Congresso – poder constituinte imprescindível ao funcionamento democrático de uma Nação -, e isso ocorre desde o primeiro minuto de seu mandato. Nos últimos dias, no entanto, o capitão da reserva ultrapassou os limites de freios e contrapesos inerentes ao Estado de Direito e aos regimes representativos, flertando abertamente com o autoritarismo ao dar motivo à organização de uma manifestação em seu apoio, agendada em cinquenta cidades do País para esse domingo 26. Bolsonaristas radicais alardearam ao longo da semana que “um protesto estava sendo montado”, e a primeira pergunta, a mais óbvia de todas, é a seguinte: protestar contra o quê? É ridículo, mas só se for para protestar contra o próprio Bolsonaro, pois não é outra pessoa, senão ele, a responsável pela fomentação das crises nacionais – nelas incluído o choque entre os poderes federativos.
A ideia do “protesto” flerta com o autogolpe autoritário, pega na mão do arbítrio e beija o regime de exceção, a tal ponto que apoiadores de Bolsonaro, do primeiro time à época de sua campanha eleitoral, não concordam inteiramente com esse ato. O movimento empresarial Brasil 200, por exemplo, que tem entre seus representantes os empresários Flávio Rocha e João Appolinário, diz sim às palavras de ordem que cobram do Legislativo as aprovações da Reforma da Previdência e do pacote anticrime do ministro Sergio Moro. O movimento é literalmente avesso, porém, aos extremismos que pregam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. “A forma como a proposta da manifestação surgiu era um pouco nebulosa, vimos pessoas com hashtags sobre invadir o Congresso e o STF”, diz Gabriel Kanner, presidente da entidade. “A nossa orientação é refutar qualquer tipo de pedido nesse sentido”. No interior do Brasil 200, as mensagens de Whatsapp que se liam na semana passada explicitavam “parabéns ao Flávio por não aderir ao ato golpista de Bolsonaro”, “peço a todos que repensem qualquer apoio a esse governo” e “estamos num momento gravíssimo”. Ou seja: o conservadorismo clássico do Brasil 200, que pode até ser de direita, quer economia liberal e democracia política, mas jamais ditadura. O igualmente conservador Movimento Brasil Livre (MBL) segue no mesmo rumo. “Pautas como o fechamento do Congresso e do STF são antiliberais”, diz o deputado federal Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL. Assim, nem entre os recém-criados grupos e legendas direitistas o presidente recebe apoio integral. A favor do “protesto” – comandado principalmente por dissidentes radicais das diversas organizações que atuaram em sua campanha eleitoral -, bolsonaristas postaram mensagens que, inimaginavelmente nos dias atuais, de fato pregavam o fechamento da Corte Suprema, da Câmara e do Senado. Nas ruas, o que se verá serão reivindicações em todos os sentidos, algumas plausíveis exigindo as reformas, outras malucas atraindo um golpe.
Hamlet e o reino do Brasil
O presidente Jair Bolsonaro, passando por cima de todos e por cima de tudo, quer uma ligação direta com as ruas e vislumbra o atalho populista – idêntico ao seguido pelo bolivarianismo na arrasada Venezuela -, que descarta as necessárias e saudáveis intermediações de partidos, Parlamento e Justiça na práxis de governar. Se isso é devaneio de Bolsonaro, que julga ter chegado ao Planalto como “missionário de Deus” ou se achando “o próprio Deus”, como o qualificou no Facebook o pastor congolês Steve Kunda, o certo é que tal surto não é um problema somente dele, de seu clã e seguidores, em relação ao qual podemos dar de ombros. Não! Trata-se de loucura que recai sobre todos os brasileiros e que apenas na aparência é oca de sentido. Que ninguém, nem o mais puro coração da Terra, se engane: Bolsonaro, em seu vaivém de morde e assopra o Congresso, de morde e assopra o STF, é o emblema sem retoques de uma das mais geniais análises de William Shakespeare, na tragédia Hamlet, quando o moço príncipe dá sinais de descolamento da realidade. A seu respeito, o conselheiro do reino sentencia: “Loucura embora, lá tem seu método”.
A perigosa metodologia presidencial começou a ser exposta de forma contundente quando, pelas redes sociais, o mandatário divulgou uma mensagem, até então apócrifa, falando de “ingovernabilidade” no Brasil devido às “corporações” instaladas na elite do poder, sobretudo no Congresso (declarou-se posteriormente como autor da escrita o engenheiro Paulo Portinho). Qualquer governante que tivesse uma gota de bom senso no sangue teria jogado a mensagem no lixo, mas o “mito” preferiu tocá-la à frente e com a recomendação de “leitura obrigatória”. Daí veio para militantes extremistas o combustível para as manifestações. Terá gente ponderada no ato? Sim. Mas também terá aqueles que se movem somente pela ideologia e doutrinação, sem compromissos sérios com o País. Até as paredes do Palácio do Planalto, já escoladas nas tramas ideológicas à direita e à esquerda, sabem que Bolsonaro assim agiu com a mensagem de Portinho porque é incapaz de assegurar politicamente a governabilidade. Além disso, era a chance de ele falar em “ruptura” institucional e testar o povo. Houve quem aderisse à tal projeto imediatamente, feito os dirigentes do Clube Militar, que assumiram a convocação no Rio de Janeiro – é todo mundo da reserva e sem comando de tropa. E o líder do governo no Senado, major Olímpio, que orgulhou-se em dizer que “encabeçava o movimento” – eis uma frase que de fato lembra golpe: “encabeçava o movimento”.
ESTRATÉGIA Jânio renunciou falando em “forças ocultas e terríveis”. Pensou que o povo o reconduziria ao Planalto. Bolsonaro faz o inverso: primeiro testa as ruas para depois, quem sabe, tentar o golpe
O transatlântico e a canoa
Houve, no entanto, uma espécie de vitória antecipada das instituições democráticas, à medida que o próprio presidente do PSL, deputado federal Luciano Bivar, veio a público declarar que “a manifestação é sem sentido”. Contrário, também, dizia-se o líder do governo na Câmara, deputado federal Vitor Hugo. Finalmente, outra dura crítica à manifestação foi imposta pela deputada estadual Janaina Paschoal, de São Paulo. Com a força e o prestígio de parlamentar mais votada, Janaina iniciou os primeiros movimentos para deixar o PSL e disparou que o presidente está “gerando crises”. Na mesma linha foi o líder da comissão da Reforma da Previdência, Marcelo Ramos, para quem Bolsonaro arma “uma cilada”. “O problema dele não é com o Congresso nem com os parlamentares do centrão. É com a democracia e as instituições”, diz Ramos. “É surreal que alguém que viva da política há vinte e oito anos, que botou a família inteira na política, diga agora que a política não presta”. Para atar as duas pontas do cordão de isolamento que se faz em relação a Bolsonaro e ao seu personalismo, integrantes de dez partidos (entre eles PSDB, Cidadania, PT e PDT) reuniram-se em São Paulo e criaram uma cúpula suprapartidária de oposição, lançando o movimento “Direitos Já, Fórum pela Democracia”. Todas essas pessoas concordam com reivindicações realistas, mas é claro que jamais endossariam nem endossarão atitudes contra a democracia.
Com certeza Bolsonaro não esperava ficar tão isolado e nem supunha que o desembarque de tanta gente, daquilo que já lhe foi um transatlântico de apoio e hoje virou canoa sem remo, se daria com tamanha rapidez. Restam-lhe as ruas, mas as ruas são uma incógnita – e, nelas, ele não poderá estar pessoalmente para não correr o risco de impeachment por crime de responsabilidade. É bastante razoável supor que boa parte da militância radical anônima esteja presente no tal “protesto”, mas a cartada do presidente é contar com massiva participação do cidadão, digamos, comum. É dele que Bolsonaro precisa para se apoiar, após afrontar abertamente as instituições e, particularmente, a classe política. Jair Bolsonaro não conhece a história de seu próprio País, sequer a mais recente, porque, se a conhecesse, não teria esticado a corda sob risco de vê-la arrebentar.
Bastaria a ele lembrar de Fernando Collor e Dilma Rousseff, que quando se sentiram náufragos no mar de lama da corrupção insuflaram a população. Apelaram às ruas. E caíram do poder. Ainda no campo da história, a estratégia de Bolsonaro se aproxima, sobretudo, da tática de Jânio Quadros, em agosto de 1961. Jânio renunciou após sete meses na Presidência da República, falando em “forças ocultas” e “forças terríveis” que o impediam de governar. Tudo mentira. Ele acreditou que o povo o reconduziria nos braços ao Planalto, tal a sua popularidade sob o lema de “varrer a bandalheira”. Aconteceu o inesperado: o povo silenciou. Bolsonaro transformou as “forças ocultas” em “corporações” que levam à “ingovernabilidade”, mas está tomando uma precaução: testa as ruas antes de tentar o autogolpe. Seguindo o axioma matemático, a ordem dos fatores foi invertida, porém o resultado é bem provável que seja o mesmo: o suicídio político.
A RUA E A QUEDA DE PRESIDENTES DA REPÚBLICA
Sempre que um governante do Brasil convoca a população para defendê-lo em praça pública, em uma situação de crise de poder, ele se dá mal. É quase uma regra. Começou com Jânio Quadros, que em agosto de 1961 tentou dar um golpe denunciando “forças terríveis e ocultas” que estariam atuando contra ele. Acabou sem apoio e sem cargo, além de ser classificado como lunático. Nenhum cidadão mexeu uma palha para mantê-lo no governo.
Outro caso notável é o do ex-presidente Fernando Collor, que, atolado em denúncias de corrupção, convocou, no dia 13 de agosto de 1992, em um pronunciamento na televisão, a população a vestir as cores verde e amarelo no domingo 16 e sair às ruas em defesa do governo. Seria uma resposta aos que o acusavam de corrupção. Em vez do verde e amarelo o que se viu foram milhares de jovens e adultos tomando as ruas das capitais vestidos com roupas negras e com o rosto pintado na mesma cor, em um sinal de luto contra a roubalheira. O movimento ficou conhecido como “caras-pintadas”. O mandato de Collor acabou em impeachment.
Dilma Rousseff, que, mais recentemente, chamou a população para ir às ruas defendê-la, também deu com os burros n’água. O chamado serviu de pretexto para a oposição se mobilizar. Diversas manifestações que reuniram centenas de milhares de pessoas tomaram o País entre 2015 e 2016 e definiram o seu destino, Dilma, pediu apoio do povovo. Também acabou sendo deposta.
Colaboraram Germano Oliveira e Vicente Vilardaga
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quarta-feira, 29 de maio de 2019

