Eliane Cantanhêde, colunista de O Estado de S.Paulo
Querem saber o efeito da perícia sobre as “pedaladas
fiscais”, os créditos suplementares e a culpa ou não da presidente afastada
Dilma Rousseff? Apesar da inegável competência dos autores, o calhamaço não
muda absolutamente nada, porque dá uma no cravo, outra na ferradura: dá mais
argumento para os dois lados e reforça o que está colocado, debatido e gritado
desde o primeiro dia pelos senadores que são a favor e contra o impeachment.
Pelo relatório, tanto os decretos de créditos suplementares
quanto as manobras contábeis, conhecidas como “pedaladas fiscais”, foram erros
(ou crimes...), mas Dilma só pode ser responsabilizada (ou culpada) pelos
créditos, não pelas pedaladas. Ok. Significa que os dilmistas dizem que “está comprovado”
que não houve crime de responsabilidade nas pedaladas e os pró-impeachment
rebatem dizendo que “está comprovado” que houve, sim, nos decretos.
Para os senadores dilmistas, desde o início do processo de
impeachment, e para as testemunhas de defesa, que se revezam semana após
semana, o argumento mais batido é o de que a presidente, enquanto presidente,
não tinha obrigação nenhuma de saber das “pedaladas”, nem que eram “pedaladas”,
nem que eram ilegais. Já para os senadores anti-dilmistas e os autores da ação
de impeachment, ela, enquanto presidente, era obrigada a saber e é responsável
pelos atos de governo.
Dando nomes e caras aos argumentos: o ex-ministro e
ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo, atual defensor de Dilma,
admite que houve pedaladas, mas Dilma não tinha responsabilidade sobre elas. Já
o senador Aloysio Nunes Ferreira, ex-líder do PSDB, ironiza: “Ele (Cardozo)
inventou um crime sem réu, mas a Dilma era presidente da República do Brasil,
não presidente da República de Marte. Logo, responsável pelo que acontecia”.
Como esse embate vem desde a petição, ainda na Câmara, e já
passou pelo acatamento no Senado, a perícia divulgada ontem, com suas centenas
de páginas, é apenas mais um maço de documentos para uns usarem de um jeito e
outros do jeito oposto, ambos visando um único alvo: a opinião pública. Mas, de
prático, de concreto, não altera a tendência pró-impeachment nem deve mudar um
único voto na comissão e no plenário.
Mais do que um relatório ou perícia, dois fatores pesam para
o voto final de cada senador, sobretudo dos que ainda se colocam publicamente
como “indecisos”, mas todo mundo sabe, dentro e fora do Congresso, que não são
tão indecisos assim. Um fator é o “conjunto da obra” de Dilma, principalmente o
desastre na economia, amplificado pela quebra de encanto ético do PT, que acaba
de piorar com o anúncio de uma roubalheira insana no crédito consignado de
servidores públicos. O outro fator é a opinião pública.
Em recente visita ao Comando da Aeronáutica, seguida de
almoço, o senador Acir Gurgacz (PDT-RO), listado como “indeciso”, não fez a
menor questão de tergiversar ou de dourar a pílula, ao deixar claro que não tem
muita saída. Ele será candidato em 2018, provavelmente a governador em
Rondônia, Estado com forte predominância do agronegócio e com altíssimo índice
de rejeição a Dilma. Não foi à toa que todos os oito deputados federais votaram
a favor do impeachment na Câmara. “Como vou votar contra?”, antecipou Gurgacz
aos militares.
Em sendo assim, a comissão do impeachment vai se alongando e
se tornando mais e mais enfadonha, com os senadores dilmistas se esgoelando, as
testemunhas de defesa repetindo os mesmos argumentos, o relatório da perícia
engordando a pilha de documentos e... tudo continua sendo apenas uma questão de
tempo. Se não houver uma hecatombe, o destino de Dilma está selado. Cá para
nós, até o PT está se cansando dessa lengalenga sem fim, em que ninguém lucra.
Muito menos um país que convive com dois presidentes. Surreal.
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