Da ISTOÉ
O deputado Jair Bolsonaro empreende um enorme esforço para
suavizar seu perfil. Tenta vestir pele de cordeiro, mas não adianta. É um
predador. Tornou-se conhecido exatamente pela truculência, pelos raivosos
ataques às minorias, pelas ofensas às mulheres, aos homossexuais e pela defesa
radical da tortura e dos regimes autoritários. Salta aos olhos sua verve
flagrantemente totalitária – o parlamentar reage a críticas a coices de cavalo.
Demonstra não admiti-las. A virulência com que contra-ataca qualquer reparo
dispensado a ele é típica de quem não suporta ser fiscalizado. Imagine no
poder? Como diria o filosofo espanhol Ortega & Gasset, parece faltar a
Bolsonaro aquele fundo insubornável do ser. Ou seja, o mais íntimo pensamento
na hora em que o indivíduo encara o seu reflexo no espelho e tenta reconhecer a
própria face. Não raro, acusa os outros do que ele mesmo faz.
Até hoje, Bolsonaro conseguiu se eleger graças aos votos de
pessoas aparentemente tão preconceituosas quanto ele. As que não o são,
transmitem a impressão de estarem inebriadas pelo fenômeno eleitoral – os olhos
vidrados e a postura quase catatônica de seu séquito, a entoar “mito, mito,
mito” a cada aparição de Bolsonaro pelas capitais do País, falam por si. Nos
últimos meses, o parlamentar aproveitou a crise de segurança e a escalada da
corrupção para ampliar sua faixa de simpatizantes. Mais moderado, apresenta-se
como o candidato ideal à Presidência para quem perdeu a confiança na política
tradicional. Com isso, já aparece em segundo lugar nas pesquisas de opinião,
atrás somente do ex-presidente Lula. Porém, que ninguém se engane. Bolsonaro
significa um retrocesso para o Brasil. O pré-candidato leva Messias no nome,
mas definitivamente não conduz o País para um bom caminho. Depois de um impeachment
e de a Lava Jato arruinar a velha política e seus métodos condenáveis, as
próximas eleições podem representar um momento de inflexão para o Brasil. Pelo
menos é o que se espera. Sua candidatura, no entanto, é a antítese disso.
Comete erro grosseiro quem não dá importância à ascensão do
ex-capitão do Exército. O País pode estar diante do ovo da serpente. Embora sua
candidatura seja legítima, e algumas de suas ideias passíveis de estarem em
debate numa campanha, uma eventual eleição de Bolsonaro representa uma grave
ameaça aos preceitos republicanos e democráticos. Do ponto de vista político,
será como manter o País sob um Fla-Flu constante. E, pior, debaixo de um tacape
manejado por um troglodita desprovido de freios. Ele sabe que grassa no
eleitorado um sentimento de desolação e, para chegar lá, joga exatamente para
essa platéia. Por isso, tornou-se um fenômeno nas redes sociais, com mais de
cinco milhões de seguidores, além de admiradores fieis. Trata-se, no entanto,
de um mito com pés de barros.
As declarações de Bolsonaro costumam ser contraditórias e
inconsistentes, um espelho de seu repertório raso. Mostram seu total despreparo
para exercer altas funções no Executivo. Seu conhecimento sobre a economia
brasileira é de uma superficialidade chocante para um homem com tantos anos de
vida pública. Ele próprio admite que não entende nada do riscado. E diz que, se
chegar à Presidência, bastará nomear um ministro da Fazenda que seja do ramo
para ficar tudo certo. Quem conhece seu estilo centralizador, sabe que não é
bem assim. Os próprios aliados reconhecem que delegar não é seu forte.
Em encontro com representantes do mercado financeiro,
Bolsonaro deu demonstrações de sua ignorância a respeito de temas econômicos.
Ao ser questionado sobre o que pretende fazer para reduzir a dívida pública,
disse que chamaria todos os credores para conversar. Perpetrou um absurdo. Como
se sabe, qualquer pessoa ou empresa pode comprar títulos da dívida pública. E o
número de detentores de tais títulos é imenso. O deputado confundiu dívida
pública com dívida externa, essa sim com número de credores palpável. Dias
antes, em entrevista a Mariana Godoy, da RedeTV!, disse que os militares
guindaram a economia brasileira à 8ª maior do mundo. “Dos cinco presidentes
militares, nenhum era formado em economia, e ainda assim, elevaram o Brasil da
49ª para a 8ª economia mundial”. Convenientemente ou não, esqueceu-se que, na
ditadura, a dívida externa explodiu e houve hiperinflação.