BRIGA E MORTE

Um pastor de uma igreja pentecostal matou outro pastor da mesma denominação com golpes de faca e pedra, na madrugada dessa quarta-feira, 29, em Timbaúba, Zona da Mata de Pernambuco. Após uma discussão por causa da bíblia, José Carlos da Silva, 54, deu facadas em Paulo Germano da Silva, 58. O autor do crime foi preso em flagrante e encaminhado para a delegacia do Município.
De acordo com a Polícia Militar, os dois estavam em um quarto, por trás da igreja pentecostal, que fica no Bairro Coronel Maranhão, quando iniciaram uma discussão relacionada à Bíblia. Durante o desentendimento, José Carlos pegou duas facas e golpeou o colega de congregação. A vítima ainda tentou correr, mas foi alcançada e levou pedradas.
Após a ação, José Carlos fugiu para a casa de uma irmã, onde poucas horas depois foi localizado e preso pela PM. Ele confessou que cometeu o homicídio.
Investigação
O caso foi registrado e será investigado pela 46ª Delegacia de Polícia de Timbaúba. O suspeito do crime será encaminhado para audiência de custódia no Fórum da cidade, onde será ouvido pelo juiz de Direito da Comarca de Timbaúba.
O corpo do pastor Paulo Germano da Silva foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML), no bairro de Santo Amaro, área central do Recife.
Do Jornal do Commercio, via O POVO
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TRINTA DIAS AFASTADO

Do UOL
O historiador e comentarista político Marco Antonio Villa foi afastado pela direção da rádio Jovem Pan por 30 dias. Ele foi comunicado da decisão na última sexta-feira (24), logo depois de sua participação no "Jornal da Manhã".
"Não estou de férias nem fui demitido", iniciou Villa, em contato com UOL, por telefone. "O que aconteceu foi o seguinte: após o 'Jornal da Manhã' recebi a comunicação do vice-presidente da empresa [José Carlos Pereira] dizendo que não queria os meus serviços pelos próximos 30 dias", completou.
Ele disse ter recebido o pedido de afastamento com "surpresa". "Recebi o comunicado com surpresa e não gostei, obviamente. Mas é evidente que eu aceitei. Continuo trabalhando, potencializando nas redes sociais, no meu canal no YouTube (enquanto o país está explodindo)", alfineta.
Crítico feroz do governo Bolsonaro, Villa afirmou ainda que as suas análises sempre incomodaram. "Eu sempre tive a postura crítica em relação aos quatro últimos governos: Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Isso incomoda o nosso poder. O poder nunca gostou de críticas", prossegue.
Embora mantenha críticas ao governo de Jair Bolsonaro, o comentarista político não sabe dizer se o atual presidente foi quem pediu o seu afastamento. "Seria leviandade da minha parte dizer que ele teve um dedo nessa história. Não posso dizer que 'sim', nem que 'não'. Seria uma irresponsabilidade", avalia.
"Não é agradável o que eu estou passando, não sou moleque, tenho história, compromisso com a história. Mas como diz o poeta: 'tenho que manter a espinha ereta e o coração tranquilo'. Não me dobro aos poderosos", avisa.
Questionado se irá retornar ao ar após os 30 dias afastado, Villa afirma não ter decidido: "Estou refletindo se volto ou não".
O afastamento de Marco Antonio Villa gerou repercussão e muita especulação nas redes sociais. O nome do historiador ocupou a lista de assuntos mais comentados no Twitter. "Recebi centenas de mensagens, telefonemas e e-mails ao longo do dia", disse ele, surpreso.
A reportagem do UOL tentou contato com a assessoria da rádio Jovem Pan, mas não teve retorno até o momento.
"Bolsonaro nunca pediu 'cabeça'"
Através de comunicado lido por Felipe Moura, diretor de jornalismo da Jovem Pan, a rádio informou que o presidente Bolsonaro nunca pediu a cabeça de ninguém na empresa.
"Antes de continuarmos com o programa, um breve esclarecimento institucional: blogueiros sujos publicaram na internet que o presidente Bolsonaro mandou e a Jovem Pan demitiu o historiador Marco Antonio Villa. O Grupo Jovem Pan informa, nesta terça-feira, 28 de maio de 2019, que são duas fakes news: Villa, nesse período que compreende semanas de maio e junho, está de férias, e Bolsonaro nunca pediu 'cabeça' de qualquer profissional da empresa", disse Moura no programa "Os Pingos Nos Is".
Ao UOL, Villa negou que esteja de férias. "De férias, eu não estou. Nunca tirei férias, não seria agora com essa situação do país que tiraria."
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PIADA SEM GRAÇA !

