Por Helena Chagas, O Globo
Na prática, Dilma Rousseff já não é presidente da República
em toda a plenitude, mas Michel Temer também não é. O Brasil caiu num perigoso
limbo, um buraco negro que engoliu a autoridade presidencial, irreversivelmente
abalada, mas nada colocou ainda em seu lugar. A presidente da República
legitimamente eleita começou a perder as condições políticas e legais de governar
com a aprovação da autorização do impeachment pela Câmara. O vice vive numa
bolha de expectativa de poder, na qual tenta formar um governo e criar
condições para, mais adiante, ganhar legitimidade para governar. O fato é que,
neste momento, ninguém governa de verdade.
É uma situação extremamente delicada, pela qual o Brasil não
passava desde o fim dos governos militares. Talvez nem mesmo a dúvida que se
instalou na madrugada de 15 de março de 1985, quando Tancredo Neves adoeceu e
não tomou posse, tenha sido tão inquietante quanto a situação que vivemos hoje.
Na ocasião, assumiu o vice, José Sarney, com o apoio das forças políticas, e a
vida seguiu.
Hoje, estamos longe desse tipo de consenso. Instalou-se um
vazio. Os agentes políticos giram todos em torno das articulações contra e a
favor do impeachment e o Brasil parou. Mas tudo sempre pode piorar, e o maior
risco é a crise rotineira de cada dia dar lugar a algum abalo inesperado ou
evento que exija reações rápidas e decisões fortes. Por exemplo, uma epidemia
grave, um acidente natural ou catástrofe, um desentendimento diplomático sério
ou qualquer situação emergencial do tipo que demande intervenção imediata do
governo. Que governo?
Enquanto durar tal situação, o país continuará a milhares de
quilômetros de distância de qualquer medida, proposta, plano ou iniciativa para
sair do fundo do poço onde se encontra e tentar recuperar a economia, vinda de
Dilma ou de Temer.
O mais grave é que ninguém sabe bem quanto tempo se levará
para desatar esse nó. A precariedade institucional pode se estender para além
da substituição formal de Dilma por Temer. Afinal, legalidade nem sempre vem
acompanhada de legitimidade, e vice-versa.
Foi constitucional e legal, por exemplo, a decisão da Câmara
de aprovar o impeachment da presidente da República. Assim como também é legal
que ela, ainda no exercício do cargo para o qual foi eleita, dê declarações
condenando os que a condenaram. Dilma
não pode tomar decisões ilegais ou inconstitucionais que excedam o mandato
legal que recebeu da Constituição, mas pode espernear. Como presidente, ela
resolveu espernear em Nova York, na ONU. Não deixa de ser um direito seu.
Enquanto não for apeada do cargo de presidente, fala pelo Brasil nos foros
internacionais.
Michel Temer tem também o direito, e até o dever, de fazer
suas articulações para montar uma equipe que tem que estar pronta quando
assumir, provavelmente entre 12 e 17 de maio, com a aprovação pelo Senado da admissibilidade do
processo – hipótese sobre a qual ninguém tem dúvidas. A partir dessa data, será legalmente
presidente e poderá governar. Mas não plenamente, pois será interino enquanto o
Senado não julgar em definitivo a presidente, em até 180 dias.
O maior medo de Temer e seus aliados hoje é que, com a
legalidade de sua posse, não venha a legitimidade necessária para governar de
fato. Há grande preocupação com os movimentos de Dilma e do PT de Lula, com seu
discurso colando ao impeachment a palavra golpe e chamando o vice e seus
aliados de traidores. A incursão internacional de Dilma, junto à mídia e agora
no cenário da ONU, pode ser desastrosa para o Temer num momento em que precisa
passar a idéia de que poderá resgatar a credibilidade da economia.
Michel Temer - que não conta com bons índices nas pesquisas
- sabe que, independentemente da data da posse legal, só vai virar presidente
de verdade quando e se convencer o país de que tem condições de liderá-lo, e
que isso passa pelas primeiras medidas rumo à
recuperação da economia. É a tal da legitimidade, que os governantes
conquistam nas urnas e, mais raramente, em atitudes, gestos e realizações.
Se essa legitimidade não for conquistada, é grande o risco
de crise institucional no presidencialismo à brasileira. Em pouco tempo, vamos
estar discutindo a sério a antecipação das eleições, o parlamentarismo e outras
idéias malucas. Até lá, apertem os
cintos porque o piloto continuará sumido.
Artigo de Helena Chagas, O Globo – via Blog do Noblat


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