Num livro que ensina russo a principiantes, uma dica das
autoras é preparar visitantes para um tratamento duro em algumas lojas. Segundo
elas, isso vem do período do comunismo, e as pessoas se sentem muito seguras no
emprego, a ponto de não se preocupar muito com as reações dos clientes. E
ensinam uma frase para fazer frente às situações difíceis: por favor, chame o
gerente.
Sabia que ia encontrar dificuldades na prestação de serviços
na Rússia. No livro de Michael Idov chamado “Dressed up for a riot”, ele conta
que foi dirigir uma revista da Condé Nast em Moscou. Numa conversa com a
diretora de Relações Humanas, ela o aconselhou a pensar bem antes de admitir
alguém, porque a demissão era algo bem difícil na Rússia. Segundo ela, alguns
demitidos têm direito a um ano de salários. Muitos desejam ser demitidos e
trabalham de má vontade.
Numa Copa do Mundo, é difícil testar essas informações e
afirmar com clareza que, realmente, as coisas são assim. Para começar, em toda
Copa do Mundo há a correria dos preparativos finais, e as pessoas ficam tensas.
Passei por algumas entradas de metrô que ainda estavam sendo reparadas no
princípio de junho.
Quando a Copa realmente acontece, aí o fluxo de turistas é
muito grande. No hotel de Moscou, o saguão estava tomado por grandes grupos.
Algumas pessoas dormiam apoiadas na mala, à espera do momento do check in, pois
chegaram algumas horas antes da liberação dos quartos.
Em Petersburgo, o hotel onde nos hospedamos me lembrou um
pouco do antigo 200 da Barata Ribeiro, um prédio onde morei, nos anos 1960, com
quatro jornalistas, infelizmente todos mortos hoje. O último a nos deixar foi
Moacir Japiassu.
Havia muita gente, alguns gritando “gol” na televisão,
outros relamando na portaria, um cheiro de gordura no ar. O prédio é bonito, um
hotel vertical, com vista para o Rio Fontanka. A internet é grátis. Boa para os
turistas, mas uma lástima para alguém como eu, que manda textos e fotos para o
jornal e vídeo para a TV. Tentei negociar com a gerência, mas tudo o que me
ofereceram foi vir do 15º para o 1º andar, pois talvez melhorasse.
Quis comer algo, pois tinha me esquecido do fuso horário e
trabalhei a noite toda. No bar, o garçom disse: melhor não pedir nada, vai
demorar demais. Há muita gente.
Os táxis são problemáticos, as companhias de aviação
domésticas, muito rudes. Tudo o que oferecem num longo voo é um copo d’água. A comissária
vem com um carrinho e, num ritual de serviço de ponte aérea, estende um copo de
papel: “vody?”.
Na Chechênia, a experiência foi outra. Hotéis vazios,
suntuosos, e as pessoas, calorosas. Infelizmente, não têm grande prática. Pedi
um espagueti e um chá preto no hotel. Vieram os dois, mas sem talheres, apenas
a colher para a xícara de chá. Estava com tanta fome que comi um pouco do
espaguete com a própria colher de chá, enquanto a portaria tentava consertar a
situação. Fiz bem, porque o que comi com colher ainda estava quente, quando
chegaram os talheres o prato já estava frio.
De qualquer forma, os russos se esforçaram, assim como nós o
fizemos, em 2014, para fazer o melhor na Copa do Mundo. Esses eventos elevam o
nível geral do país, mas não fazem mágica. Não resolvem de uma só vez
obstáculos culturais que acumulam décadas de existência.
Artigo publicado no Globo em 21/06/2018
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