Do EXTRA
O prefeito do Rio Marcelo Crivella, causou mal-estar na tarde desta terça-feira, durante um encontro com taxistas no Palácio da Cidade, quando fez uma piada sobre as constantes quedas da Ciclovia Tim Maia. Num momento tenso do encontro, quando os profissionais pressionavam Crivella, fazendo perguntas e pedindo leis mais rígidas para aplicativos, ele tentou aliviar o clima e fez a piada com a construção, que, em 2016, despencou um trecho, deixando duas pessoas mortas.
— Tem muito vascaíno aqui, não? Eu queria até consultar vocês. O pessoal está me sugerindo aqui de colocar o nome de ciclovia de Vasco da Gama. Está caindo muito — disparou o prefeito, sob protesto de parte dos presentes:
— "Então, pela reação, proposta rejeitada. Rejeitada".
Poucos minutos depois, o chefe do executivo municipal tentou se justificar e arrependido, pediu desculpas. A "brincadeira" foi uma referência aos três recentes rebaixamentos do clube carioca.
— Eu errei, peço desculpas. Eu tenho parentes vascaínos, amigos vascaínos. Foi uma brincadeira inadequada. Eu respeito muito os vascaínos. Tenho familiares meus vascaínos — disse.
Em nota, a diretoria do Vasco repudiou a declaração de Crivella: "O Club de Regatas Vasco da Gama repudia a descabida declaração do prefeito Marcelo Crivella e lamenta que o chefe do Poder Executivo Municipal, eleito para zelar pelo bem público e, sobretudo, pela vida dos cidadãos, tenha se referido de forma tão desrespeitosa a uma tragédia com perdas humanas. O Vasco da Gama se solidariza com os parentes e amigos das vítimas da queda da ciclovia Tim Maia".
Um pouco antes da piada com o Vasco da Gama, o prefeito já tinha provocado constrangimento ao afirmar que taxista é igual a ele: "Trabalha muito, mas sempre tem gente falando mal". Parte da plateia não gostou:
- Foi uma maneira de colocar a coisa. Estamos vivendo uma fase muito difícil, trabalhando muito, e as vezes as pessoas não conseguem entender e reclamam. Esperam que você faça muito mais - disse o prefeito depois, também se justificando.
Crivella, disse, ainda durante entrevista aos jornalistas, que o município vai recorrer da decisão da Justiça do Rio que determinou o fechamento da Avenida Niemeyer. Ele voltou a dizer que os técnicos da Geo-Rio, órgão responsável pelas encostas do município, foram unânimes em garantir que não há risco de deslizamentos na via.
— A Prefeitura ficou surpresa com a decisão. Uma das coisas de que me orgulho é de ter na Geo-Rio engenheiros espetaculares e competentes. Eu lamento mais uma vez que a Justiça decida sem ouvir a Prefeitura do Rio. Tem que ouvir a Prefeitura antes de tomar uma decisão. Então estamos ingressando com um recurso, explicando que não há risco — afirmou Crivella.
No entanto, um dos pontos da decisão do TJ, é que a via seja liberada apenas após aprovação de técnicos indicados pelo próprio tribunal.Uma das principais vias de ligação entre os bairros da Zona Sul e a Zona Oeste, a Avenida Niemeyer foi fechada às 15h12, pouco antes do fim do prazo determinado pela Justiça. O prefeito revelou ainda que a prefeitura já montou um plano emergencial enquanto durar a decisão. Na noite da última segunda-feira, a 3ª Vara de Fazenda Pública concedeu parcialmente uma medida cautelar de urgência requerida pelo Ministério Público do Rio (MP), que solicitava a interdição da avenida. O MP também pediu a retirada dos moradores, mas não conseguiu.
— Desde fevereiro já estamos fazendo um plano de emergência na Avenida Niemeyer — disse o prefeito. Crivella revelou que espera reverter a decisão.
As declarações de Crivella foram dadas na tarde desta terça-feira, durante encontro com taxistas no Palácio da Cidade, para comemorar os 18 meses do aplicativo Taxi-Rio, uma iniciativa da Prefeitura do Rio. O prefeito aproveitou a conversa para fazer uma espécie de prestação de contas, voltando a criticar as concessionárias que administram a Linha Amarela e o VLT. Também garantiu que no próximo ano não vai repassar qualquer centavo ao Carnaval do Rio.
O encontro reuniu cerca de 200 motoristas. Pioneira na gestão pública de táxis no país, a plataforma Táxi.Rio é administrada pela Empresa Municipal de Informática (IplanRio) e conta atualmente com mais de 25 mil taxistas cadastrados, e desde sua criação já concedeu R$ 75 milhões em descontos aos passageiros, com mais de 7 milhões de corridas realizadas.
Em janeiro deste ano, Crivella protagonizou um "embate" com o Ministério Público, quando promotores condenaram a reabertura da Ciclovia Tim Maia. Na ocasião, o prefeito do Rio disse "não ter dúvidas" de que a construção era segura, e chegou a trafegar pela via dirigindo um rolo compressor. Em fevereiro, mais um trecho da pista caiu, e ela voltou a ser bloqueada. Em abril, um quarto trecho também despencou.
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terça-feira, 28 de maio de 2019

O LIMITE ENTRE AS RUAS E O GOVERNO

Míriam Leitão, O GLOBO
Quem foi para a rua, mesmo para criticar as instituições democráticas, tinha o direito de estar lá. Na democracia, essa liberdade é consagrada. A questão a discutir não é o ato em si, mas toda a ambiguidade que está presente em alguns atos e palavras das autoridades. O presidente Jair Bolsonaro que considerou legítimas as manifestações de domingo chamou de “idiotas” os que fizeram os protestos do dia 15. São dois pesos, duas medidas. Ele não foi, mas deu um mote enviesado quando divulgou, dias antes, texto em que sugere que está sendo impedido de governar, e ontem ao falar que o movimento fora “um recado contra aqueles que teimam nas velhas práticas”.
Bolsonaro deixa subentendidos demais quando fala sobre a relação com o Congresso. Dá a entender que seus problemas são derivados de os políticos o estarem pressionando para usar a moeda da corrupção nas negociações para formar uma coalizão. E essa mensagem esteve presente nos atos de domingo, personificada no ataque direto ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
Já as críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) estiveram presentes até na boca de parlamentares do partido. O deputado estadual Filippe Poubel (PSL-RJ) repetiu a frase do terceiro filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro: “Para fechar o Supremo só precisa de um soldado e um cabo.” O senador Major Olímpio (PSL-SP) ameaçou: “Nos aguarde STF.”
Isso não quer dizer que a maioria dos que foram às ruas tinha esse objetivo, mas o fato de ser dito em alto e bom som por parlamentares do partido do presidente não pode ser subestimado. A democracia aceita protestos contra as instituições que a sustentam, mas essas falas, entre tantas outras, mostraram que o governo Bolsonaro flerta frequentemente com a ameaça à democracia.
O país está diante de uma situação difícil. A economia não deslancha, a confiança dos empresários e operadores de mercado está em queda livre, as contas públicas estão com forte déficit. Além disso, é necessário passar pelo Congresso matérias complexas, como a reforma da Previdência, o crédito suplementar de R$ 248 bilhões, a mudança na lei de teto de gastos para permitir o acordo com a Petrobras e a distribuição dos recursos. Se não tiver um bom diálogo com o Parlamento, o Executivo pode enfrentar derrotas e alterações indesejáveis nos projetos.
A manifestação não foi tão grande que tivesse dado a Bolsonaro o capital político extra com o qual ele sonhava. Mas foi relevante. E poderia até fortalecer as reformas, se Bolsonaro demonstrasse empenho em construir uma maioria para aprová-las. Ele estimulou a ida às ruas para dar uma resposta aos protestos contra os cortes na educação. Não foi por entusiasmo com a mudança da Previdência. Como ele já disse várias vezes, se pudesse, não faria a reforma.
O grande problema tem sido a dificuldade de o presidente Bolsonaro entender que quem é eleito governa, quem não tem maioria tem que negociá-las, quem comanda o Executivo precisa defender seu projeto diariamente. Que as redes sociais sempre serão uma forma subsidiária de comunicação e que o tempo de suas declarações irresponsáveis — quando era apenas um parlamentar de desempenho pífio — encerrou-se quando foi escolhido para liderar o país nas últimas eleições.
Nas manifestações de domingo havia pessoas defendendo suas convicções. Excelente. Foi para isso que o país lutou contra o período ditatorial que por tanto tempo reprimia, muitas vezes com violência, qualquer passeata, e que editou um Ato Institucional que proibia reuniões políticas. A democracia aceita até que se manifestem os saudosistas do tempo em que a liberdade foi cerceada. Mas cabe às lideranças do país tomarem precauções para não incentivar um tipo de ataque às instituições como algumas que foram vistas nas ruas de domingo. Pedir o fechamento do Supremo, demonizar qualquer negociação política como sendo pressão pela “volta das velhas práticas”, afirmar, como fez Bolsonaro, que é preciso “libertar” o país é atravessar uma linha que não deve ser transposta numa República que teve duas ditaduras nos últimos 90 anos. Que as ruas falem sempre o que quiserem, mas que os governantes tenham a lucidez de não ecoarem os extremos.
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BOLSONARO, O INFILTRADO

