Pouco mais de um ano após trocar o PT pelo PMDB, Marta
Suplicy se prepara para encarar sua quarta candidatura à Prefeitura de São
Paulo, cargo que ocupou de 2001 a 2004. Ex-ministra nas gestões de Lula e Dilma
Rousseff, a senadora causou mal estar no Partido dos Trabalhadores ao anunciar
sua saída nada amigável da legenda e ao votar a favor do impeachment da
presidenta afastada da República — voto que pretende repetir em agosto.
Marta recebeu o EL PAÍS em seu escritório no Jardim
Paulista, bairro nobre da zona oeste da cidade, no final da tarde da última
sexta-feira, 24 de junho, após um dia já cheio de compromissos de pré-campanha.
Mais sorridente que o habitual (ao menos com jornalistas), se mostra bem à
vontade com o papel de candidata.
Pergunta. Há um ano você mudou do PT para o PMDB. Qual
avaliação faz desse primeiro ano no partido, considerando que a decisão foi
bastante pautada no combate à corrupção e, agora, a cúpula do PMDB também está
no centro da Lava Jato. Valeu a pena a mudança?
Resposta. Acho que valeu muito a pena. O PMDB tem uma
história, tem gente de vanguarda e gente conservadora. Eu me sinto muito
acolhida. O que eu tinha como sonho na época que entrei no PT, e que também
acabaram sendo desapontamentos que me fizeram sair — como ética, como direitos
LGBT, desigualdade social diminuída, empoderamento das mulheres, tudo o que eu
acredito, ali tem espaço — no PMDB eu não vejo nenhum empecilho para continuar
essas lutas. Ao mesmo tempo, como senadora pelo Estado de São Paulo, eu tinha
que ir para um partido grande, estruturado. Nenhum dos grandes partidos, nem
mesmo os pequenos, estão imunes a essa questão de ter gente investigada. E tem
uma diferença entre o PT e o PMDB: no PT, foi ficando cada vez mais evidente o
uso do recurso público para uma organização partidária, endêmica, sistêmica...
O partido perdeu o rumo dos seus objetivos iniciais e teve como meta a
manutenção do poder. O projeto para o Brasil virou secundário. No PMDB, tem
gente investigada, mas não tem essa canalização para uma permanência no poder.
São pessoas que usam, ou não usam [recursos públicos], agora as investigações
estão em curso... Então é uma diferença grande.
P. O seu voto pelo impeachment da Dilma teve uma repercussão
negativa entre parte do seu eleitorado tradicional. A sua casa em São Paulo foi
alvo de um escracho em maio, a sua página no Facebook sofreu um vomitaço, como
ocorreu com a página do presidente interino Michel Temer...
R. Foi o PT que organizou isso.
P. Mas existe um núcleo que se sentiu traído e a acusou de
golpista...
R. Acho que são dois momentos diferentes. Quando eu saí do
PT eu senti que houve uma compreensão grande mesmo entre os petistas mais
acirrados. Na militância como um todo. Com a questão do impeachment, eu acho
que a militância petista radicalizou. Porque está tentando salvar o insalvável.
Agora, na periferia, com as pessoas que são minhas eleitoras e foram do PT,
isso não tem a menor relevância. Eles acham que, e isso é até interessante, que
tanto faz o partido que eu estou. Eles me dizem: ‘eu voto em você porque você
fez pra gente’. Eles estão muito contra o PT, se sentem traídos pelo atual
prefeito, então a situação é essa.
P. Na sua avaliação então esse eleitorado que se sentiu
traído com o voto pró-impeachment já não seria talvez o seu eleitorado para
esta eleição?
R. Não, não... Desculpe, acho que não me fiz clara. Esse
eleitorado dito petista da periferia não vota mais no Haddad. Eles falam: o
prefeito nos abandonou. Então esse eleitorado que eu tinha na periferia continua,
não teve diferença. E eu tive um benefício. Por exemplo, eu vou a um
restaurante mais de classe média, no centro, ou no avião, eu escuto muito isso,
as pessoas dizem: ‘olha, eu nunca votei em você porque você era do PT e agora
vou votar’. Então eu ganhei um novo perfil de eleitor.
P. Concorda com o argumento dos seus ex-correligionários de
que o impeachment é um golpe?
R. Não, não... É uma tristeza esse tipo de argumentação. De
jeito nenhum. Eu acredito a comprovação jurídica ficou absolutamente clara. Que
foi feito de propósito e escondidos os gastos a mais do Congresso Nacional para
poder usar um recurso que não teria condição econômica de usar. E isso está
claríssimo. E fora juridicamente, politicamente, se não ocorrer o impeachment
ela volta, certo? Mas ela volta pra fazer o quê? O que ela vai fazer? A Dilma
paralisou o Brasil, ela não conseguia mais se mexer. Então eu acho que não tem
nenhuma possibilidade de não ser votado o impeachment. Tenho convicção de que
há base legal.
