Da Veja
No início de 2007, a Petrobras experimentava uma inédita
onda de prosperidade estimulada pelas reservas recém-descobertas do pré-sal. O
segundo mandato de Lula estava no começo. Com a economia aquecida e o consumo
em alta, a ordem era investir. A área internacional da companhia, sob o comando
do diretor Nestor Cerveró, aportou bilhões de dólares na compra de navios-sonda
que preparariam a Petrobras para a busca do ouro negro em águas profundas. Em
março daquele ano, uma operação chamou atenção pela ousadia. Sem discussão
prévia com os técnicos e sem licitação, a estatal comprou uma sonda sul-coreana
por 616 milhões de dólares. E, ainda mais suspeito, escolheu a desconhecida
construtora Schahin para operá-la, pagando mais 1,6 bilhão de dólares pelo
serviço. Um negócio espetacular - apenas para a empresa que vendeu a sonda e
para a construtora, que tinha escassa expertise no ramo. A Lava-Jato descobriu
que, como todos os contratos, esse também não ficou imune ao pagamento de
propina a diretores e políticos. O escândalo, entretanto, vai muito mais além.
Em delação premiada, o operador Julio Camargo, que representava
a Samsung na transação do navio-sonda Vitória 10 000, confessou ter pago 25
milhões de dólares em propinas a diretores e intermediários, incluindo aí o
próprio Cerveró. Com o esquema em torno da sonda revelado, faltava descobrir o
papel da Schahin na operação. E é exatamente Nestor Cerveró, preso em Curitiba
e agora negociando a sua delação premiada, quem revela a parte até aqui
desconhecida da história. Em um dos capítulos do acordo que está prestes a
assinar com o Ministério Público, o ex-diretor da área internacional conta que
os contratos de compra e operação da sonda Vitória 10 000 foram direcionados à
construtora Schahin com o propósito de saldar dívidas da campanha presidencial
de Lula, em 2006. E, por envolver o caixa direto da reeleição do petista, a
jogada foi coordenada diretamente pela alta cúpula da Petrobras.
Nos primeiros relatos em busca do acordo, Cerveró contou que
o PT terminou 2006 com uma dívida de campanha de 60 milhões de reais com o
Banco Schahin, pertencente ao mesmo grupo que administrava a construtora. Sem
condições de quitar o débito pelas vias tradicionais, o partido usou os
contratos da diretoria internacional para pagar a dívida da campanha. Então
presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli incumbiu pessoalmente Cerveró do
caso. O ex-diretor recebeu ordens claras para direcionar o contrato bilionário
da sonda à Schahin. Uma vez contratada pela Petrobras, a empreiteira descontou
a dívida do PT da propina devida aos corruptos do petrolão. Para garantir o
silêncio sobre o arranjo, a Schahin também pagou propina aos dirigentes da
Petrobras envolvidos na transação. Os repasses foram acertados pelo executivo
Fernando Schahin, filho do fundador do grupo, Milton Schahin, e um dos
dirigentes da Schahin Petróleo e Gás. Fernando usou uma conta no banco suíço
Julius Baer para transferir a propina destinada aos dirigentes da estatal para
o banco Cramer, também na Suíça. O dinheiro chegou a Cerveró e aos gerentes da
área Internacional Eduardo Musa e Carlos Roberto Martins, igualmente citados
como beneficiários dos subornos.
Além de amortizar as dívidas da campanha de 2006, o contrato
da sonda Vitória 10 000 serviu para encerrar outro assunto nebuloso envolvendo
empréstimos do Banco Schahin e o PT. A história remonta ao assassinato do prefeito
petista Celso Daniel, em Santo André, em 2002. Durante o julgamento do
mensalão, ao pressentir que seria condenado à prisão pelo Supremo Tribunal
Federal, Marcos Valério, o operador do esquema, tentou fechar um acordo de
delação premiada com o Ministério Público. Em depoimento na Procuradoria-Geral
da República, ele narrou a história que agora pode se confirmar no petrolão.
Segundo Valério, o PT usou a Petrobras para pagar suborno a um empresário que
ameaçava envolver Lula, Gilberto Carvalho e o mensaleiro preso José Dirceu na
trama que resultou no assassinato de Celso Daniel.
Valério contou aos procuradores que se recusou a fazer a
operação e que coube ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo pessoal de Lula,
socorrer a cúpula petista. Segundo ele, Bumlai contraiu um empréstimo de 6
milhões de reais no Banco Schahin para comprar o silêncio do chantagista.
Depois, usou sua influência na Petrobras para conseguir os contratos da sonda
para a construtora. O próprio Milton Schahin admitiu ter emprestado 12 milhões
de reais ao amigo de Lula. "O Bumlai pegou, sim, um empréstimo, como
tantas outras pessoas. Mas eu não sou obrigado a saber para que o dinheiro foi
usado", disse recentemente à revista Piauí.
Eivada de irregularidades, a contratação da Schahin tornou-se
alvo de investigação da própria Petrobras. A auditoria da estatal concluiu que
a escolha da Schahin se deu sem "processo competitivo" e ocorreu a
partir de índices operacionais de desempenho artificialmente inflados para
justificar a contratação. Os prejuízos causados pela transação em torno da
Vitória 10 000 foram classificados pelos técnicos como "problemas
políticos", que deveriam ser resolvidos pela cúpula da estatal. Não fosse
pela Lava-Jato, a trama que envolve a campanha de Lula e os contratos na
Petrobras permaneceria oculta nos orçamentos cifrados da estatal. A Schahin,
que vira seu faturamento saltar de 133 milhões de dólares para 395 milhões de
dólares durante os oito anos de governo Lula, seguiria faturando sem ser
importunada.
O cerco, porém, está se fechando. Os números das contas
usadas no pagamento de propinas no exterior e até detalhes das viagens de
Fernando Schahin à Suíça já foram entregues pelos ex-dirigentes da Petrobras
aos procuradores. Apesar dos claros sinais de fraude no processo, o
ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli defendeu a compra da sonda ao
depor como testemunha de defesa de Cerveró na Justiça. Procurados, os advogados
de Cerveró disseram que não poderiam se pronunciar sobre o andamento do acordo
de delação com o Ministério Público. Os demais citados negaram envolvimento no
caso. Ao falar da ordem para beneficiar a Schahin, Cerveró reproduziu a frase
que teria ouvido de Gabrielli: "Veio um pedido do homem lá de cima. A
sonda tem de ficar com a Schahin". E assim foi feito. Cerveró ainda não
revelou quem era o tal "homem".
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