Ascânio Seleme, O GLOBO
Algumas poucas vezes ao longo dos seus primeiros cinco meses de governo o presidente Jair Bolsonaro surpreendeu positivamente. Sua declaração contra os que querem ir ao ato de hoje para atacar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional foi uma dessas vezes. Bolsonaro fez a afirmação durante café da manhã com jornalistas, o quinto encontro desse tipo marcado pelo presidente, e que também podem ser incluídos na sua lista de bola dentro. Quem defender o fechamento do STF e do Congresso “estará na manifestação errada”, disse. “Isso é manifestação a favor de Maduro, não de Bolsonaro”, concluiu o presidente.
Não podia estar mais correto. Os Poderes constituídos são a base da democracia. Pode-se até criticar o Supremo e o Congresso por decisões que tomarem, mas jamais pregar o seu fechamento. Os que acusam o Judiciário e o Legislativo pelos problemas de Bolsonaro estão equivocados. Os que sugerem que a saída é interromper o funcionamento das duas casas maiores são pessoas de baixa qualificação cognitiva e falam da boca para fora sem medir consequências.
O próprio Bolsonaro já atacou o Supremo mais de uma vez. Ele também defendeu, pouco antes da eleição, aumentar de 11 para 20 o número de ministros do STF. “Para equilibrar as coisas”, nas palavras de seu filho Eduardo, o ideólogo da família, sugerindo um viés de esquerda dos membros da casa. Bobagem, claro, mas enfim, era assim que os Bolsonaro pensavam no ano passado. O mesmo filho disse, algum tempo antes, que bastariam um soldado e um cabo para fechar o Supremo.
O presidente também já bateu à vontade no Congresso. Outro dia mesmo afirmou que o grande problema do Brasil é a classe política. Nesse caso o ataque era generalizado, e ele ressaltou que incluía-se dentro da citada classe problemática. Em momentos mais remotos da sua atividade política, Bolsonaro defendeu a ditadura, estado que pressupõe um Executivo forte que funcione sem fazer consultas e sem sofrer avaliações, com o fechamento ou a submissão dos outros Poderes. Esse é o problema do presidente. Ele diz uma coisa num dia e outra diferente no dia seguinte.
No café com jornalistas, o presidente disse também que, embora condene os ataques, nada impede que durante o ato “apareça um infiltrado defendendo essas ideias e usando a camisa amarela”. Quer dizer, ele condena quem ataca, mas admite que haja, no meio da manifestação a seu favor, gente gritando pelo fechamento do STF e do Congresso. Trata-se do famoso “morde e assopra”. Condena, mas não tanto assim. E, ao que parece, perdoa os que se equivocarem.
O presidente é ele próprio um infiltrado. Assumiu o comando da nação depois de anos produzindo declarações contra a democracia e a favor de qualquer barbaridade que lhe parece apropriada. Como a tortura, por exemplo. O presidente Jair Bolsonaro é um infiltrado no jogo democrático. Nenhuma dúvida. O importante é que agora, com o poder que obteve das urnas, continue produzindo considerações como aquela do café da manhã.
Jogar a favor dos Poderes constituídos é obrigação do presidente da República. Ao defender o Supremo e o Congresso, Bolsonaro estava simplesmente cumprindo uma de suas principais atribuições constitucionais. Mesmo assim pode-se dizer que, vindo de quem veio, ele fez muito bem.
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O JOIO E O TRIGO

Artigo de Ricardo Alcântara, Focus
Não é de todo improcedente a queixa de Jair Bolsonaro: a democracia é o pior regime, à exceção dos demais – alguém já disse. Frequentemente, é refém de interesses que os filhos jamais confessam às mães. É óbvio? Sim, mas precisa ser dito todo dia: lidar com a classe política brasileira é atividade com elevadas taxas de insalubridade.
Mas não deixa de ser uma confissão de fraqueza quando um presidente, com apenas cinco meses de mandato, declara o país “ingovernável” e, a seguir, recorre às ruas para não fechar as portas. À parte a conjuntura difícil, parte dos problemas são de sua própria lavra: ele não consegue levar sequer seu próprio partido, PSL, a agir em bloco em votações decisivas para seu governo, a toda manhã decide algo do qual recuará ao cair da tarde e, populista irredutível, não parece sustentar o ônus político da reforma que propõe, a todo instante acenando com recuos.
Gilmar Mendes não chamou os professores de “idiotas”. Não é do Centrão a proposta de dar posse de fuzis automáticos para cidadãos comuns. A imprensa não nomeou a irmã de milicianos para a tesouraria do PSL do Rio. E o Queiroz não está escondido no apartamento do Chico Buarque em Paris! Foi Jair Bolsonaro quem, com trinta anos de parlamento, vendeu a ideia de que controlaria aquilo tudo com seis generais no primeiro escalão. Apontar soluções simples para problemas complexos é ingenuidade ou má fé (ao benefício da primeira, por experiência, ele não tem direito).
O presidente fez sua aposta no domingo. Se o nível de adesão às manifestações não foi suficiente para emparedar as instituições, tampouco corresponde à imagem de um presidente mergulhado na solidão de seu palácio à espera da terrível visita. O bolsonarismo raiz mandou recado: ainda estão rolando os dados.
Defender os termos da Reforma da Previdência e do pacote Anticrime proposto pelo governo é um ato legítimo e as medidas não conflitam com as propostas eleitorais do escolhido. Contudo, há grande diferença entre investigar a conduta de ministros do Supremo Tribunal, pois não estão acima da lei, e sugerir o fechamento da instituição cuja missão é zelar pela Constituição. Igualmente distinto é condenar a conduta ética de lideranças dos partidos e, por outro lado, como se observou, exigir o fechamento do congresso mediante uma exótica “intervenção militar constitucional”, eufemismo fajuto para golpe militar.
Defendo uma democracia forte, munida de mecanismos de contenção sobre atos que tenham por objetivo explícito a abolição de seus termos. Gente que defende aquilo deveria ser identificada e recolhida às delegacias de polícia. A quem deseja amordaçar as instituições, sugiro que dê o exemplo: comece por interditar, inicialmente, sua própria liberdade, se a considera um bem acessório, descartável ou indesejável ao desenvolvimento equilibrado de uma nação. É mais coerente.
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segunda-feira, 27 de maio de 2019