P. Como você avalia o processo contra o Eduardo Cunha, o
fato de ter demorado tanto para o processo avançar na Câmara e ele não ter sido
cassado ainda. Te causa algum incômodo, por ele ser do seu partido e por tê-la
acolhido quando você entrou no PMDB?
R. Eu acho que causa um certo incômodo para todos, na medida
em que o processo avança. Mas acho que está terminando essa situação.
P. Mas demorou, não senadora?
R. Ele usou de todas as prerrogativas como presidente da
Câmara e por isso que o incômodo foi crescendo na sociedade.
P. Mas e dentro do PMDB, existe um desconforto declarado com
a permanência dele na Câmara?
R. Não, o PMDB é um partido muito unido... Mas não é uma
questão de ser PMDB ou não. Não se fala ostensivamente... Mas o desconforto
existe. Não tem como não existir. Não é do PMDB, é do povo brasileiro.
P. Eu insisto justamente porque a questão da corrupção foi
um dos motivos que a senhora alegou que a levaram a sair do PT...
R. Eu sei... Por exemplo, se você me pergunta se me
constrange a questão do PMDB das investigações? Aí não. Porque não tem um
partido hoje brasileiro que tenha uma razoável estrutura que não esteja sendo
investigado. O PSDB está sendo, o PSB está... Então não me sinto desconfortável
no PMDB por ter gente investigada. Porque eu considero o PMDB muito diferente
do que o que ocorre no PT. No PT, como eu expliquei, é na veia, pra manutenção
do poder. No PMDB eu não reconheço isso. Eu reconheço pessoas investigadas e
são investigadas em atos que fizeram pra elas.
P. E como está a adesão do partido à sua campanha? Pela
proximidade histórica do partido em São Paulo com o PSDB, alguns peemedebistas
ainda estão divididos entre apoiá-la ou apoiar o João Dória [PSDB] ou o Andrea
Matarazzo [ex-tucano, hoje no PSD]...
R. Eu sinto muita força, no sentido que não só o presidente
interino me diz, como os grandes do partido, que a prioridade é São Paulo para
o partido. Tanto é que o coordenador da campanha é o José Yunes, melhor amigo
do presidente, que assumiu a presidência municipal do partido. Então isso foi
um gesto do presidente interino Michel para com a candidatura. Eu me senti
bastante contemplada.
P. O presidente interino Michel Temer deve participar da sua
campanha?
R. Acho que no primeiro turno de jeito nenhum. No segundo
turno não sei, é outro momento...
P. Por que de jeito nenhum?
R. Porque ele colocou que ele não ia se envolver nas questões
municipais. Acho que foi até um tipo de compromisso. Acho que nesse primeiro
turno ele vai tentar se manter mais afastado.
P. A primeira pesquisa de intenção de votos feita pelo
Ibope, divulgada no dia 22 de junho, a mostra num segundo lugar embolada com
seus adversários e com uma alta taxa de rejeição...
R. Eu achei que não significa nada essa pesquisa, porque 650
pessoas pesquisadas numa população de quase 12 milhões... É uma pesquisa com 4
pontos de margem de erro. Então eu não vejo esse cenário embolado em hipótese
nenhuma. Acho que o Celso Russomanno está na frente, em uma situação jurídica
delicada, em que ele pode ser candidato ou não, e os outros eu acho que estão
bem atrás. Mas tem que pensar que pesquisa é um momento. Tem muita coisa pela frente.
P. Mas independentemente de pesquisas, você concorre com
adversários que disputam diretamente o seu eleitorado, que é o prefeito
Fernando Haddad e a deputada a Luiza Erundina. Ele do PT, ela hoje no PSOL, mas
oriunda historicamente do PT... Isso não complica a sua situação na disputa
eleitoral?
R. Eu tenho muito respeito por ela (pela Luiza Erundina).
Mas eu não sinto isso. Eu acho que o eleitorado que vota em mim há algumas
eleições é bastante fiel. Eu acho que ela pode ter alguns nichos, mas não sinto
que isso vá complicar a minha candidatura.
P. Quem é o seu eleitorado hoje?
R. O povo pobre, onde eu trabalhei. Eu não fui uma prefeita
que ficava no gabinete. Eu fui uma prefeita que ia pra rua, que ia lá, via as
necessidades, ouvia, conversava, explicava... Esse povo com quem eu me conectei
é o povo que acredita em mim. E eles lembram do meu legado. Gritam: ‘prefeita
do Bilhete Único! Prefeita do CEU!’. Abraçam, pegam, querem tirar fotos... eu
me sinto muito bem.
P. Qual a avaliação que você faz das ciclovias criadas pela
gestão atual? Manteria?
