Os jornais noticiaram a intenção da bancada ruralista, com
apoio do Ministério da Agricultura, de flexibilizar o “novo” Código Florestal.
Talvez exista alguém ingênuo a ponto de se surpreender por que estão boicotando
uma lei que eles mesmos fizeram e apresentaram ao país como a salvação da
lavoura. Mas quem conhece esse bloco de outros Carnavais já avisava que isso
aconteceria.
As mudanças no Código Florestal foram mostradas como um
“consenso” para facilitar a produção agrícola e pecuária sem prejudicar as
florestas. Havia quem dissesse que era o caminho para o desmatamento zero. Na
verdade, só anistiava o desmatamento já feito e diminuía a proteção para
permitir novos desmatamentos. Para manter as aparências, foi dado o prazo de um
ano para fazer o CAR (Cadastro Ambiental Rural) de todas as propriedades com
suas áreas de proteção.
Quem se inscrevesse teria tudo: perdão da maioria das
multas, conversão do restante em reflorestamento –podendo usar de espécies de
valor comercial–, financiamento, assistência técnica etc. Claro, os “pequenos
produtores” eram mostrados como os únicos beneficiados. Assim, ninguém poderia
dizer que os grandes proprietários, bem representados no parlamento, legislavam
em causa própria.
Passou o prazo e ninguém se regularizou. O desmatamento
aumentou quase 30%. Mas permanecia a promessa de que a nova lei era para valer:
o governo preparava lentamente o decreto para regulamentar o CAR e uma bela
cartilha sobre ele foi distribuída aos produtores em todo o país. Quanto ao
prazo, poderia ser estendido por mais um ano, embora isso não tenha sido feito
oficialmente –ou seja, desde maio do ano passado todo mundo está na
ilegalidade, sem a segurança jurídica tão alardeada nos discursos.
E agora, o que querem os “flexibilizadores”? Chegar ao fim
do prazo sem o cadastro, para que o governo emita mais uma Medida Provisória
adiando tudo e abrindo outra temporada de mudanças na lei. E querem permitir
que grandes propriedades sejam cadastradas com registros que as dividam em
áreas menores, sendo incluídas nas exceções reservadas aos pequenos produtores.
Em 2012, apelamos à presidente Dilma para que mantivesse o
compromisso assinado na eleição e vetasse permissões ao desmatamento. Todas as
manifestações da sociedade, em campanhas
ou pesquisas de opinião, eram em favor das florestas e contra a devastação. Tudo
isso foi desprezado, o governo e sua maioria parlamentar fizeram o “ tratoraço”
sobre a legislação.
E agora, sem ter a quem apelar para que mantenham o pouco que prometeram na lei que eles mesmo
criaram, podemos ao menos recorrer à chatice do “eu avisei”?
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na Folha de
S.Paulo.
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