O CAMINHO DO MEIO NA POLÍTICA

Artigo de Fernando Gabeira
Depois de um longo dia de trabalho em Oeiras, no centro-sul do Piauí, fui contemplar a lua cheia e vi um corpo brilhante sobre ela. Era Júpiter, que se aproxima todo mês, mas aparece claramente quando a lua é cheia. Fotografei com prazer aquela presença. Uma conjunção feliz, pois nos traz algo de novo ao alcance do olho nu.
Do meu posto de observação da história contemporânea do Brasil, conjunções são raras, desastres mais comuns, não é raro ver a vaca ir pro brejo.
O documento que Bolsonaro divulgou sobre as dificuldades de governar o país nos coloca diante de uma alternativa: governar com conchavos e perpetuar a corrupção ou usar a força popular para provocar mudanças, o que tende a desembocar no autoritarismo.
Existe um caminho do meio, uma nova forma de de se relacionar com o Congresso que ainda não foi experimentada amplamente. Não há garantia de êxito, mas certamente vale a pena tentar.
É uma ilusão supor que os congressistas sempre se curvam à maioria. Foram eleitos também, e para muitos a opinião de seus próprios eleitores pesa mais do que a da maioria.
Uma saída seria atrair o Congresso na execução do Orçamento, tornar políticos de uma região responsáveis também por uma série de obras programadas para ela. É uma parceria que não acaba com o fisiologismo. Mas pelo menos o isola um pouco, oferecendo aos envolvidos uma forma de superar o medo de que seus eleitores pensem que nada fazem por eles.
Pela experiência no Congresso, não considero apenas os fatores materiais. Há um grande muro simbólico a ser derrubado.
Os deputados e senadores seriam mais felizes se pudessem aprovar seus próprios projetos e não serem sufocados por medidas provisórias e pautas oriundas do governo. Há um desequilíbrio aí, e ele já existe há muitos anos.
Ainda num campo simbólico, a atenção de um presidente e uma palavra de apoio ao seu trabalho representam para um deputado mais que verbas. Não recomendo um expediente de relações públicas, como mandar um telegrama no dia do aniversário.
Seria necessário um autêntico interesse pela produção dos parlamentares, uma noção de sua trajetória, uma tentativa de impulsionar o que tem de melhor: jovens começando a carreira, veteranos especializados em alguns temas, todos amparados por um corpo técnico competente.
Pode ser bobagem o que vou dizer, mas os presidentes falharam de uma certa forma em buscar esse caminho e suas variantes.
De um modo geral, chegam ao governo depois de uma grande campanha eleitoral. Ao contrário de terem resolvido as ilusões do ego, eles aceleram a viagem e colocam-se num outro patamar: sabem mais que os outros, são acontecimentos inéditos na história, enviados de Deus. E há os mais distantes, como Collor e Dilma, que claramente não tinham esse dom.
O caminho do meio depende de um presidente que realmente leve a sério o Congresso. Isso não exclui que, em certos momentos, existam manifestações não a favor do governo, mas a favor de alguma bandeira que coincide com algo bem claro no jogo democrático.
Nesse caminho do meio não há avanços vertiginosos. Quem os espera se decepciona. Sem ilusões sobre o Congresso. Não se trata de fazer um avião decolar. Na verdade, trata-se de pôr em marcha uma geringonça.
Essa imagem não é depreciativa. Assim os portugueses chamam sua experiência relativamente exitosa. Comunistas? Nesse caso, Portugal seria o único país comunista a atrair tantos imigrantes, ricos e pobres.
A chance de superar o dilema corrupção ou autoritarismo não foi realmente tentada por Bolsonaro. Mas ainda está aberta para a virada da década.
Os candidatos sempre prometem alguma forma de resolver o impasse. Fica essa lembrança quando o tema voltar em 2020.
Há um caminho do meio. Quem sabe?
O problema é produzir políticas públicas que melhorem as condições reais de vida de milhões de pessoas. O resto são honrarias, condecorações, estátuas para pombo fazer cocô.
Prefiro acreditar que exista uma solução e contribuir para ela a continuar na velha história de que, no fundo, afirma o documento lançado pelo Bolsonaro, o Brasil não tem jeito. Como os estoicos, acham que tudo vai passar como os bárbaros por Roma, pois acabariam engolidos por ela.
Artigo publicado no jornal O Globo em 27/05/2019
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OS ENVIADOS DE DEUS

Gaudêncio Torquato, O Tempo
Governantes que precisam apelar
Muitos governantes invocam o nome de Deus como escudo, registra a história. Em seu reinado, o ditador Franco, “caudillo da Espanha pela Graça de Deus” referia-se sempre à Providência Divina: “Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos”. A fascista Falange Espanhola o declarou “responsável perante Deus e a história”.
Monarcas justificam tudo pelo direito divino, independentemente da vontade dos súditos. Hassan II, no Marrocos, se declarava descendente do profeta Maomé: “Não é a Hassan II que se venera, mas ao herdeiro de uma linhagem dos descendentes do profeta Maomé”.
Hirohito, imperador do Japão de 1926 a 1989, era visto como divindade. Criou uma aura, distante da população que viveu guerras e mortes. Vestia-se como um “imperador divino e perfeito”, descendente da deusa do sol, Amaterasu.
O ditador Idi Amin Dada, de Uganda, garantia ao povo que conversava com Deus em sonhos, espécie de aval aos seus atos. Um dia perguntaram: “o senhor conversa com frequência com Deus”? Ele: “Sempre que necessário”. Já em Gana, os eleitores cantavam assim a figura de Nkrumah: “o infalível, o nosso chefe, o nosso Messias, o imortal”.
Aqui se eleva aos céus a figura de Jair Bolsonaro. A quem um pastor evangélico do Congo, Steve Kunda, assim se refere: “Na história da bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus. Um exemplo, o imperador da Pérsia, Ciro. Antes do seu nascimento, Deus fala através de Isaías: ‘Eu escolho meu sérvio Ciro’. E o senhor Bolsonaro é o Ciro do Brasil”.
O nosso Messias jogou o vídeo nas redes sociais. E entoou: “Brasil acima de tudo; Deus acima de todos”.
Para reforçar, o bispo Edir Macedo pede que Deus ‘remova’ quem se opõe a Bolsonaro, acusando políticos de tentarem “impedir o presidente de fazer um excelente governo”.
O fato é que os governantes em países atrasados culturalmente e até desenvolvidos organizam seu próprio culto. Querem a imprensa cultivando sua imagem de herói, Salvador da Pátria, Super-Homem, Pai dos Pobres, Enviado dos Céus. Nietsche já alertava contra tal esperteza: “o super-homem destrói os ídolos, ornando-se com seus atributos. A apoteose da aventura humana é a glorificação do homem-Deus”.
Essa mania do parentesco com Deus ressurge na onda direitista e populista que se espraia pelo planeta, incluindo Hungria, Polônia, Áustria, Itália, Suíça, Noruega, Dinamarca, Filipinas, Turquia e, claro, os Estados Unidos de Donald Trump.
Esses governantes assumem comportamento autoritário, criam estruturas próprias de comunicação, formam alas sociais amigas e inimigas, fustigam a imprensa. Tentam impedir a mídia tradicional de cumprir sua missão de apurar os fatos, vigiar e cobrar dos poderes públicos.
Cortam investimentos publicitários, extinguem empregos e investem no “achismo” das redes sociais. Os efeitos brotam: perda de credibilidade na informação; formação de exércitos na guerra da contrainformação; apartheid social.
No meio do turbilhão, Jair ataca a imprensa e os políticos e, quem sabe, pensa subir ao trono das divindades. Já tem até identidade: afinal, Messias é seu sobrenome.
*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político
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domingo, 26 de maio de 2019