R. Toda grande metrópole tem bicicleta e colocar em prática
uma ideia antiga para a cidade é positivo. Agora, a forma como foi executada
foi pra conseguir quilometragem. Então se você for ver partes das ciclovias têm
sentido, vão pra algum canto, foram bem feitas. Mas uma boa parte das ciclovias
vão para nenhum lugar e as poucas que estão na periferia eu chamaria de
ciclotintas, porque é uma tinta jogada e muitas vezes com buracos, sem cuidado
e também não conduzindo para canto algum. Só que ele não fez o que o que
deveria ter feito no começo, que são os bicicletários nos terminais. Então o
que ocorre, primeiro se a pessoa chega no terminal não tem onde deixar. As
pessoas têm muita vontade de ter esse modal integrado. Isso que é o
civilizatório da bicicleta. Isso ele não fez. E aí nós vamos ter que fazer.
P. E a redução da velocidade do tráfego de veículos nas
marginais Tietê e Pinheiros? A senhora já criticou a medida, apesar de dados
oficiais apontarem a redução de acidentes.
R. Qualquer metrópole que tenha uma via expressa não é pra
andar a 50 por hora. Então nós vamos ter que reavaliar essa questão. E essa
questão de ter abaixado a velocidade tem muito a ver com a indústria das
multas. Nós temos desde guarda municipal multando em cima da ponte, até lugares
onde você tem cinco, seis radares... E lugares onde você sai da marginal sem
nenhum aviso e você passa de 50 pra 40 quilômetros por hora. Então a
sinalização já é feita de forma precária induzindo a multas. Não é uma coisa
orientadora.
P. Mas para que fique claro: quando você fala em reavaliar,
há possibilidade de reverter então a medida?
R.Total possibilidade de mudança. De voltar com outras prioridades
de cuidados para que você tenha o mínimo possível de acidentes e de mortes.
Também essa questão da diminuição das mortes tem a ver com a diminuição do uso
dos carros pela população, não é só porque mudou a velocidade.
P. Você como prefeita acabou com a máfia dos transportes e
instituiu o bilhete único. Qual a avaliação que faz do legado do Haddad em
relação à mobilidade urbana?
R. Os corredores [de ônibus], eu aprovo a maioria deles. Fez
poucos, mas fez. Não fez terminais, que era uma necessidade muito grande da
cidade, isso eu não entendi por que não fez, seria fundamental para melhorar...
Então dá pra melhorar muito.
P. E o Uber? É a favor da regulamentação em São Paulo?
R. Os serviços de táxi em São Paulo estão regulamentados
desde os anos 60 e são muito importantes para a cidade, mas se não houver a
regulamentação do Uber correremos o risco de uma atuação predatória que
desorganizaria todo o serviço de transporte individual na cidade. (...)
Precisamos regulamentar adequadamente essa confusão. Grandes cidades já
regulamentaram o Uber, Londres e agora Brasília, por exemplo.
P. O João Dória propôs vender o estádio do Pacaembu. O que
você acha disso?
R. (Risos) Eu não venderia o Pacaembu. Mas pensaria em
maneiras de utilizá-lo de uma maneira melhor, porque hoje ele é subutilizado. É
um patrimônio da cidade, está subutilizado, e teríamos que pensar um uso do
Pacaembu mais intenso.
P. E o fechamento da avenida Paulista aos domingo?
R. Acho interessante. Acho que começou na minha época, o
José Serra parou. Tem aprovação da população. Pra variar, foi feito de
improviso... Agora que estão começando a fazer as linhas de ônibus paralelas...
Mas acho interessante, manteria.
P. Qual a sua prioridade, caso eleita prefeita de São Paulo?
R. A prioridade fundamental que eu percebo é a necessidade
de informatização da cidade, porque nós temos uma cidade online, mas a
prefeitura não está online. Então tem uma defasagem gigantesca. E é muito
diferente você acessar o wifi numa praça e você acessar os serviços públicos
on-line. Isso não foi feito, mas mudaria a vida do cidadão. Por exemplo, você
tem um cartão SUS que não conversa com o restante do sistema. (...) Você vai
pra um hospital, faz todos os exames, aí te encaminham pra outro hospital, e
chega lá e seu prontuário não está no cartão SUS. Então você tem que fazer todo
o trabalho novamente. Nós temos que informatizar a questão da saúde toda. Uma
cidade informatizada teria impacto em todas as áreas. Isso é o que nós chamamos
de uma cidade moderna.
P. Senadora, mudando um pouco de assunto...
R. Mas eu posso falar da questão da segurança também?
P. Pode, claro...
R. O papel da Guarda Municipal é fundamental para a
segurança. Foi totalmente desvirtuado nas gestões anteriores e o Haddad piorou.
Eu tenho conversado muito com a Guarda Municipal e, pra minha surpresa, o
número de guardas hoje ainda é exatamente o mesmo do meu concurso, que foi
6.000 guardas. Só que a população aumentou muito, a função da guarda aumentou.
Então a guarda vai ser uma das principais preocupações minhas.