Diante das derrapadas em profusão na seara econômica, Bolsonaro
recorreu à consultoria dos irmãos Abraham Weintraub e Arthur Weintraub. O
primeiro foi diretor da corretora do Banco Votorantim e o segundo é advogado e
doutor em direito previdenciário. Com o auxílio, Bolsonaro divulgou uma espécie
de nova versão da lulista Carta aos Brasileiros. Nela, defendeu a independência
do Banco Central, que sairia da Fazenda. “Com sua independência, tendo mandatos
atrelados a metas/métricas claras e bem definidas pelo Legislativo,
profissionais terão autonomia para garantir à sociedade que nunca mais
presidentes populistas ou demagogos colocarão a estabilidade do país em risco
para perseguir um resultado político de curto prazo”, justificou. Sua ideia, no
entanto, não encontra respaldo entre economistas de mais estofo. Nem os de
esquerda, nem os liberais.
As patetices de Bolsonaro chamaram a atenção de importantes
veículos de comunicação internacionais. Na semana passada, edições dos
conceituados “Financial Times” e “The Economist”, da Inglaterra, trouxeram
pesadas críticas ao deputado. O FT comparou o deputado aos presidentes dos EUA,
Donald Trump, e das Filipinas, Rodrigo Duterte: “Um demagogo de direita com
pontos de vista radicais”. Para “The Economist”, Bolsonaro não é um “Messias”,
como seu sobrenome do meio, mas sim um “menino muito travesso”. A revista
descreve o deputado como ele é: um nacionalista religioso, anti-homossexual,
favorável às armas e que faz apologia a ditadores que torturaram e mataram
brasileiros entre 1964 e 1985. “Bolsonaro quer ser o Trump brasileiro”,
constata “The Economist”.
Ainda não se sabe exatamente qual foi a reação de Jair
Bolsonaro às críticas que recebeu do exterior. Mas uma coisa é certa: deve ter
perdido totalmente a compostura. Foi assim que revidou o artigo da colunista
Miriam Leitão, que questionou seu total despreparo para lidar com a economia.
“Miriam Leitão, a marxista de ontem, continua a mesma. Seu lugar é no chiqueiro
da história”, atacou o ex-capitão, com a cólera que lhe é peculiar. Em nenhum
momento, porém, Bolsonaro entrou no mérito da questão. Não respondeu ao que
interessa: sua flagrante limitação acerca de temas importantes para o País.
Que o pavio do deputado é curto não constitui novidade. Mas
é visível seu esforço para se tornar mais palatável para o mercado financeiro e
a elite empresarial. Em viagem aos Estados Unidos, Bolsonaro fez juras de amor
ao credo liberal e afirmou que vê com bons olhos a redução do peso do Estado na
economia. Possivelmente, ludibriou quem não conhece sua atividade parlamentar.
Os fatos, porém, desmentem sua profissão de fé privatista. Entre o segundo
mandato de Fernando Henrique Cardoso e os oito anos de Lula no poder, Bolsonaro
votou sistematicamente em sintonia com as propostas do PT, incluindo projetos
intervencionistas e outros que concederam incentivos fiscais ao setor privado,
de acordo com as prioridades estatais. Ele só passou a se opor à cartilha
petista quando Dilma Rousseff se tornou presidente. Na realidade, nem um
anti-Lula legítimo Bolsonaro é. Em entrevista concedida em 2003, ele admitiu
ter votado no petista no segundo turno de 2002 – em discurso, o chamou até de
“companheiro” e referiu-se a ele como “nosso querido Lula”.
As próprias propostas de autoria de Bolsonaro mostram que
ele passa longe de uma postura antiestatizante. Os poucos projetos do deputado
indicam pensamento que passa longe dos cânones liberais como a isenção
tributária para taxistas e mudanças nos contratos habitacionais. Ou seja, fica
claro o abismo entre seus votos e o que prega.