UM PRESIDENTE INGOVERNÁVEL

Carlos José Marques, ISTOÉ
São imprudentes, obscuros e arbitrários os objetivos por trás da manifestação arquitetada por idólatras do “Mito” e fomentada pelo capitão em pessoa nas redes sociais. Não vá se falar em mero protesto. A insurgência contra os poderes constituídos flerta diretamente com o autoritarismo — ainda mais levada a cabo diretamente pelo mandatário. Ele, prudentemente, depois de alertado, resolveu recuar da ideia tresloucada de estar à frente participando ativamente nas ruas. Se assim o fizesse poderia incorrer em crime de responsabilidade por atentar, de maneira insofismável, contra a Carta Magna que no artigo 85, incisos II, III e IV condena qualquer afronta ao livre exercício dos Poderes.
Uma mobilização com esse intuito empurraria Bolsonaro à porta do impeachment. De qualquer maneira, ele procura impor o conceito de um governante vivendo sem a necessidade de dialogar com forças moderadoras, tal qual um monarca absolutista com pendores ditatoriais. Não se engane: o problema de Bolsonaro não é com o Congresso ou com a massa amorfa de políticos classificada como “Centrão” que, no seu julgo, converteu-se em inimigo número um do Brasil. O mandatário tem algo mesmo, de verdade, contra a democracia e daí a ofensiva às instituições basilares que lhe dão respaldo — Parlamento, Judiciário, imprensa e Forças Armadas. Sim, por que até na direção delas mirou a artilharia de descrédito recentemente.
Redes bolsonaristas, de maneira inflamada e raivosa, pedem o fechamento do Congresso, a deposição de ministros do Supremo, a invasão de autarquias e conclamam o povo a servir de massa de manobra nessa marcha da insensatez, indevida e beligerante. A intentona tem método e fim: manietar todos aqueles que lhe pareçam adversários, pelo mero princípio de discordar de suas estultices e ambições. O chefe da Nação sonha em comandar fora das regras do jogo, sem interposições ou freios. Diante da desconcertante inabilidade que exibiu para governar, Bolsonaro transfere a responsabilidade dos erros aos outros. Na sua visão, desconectada dos fatos, não conseguiu fazer o que precisava porque o “sistema” não deixou, e não em virtude da incapacidade nata deveras exibida.
Orientou os “eleitores-raiz”, menos de seis meses após a posse, a tomarem as ruas munidos do ingrediente autocrático para a disruptura. Na prática, diversas organizações, movimentos sociais e mesmo empresariais — aliados de primeira hora — evitaram embarcar na aventura, com traços golpistas. O MBL e o “Vem Prá Rua”, que deram a argamassa de mobilização do impeachment de Dilma Rousseff, não avalizaram a articulação oficialesca e oportunista da claque de Bolsominions. A pergunta concreta, ainda sem resposta, coloca o presidente no foco da pregação: Bolsonaro busca protestar contra o quê? Se foi ele, justamente, no exercício da militância ideológica, quem travou o diálogo com as demais instituições, por que agora se acha no direito de anarquizar o convívio? O País vive os impactos devastadores de uma guerra ideológica que dá as costas às necessidades elementares do povo.
Emprego, renda e crescimento ficaram em segundo plano. Problemas cotidianos não são atacados. Restou óbvio que o mandatário considera impossível governar sem semear o conflito, demonizando os demais esteios constitucionais. Há poucos dias veiculou em sua rede digital um texto, qualificado por ele como de “leitura obrigatória para quem se preocupa em antecipar os fatos”, apontando o País como “ingovernável” sem os “conchavos”, deixando-o de mãos atadas. A mensagem atribuía o fracasso prematuro da nova gestão à influência de forças ocultas, corporações que impedem qualquer presidente de governar – uma versão rotineiramente incutida pela claque do mandatário nos áulicos seguidores.
Inevitável traçar um paralelo com a carta-renúncia do ex-presidente Jânio Quadros, nos idos dos anos 60, que também atribuía seu naufrágio presidencial a terríveis forças do “sistema”. Daí à conclamação para a tomada das ruas, sitiando Legislativo, Judiciário ou quem mais atravessar suas pretensões, foi um passo. Bolsonaro busca transformar o Brasil numa versão venezuelana à direita, com protestos diários contra e a favor de um modelo arbitrário de poder. De uma maneira ou de outra terá de perceber que não existe espaço para governar na base do grito por aqui.
A ideia, ventilada por ele, de um Brasil livre de “impedimentos institucionais” é abjeta. Jair Messias Bolsonaro, do alto dos 57 milhões de votos angariados nas urnas, precisa deixar de lado o papel de mero chefe de um grupo sectário e assumir devidamente, movido a princípios republicanos, a dimensão do cargo recebido por outorga da maioria da população. O Messias não foi ungido por Deus, como tentou fazer crer em outro de seus posts desconexos, mas pelo poder do povo (na tradução literal de democracia).
Até aqui se comportou como um presidente ingovernável, guiado por devaneios, espírito conspiratório e intrigas geradas no núcleo duro de seus filhos indóceis com a inestimável colaboração do Rasputin da Virgínia. Levado a rompantes inexplicáveis e indevidos — como o de chamar estudantes de “idiotas úteis”, dentre outras baboseiras — converteu-se, ele próprio, em fator de instabilidade, ameaçando a Nação. Se persistir nessa trilha esbarrará, certamente, nos freios e contrapesos institucionais, com desfecho traumático.
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POPULISMO DAS REDES SOCIAIS FRACASSOU

Roberto Simon, Folha de S.Paulo
Desde o início, a emergência de Jair Bolsonaro foi corretamente interpretada em seu sentido global, à luz dos populismos nos EUA de Donald Trump e na Europa do brexit e da extrema direita “anti-globalista”.
Em cinco meses de governo, essa mesma perspectiva internacional —ao se comparar o Brasil a modelos de populismo na Europa de hoje e na América Latina de décadas recentes— agora ajuda a entender a acelerada deterioração da versão tupiniquim.
Experiências populistas mundo afora somaram a ambição de um governo “da maioria silenciosa” e “contra as elites” à hipertrofia do poder Executivo.
Governantes acumularam poder em detrimento do Legislativo, Judiciário, imprensa e sociedade civil.
Bolsonaro vive a contradição de almejar a primeira parte da equação, em textos de WhatsApp ou lives de Facebook, enquanto seu governo se atrofia com espantosa rapidez.
Várias causas arrastam o Brasil a esse populismo distinto, com outros riscos institucionais. Mas uma das questões-chave é a natureza da base de apoio ao poder populista. Hungria, Venezuela e Peru oferecem comparações ilustrativas.
O centro do poder do premiê húngaro, Viktor Orbán, é o Parlamento. Orbán e seu partido, o Fidesz, jamais consolidaram um apoio popular acima dos 50%. Mas o sistema parlamentar e as regras eleitorais húngaras, somadas à fraqueza do establishment e ao clima de xenofobia, deram à extrema direita sucessivas supermaiorias legislativas, desde 2010.
Com poderes de mudar a Constituição, Orbán passou a desmantelar a democracia.
Bolsonaro vive situação oposta. Da reforma da Previdência ao destino do Coaf, o noticiário recente é uma lista de evidências de sua debilidade frente ao Congresso.
No presidencialismo latino-americano, populistas acharam outras bases de apoio.
O venezuelano Hugo Chávez usou a colossal renda do petróleo para cooptar setores sociais, sobretudo os mais pobres, elevando sua popularidade à estratosfera.
Apesar do maior colapso de que se tem registro na história econômica latino-americana, a nostalgia de Chávez ainda garante a seu partido, o PSUV, mais de 25% de apoio popular.
O Brasil passa por um cenário de crise fiscal à beira de uma recessão, no extremo oposto de uma petro-economia num período de bonança.
O peruano Alberto Fujimori usou a guerra civil contra o Sendero Luminoso para abater antagonistas, incluindo com o fechamento do Congresso. Seu poder popular nasceu da luta contra o inimigo interno.
Em vez de uma insurgência maoísta, o bolsonarismo declarou guerra a uma esquerda desnorteada, ao centrão e ao moinho de vento do “globalismo”.
Bolsonaro não conta com a força legislativa, o poder econômico ou a violência política para sustentar sua posição antissistema. A base de apoio ao seu radicalismo é WhatsApp, Twitter e Facebook.
O Brasil traiu Abraham Lincoln e ergueu um governo das mídias sociais, pelas mídias sociais e para as mídias sociais. Elas de fato foram decisivas na campanha presidencial de 2018. Mas um populista cujo poder emana do mundo virtual não governa na realidade, muito menos é capaz de subjugar os demais poderes do Estado.
Em vez do acúmulo de poder, o grande risco institucional desse populismo atrofiado é a ingovernabilidade crônica.
*Roberto Simon é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.
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A NÉVOA E A PONTE

Murilo de Aragão, ISTOÉ
Ao nos aproximarmos da ponte que nos levará a um futuro de investimentos e desenvolvimento, nos deparamos com um intenso nevoeiro político. Parte dele artificialmente produzido por máquinas de gelo seco de aliados do governo. Outra parte decorre da ausência de clareza no modelo de relacionamento político entre o governo e o Congresso. Alguns até consideram que esse não relacionamento é uma espécie de modelo. E sendo assim, o governo estaria abrindo mão da primazia da agenda para aceitar a coautoria das reformas com o Congresso.
Aos observadores da cena política, fica um alerta. Não se deve considerar que o nevoeiro é homogêneo. Existem variações de intensidade e de consistência. As crises geradas pelas disputas internas fragilizam mais o governo do que a agenda das reformas. Basta constatar que o Congresso está comprometido com a nova Lei de Licitações e as reformas previdenciária, tributária e das agências reguladoras.
Em favor de uma visão mais otimista, está prestes a ser implementada uma extensa agenda de desburocratização no âmbito federal. Tal agenda terá o condão de animar discretamente a economia. No segundo semestre, em que pese o nevoeiro político, teremos a continuação dos programas de parcerias de investimento, privatizações e os leilões do pré-sal. Serão bilhões de dólares a serem injetados em nossa economia.
No entanto, o quadro seria muito melhor se a parte artificial do nevoeiro, alimentada por declarações mal-educadas, falta de respeito à hierarquia e escolhas desastradas para cargos públicos relevantes, fosse dissipada por níveis razoáveis de cordialidade e sensatez. Porém, a disputa política nos remete à tentativa de um grupo que não possui maioria no Congresso, mas almeja colonizar um governo que habita em um sistema semipresidencialista. Alguns esquecem que a vitória de Bolsonaro resultou de um conjunto de aspirações nem sempre homogêneas.
A maioria que elegeu o novo presidente deve ser recomposta. O caminho é a negociação política para a construção de um consenso que vá um pouco além do mínimo. Sem esses requisitos básicos em favor das reformas, não iremos a lugar algum.
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O CONGRESSO MOSTRA A SUA FORÇA

Da ISTOÉ
A obra do pensador Nicolau Maquiavel, nascido em Florença, na Itália, em 1469, ainda é vista como uma espécie de Bíblia política, que se adapta muito bem aos tempos atuais. Mesmo assim, determinados setores da política brasileira parecem ter se esquecido de um de seus clássicos, “O Príncipe”, que ensina, em lições bem didáticas, que “o líder precisa ser temido ou querido”. E isso, mais do que nunca, vale para o Brasil. Maquiavel afirma que um grande governante necessita ainda ser dotado de virtù e fortuna, ou, melhor, qualidades e sorte. Obviamente, falar em sorte em política atualmente é ser um tanto ingênuo, mas o fato é que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem, nas últimas semanas, brincado com a própria sorte. Agride quase que diariamente os deputados, enxovalha-os, maltrata-os, afirmando que eles são responsáveis por todos os males do Brasil, mas ao mesmo tempo depende deles visceralmente para aprovar a Reforma da Previdência. Sem ela, seu governo torna-se ingovernável, como ele mesmo deduziu, depois de ler um artigo do engenheiro Paulo Portinho, reproduzido em suas redes sociais.
E é justamente nesse cenário de terra arrasada em que a classe política sente-se como mulher de malandro, que apanha todos os dias e, à noite, o companheiro ainda quer que ela deite-se com ele, que o Congresso deixa claro que cansou de ser agredido. E agora mostra sua força. Diversos deputados defendem nos bastidores que a Câmara e o Senado trabalhem por uma agenda própria, ignorando o presidente da República e resolvendo os problemas crônicos do País. Como o governo não demonstra coesão em sua base e nem vontade política para dinamizar a aprovação da Reforma da Previdência com as correções que os deputados desejam fazer, os líderes dos principais partidos da Câmara, especialmente os do “centrão”, reuniram-se na semana passada na casa do deputado Rodrigo Maia, presidente da Casa, e decidiram redigir um texto substitutivo para a proposta do governo. “Será a reforma da reforma”, disse um deputado que participou do encontro. “Não será um texto alternativo, pois a estrutura do projeto do ministro Paulo Guedes permanecerá, mas vamos emendá-lo”, explicou o deputado Marcelo Ramos (PR-AM), presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência, e que lidera esse movimento para fazer as mudanças que precisam ser feitas, à revelia do presidente. Num País em que a estrutura política é presidencialista, isso pode até soar mal, mas não tem nada de golpista. O que há por trás de tudo é que os deputados, que realmente têm a responsabilidade por aprovar as reformas que salvarão o Brasil do desastre, não querem mais ser coadjuvantes de um presidente que criminaliza a política o tempo todo, embora ela lhe seja indispensável para que seu governo não naufrague. O feitiço virou-se contra o feiticeiro.
A indignação coletiva de deputados e senadores tem aumentado a cada semana e a cada post do presidente pelas redes sociais. Integrantes de partidos do centrão, como o PR, o PP, o DEM, entre outros, reclamam da forma como Bolsonaro refere-se ao Congresso em suas declarações públicas. “Parece que ele sempre fala com um monte de ladrões”, indigna-se um parlamentar do PP. O problema é que por trás das declarações atabalhoadas de Bolsonaro está, no mínimo, a falta de habilidade política para lidar com um Congresso que tem o seu ritmo próprio de trabalhar. E não se está falando aqui do clássico toma lá dá cá. Por mais que o presidente diga que os deputados só pensam em cargos, verbas ou em negociações pouco republicanas, até agora o chefe do Executivo ainda não apresentou um único caso concreto de um parlamentar que tentou extorqui-lo.
Nos bastidores do Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem defendido que a Casa tome as rédeas da atual crise política sob pena de o País caminhar para o completo caos administrativo e financeiro. O problema é que esse protagonismo de Maia alvoroçou os bolsonaristas mais radicais, como o assessor da presidência Filipe G. Martins e o filho 02 do presidente, o vereador Carlos, que enxergam nesse tipo de postura uma forma de usurpar o poder das mãos do presidente. A ala militar do governo também vê a movimentação de Maia com ressalvas, mas admite, por outro lado, que não é momento para se criar novas intrigas e, sim, de somar forças.
O fato é que o Congresso está disposto a simplesmente ignorar o presidente a partir de agora, conforme ISTOÉ apurou junto a líderes partidários. A intenção é tocar uma agenda econômica própria, para que o País volte a crescer. Afinal, em tão pouco tempo o presidente conseguiu mobilizar milhares de pessoas contra ele, por causa dos cortes na educação, agregando nas ruas a mambembe oposição e levando ao descrédito empresários que preferem jogar seus recursos no mercado do dólar, ao invés de investirem na produção. Os deputados querem ignorar também sua pauta de costumes, deixando em banho-maria os projetos para a área de segurança pública, principalmente os que ampliam o direito de porte e posse de armas. Bolsonaro assinou um decreto no último dia 7, estendendo o direito até para caminhoneiros, políticos e jornalistas andarem armados, mas a Câmara ameaçou rejeitá-lo, por considerá-lo inconstitucional. Com o protesto da sociedade e de 14 governadores, Bolsonaro voltou atrás na quarta-feira 22 e fez mudanças no projeto original, que permitia, entre outras coisas, que um cidadão comum comprasse armas pesadas, como fuzil. A aliados, Maia tem sinalizado que caberá ao Congresso a vanguarda das reformas que o Brasil de fato precisa. “Se o governo não ajuda o Brasil, nós vamos ajudar”, disse ele.
Os líderes do “centrão” se reuniram na casa de Rodrigo Maia e decidiram apresentar um projeto substitutivo para a Reforma da Previdência
Nova derrota: Coaf na Economia
A primeira ação efetiva desse “parlamentarismo branco” está na Medida Provisória (MP) 870 que reorganizou a estrutura ministerial do Poder Executivo, diminuindo o número de pastas em relação ao governo anterior e redistribuindo atribuições. Durante o governo Temer, eram 29 pastas. Bolsonaro reduziu essa estrutura para 22. Os deputados ameaçaram não votar essa MP, que caducaria no próximo dia 3, caso não fosse apreciada pelos parlamentares. Obrigatoriamente, o governo Bolsonaro seria forçado a conviver com os 29 ministérios. Seria o caos e uma derrota espetacular. Além disso, o governo desejava que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) fosse alocado no Ministério da Justiça, do ministro Sergio Moro, pois esse órgão seria instrumento indispensável no combate à corrupção. Os deputados mostraram mais uma vez que eles resolveram mesmo dar a volta por cima. Na quarta-feira, aprovaram a manutenção dos 22 ministérios, mas rejeitaram a transferência do Coaf para a Justiça. O órgão continuará no Ministério da Economia. Foi uma grande derrota do governo e, especialmente, do ministro Sergio Moro. A Câmara, agora empoderada, até cedeu na recriação do Ministério das Cidades, como desejava o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), mas comemorou a fragilização de Moro. Os parlamentares consideram-no “inimigo”, uma vez que ele deseja criminalizar o caixa dois, que atinge meio Congresso. Os deputados também decidiram tirar a Funai de Damares Alves, passando-a para a Justiça. Uma no cravo e outra na ferradura. Mas, a medida ainda vai ao Senado, para posterior sanção presidencial.
“Parece que Bolsonaro sempre fala com um monte de ladrões”, diz um indignado deputado do PP
Apesar do morde e assopra, era tudo o que o “centrão” queria. Com a ajuda do PSL, os deputados deram um recado ao presidente: “Aqui, ou o senhor conversa, ou tomamos o controle”. Afinal, a ameaça dos deputados de inviabilizar a reforma ministerial deixou o governo em pânico. Obrigou o ministro Onyx Lorenzoni a correr à Câmara e negociar a solução alternativa que acabou sendo aprovada. Onyx concordou com a manutenção do Coaf na Economia, puxando o tapete de Moro. Além dessa MP, há outras sete no Congresso, como cascas de banana para o chefe do Executivo. Se ele não chamar os parlamentares do “centrão” para conversar, algo que a sua arrogância não tem permitido, diversas medidas do governo se inviabilizarão: até mesmo a destinação de R$ 225,7 milhões como socorro para o estado de Roraima, invadido pelos famintos venezuelanos. Alegando que o presidente só tem governado por MPs, o Congresso discutiu uma forma de impedir que o governo edite novas medidas provisórias.
Outra ação efetiva do “parlamentarismo branco” está na principal pauta do governo, a Reforma da Previdência. O relatório final da Comissão Especial deve ser apresentado no dia 15 de junho, mas com diversas alterações. As principais delas serão a revisão das mudanças do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural. A expectativa é que esses itens sejam retirados do texto. O problema é como o governo vai recuperar perdas da ordem de R$ 200 milhões em dez anos a partir da manutenção das regras atuais desses dois itens. Na Reforma da Previdência entregue pelo governo, a idade mínima para a concessão da aposentadoria rural é de 60 anos para homens e mulheres. Pela regra em vigor, a idade mínima para homens é de 60 anos e para mulheres, 55. No caso do BPC, pela proposta do governo, somente idosos com 70 anos ou mais teriam direito ao benefício integral de um salário mínimo.
“Se o governo não ajuda o Brasil, nós vamos ajudar” Rodrigo Maia, presidente da Câmara
Além disso, o próprio Congresso vai tocar uma agenda própria de reforma tributária. O texto da PEC 45/19, que introduz as mudanças no código tributário, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara na quarta-feira 22 e será analisado em comissão especial a partir dessa semana. Alguns integrantes da Câmara acreditam que essa proposta tende a ser aprovada no início do segundo semestre. Ela é baseada nas ideias do economista Bernard Appy. Em resumo, a intenção é criar um novo tributo de bens e serviços, uma espécie de Imposto de Valor Agregado (IVA), com a unificação do PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS, passando um trator por cima do governo. Em resposta a essa postura da Câmara, Bolsonaro declarou que pretende mandar sua proposta de reforma tributária para a Câmara tão logo a previdenciária termine. Uma iniciativa totalmente inútil e descompassada com o novo e vitaminado Congresso. Afinal, quando a reforma tributária do governo chegar à Câmara, as mudanças tocadas por Maia já estarão quase prontas. Ciente desse fiasco, Marcos Cintra, secretário da Receita Federal, disse que o governo vai acabar encampando a iniciativa dos parlamentares. Para amenizar o clima belicoso com os deputados, o presidente ainda tentou afagá-los. Disse, na segunda-feira 20, durante evento de lançamento da campanha publicitária pela Nova Previdência, que ele respeita o Congresso: “Temos cinco deputados federais entre eles (ministros). Nós valorizamos o Parlamento brasileiro, que dará a palavra final nessa questão da Previdência, tão rejeitada nos últimos anos”.
Como ensina Maquiavel: se o presidente não tem demonstrado qualidades para se manter no cargo, é melhor que ele não conte com a sorte
O problema é que são poucos os parlamentares que de fato confiam em Bolsonaro. Nem mesmo os do PSL. E como ensina Maquiavel, se o presidente não tem demonstrado qualidades para se manter no cargo, é melhor que ele não conte com a sorte. Dois ex-presidentes (Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff) fizeram exatamente isso e o resultado foi o que todos conhecemos: o impeachment. O Brasil não merece assistir o mesmo filme pela terceira vez em tão pouco tempo.
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