No Parlamento, Bolsonaro integra as bancadas da bala e
evangélica, mas no tapete verde da Câmara não compõe exatamente um time:
aparenta ser aquele jogador desagregador, sem espírito de grupo. Não por acaso,
neste longo período como parlamentar, ele não conseguiu construir relações
sólidas com nenhum partido. Já passou por PDC, PP, PPR, PPB, PTB, PFL e o atual
PSC. Há chance, porém, de disputar a Presidência por outra legenda, o PEN, que
tende a mudar seu nome para Patriotas. Mais um ponto negativo de sua candidatura:
sem uma base sólida no Congresso, será muito difícil governar o País.
Ultraconservador, Bolsonaro ataca até mesmo a defesa dos
direitos humanos, uma garantia constitucional que remonta à Revolução Francesa.
“Precisamos dar um cavalo de pau na política de direitos humanos”, afirmou no
início do ano. Recentemente, o filho e vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ)
publicou nas redes sociais uma foto do pai segurando uma camisa com os
seguintes dizeres: “Direitos Humanos, esterco da vagabundagem”. Em 2011,
Bolsonaro admitiu, sem corar a face: “Sou preconceituoso com muito orgulho”. E
é mesmo. As declarações do deputado incluem ataques a minorias, especialmente
homossexuais. Ele coleciona frases polêmicas contra a comunidade LGBT. Eis
algumas delas: “Se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”; “O filho
começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, e já muda o comportamento”;
“Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num
acidente do que apareça com um bigodudo por aí”.
O incorrigível deputado também é autor de declarações
eivadas de racismo e de claro desrespeito à mulher. Atacou a deputada Maria do
Rosário (PT-RS), em 2014, ao afirmar que ela “não merecia ser estuprada porque
ela é muito ruim, porque é muito feia”. E completou: “Não faz meu gênero.
Jamais a estupraria”. Foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça. Em
palestra no Rio, Bolsonaro fez um comentário machista sobre a própria filha:
“Tenho 5 filhos. Foram 4 homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma
mulher”.
Para completar, Bolsonaro não esconde sua admiração pela
ditadura que assolou o País por mais de duas décadas. Afirma que “o erro da
ditadura foi torturar e não matar”. Em maio de 1999, escancarou sua veia
autoritária: num programa de TV, ao defender o fechamento do Congresso, ele
afirmou: “deviam ter fuzilado corruptos, a começar pelo presidente Fernando
Henrique”.
Quem ninguém perca de vista: as consequências da eleição de
um político radical e agressivo podem ser funestas à nação. O Brasil começa a
se erguer de um longo período de recessão. E tenta reencontrar o caminho do
crescimento e, por que não, da pacificação. A saída, portanto, não é o
extremismo. Ao contrário. O País precisa de união. Bolsonaro sem máscaras,
aquele que (quase) todos conhecem, passa longe disso.
ZERO EM ECONOMIA
As inconsistências no discurso econômico de Bolsonaro
Economia na ditadura militar: Em entrevista à jornalista
Mariana Godoy, da RedeTV!, Bolsonaro disse que os militares elevaram a economia
brasileira à oitava maior do mundo. “Dos cinco presidentes militares, nenhum
era formado em economia, e ainda assim, eles elevaram o Brasil da 49ª para a 8ª
economia mundial”. Foi imediatamente corrigido por Mariana, que lhe lembrou
que, durante a ditadura, a dívida externa explodiu e também houve
hiperinflação.
Dívida externa x dívida pública: Questionado sobre o que
pensa da dívida pública em encontro com representantes do mercado financeiro,
ele disse que chamaria todos os credores para conversar. Isso é impossível, já
que qualquer pessoa ou empresa pode comprar títulos da dívida pública. O número
de credores é imenso. Bolsonaro confundiu a dívida pública com a dívida
externa, essa, sim, passível de negociação com os credores.
Independência do Banco Central: Assessorado por economistas
pouco conhecidos, Bolsonaro defende a independência do Banco Central. “Com sua
independência, tendo mandatos atrelados a metas/métricas bem definidas pelo
Legislativo, profissionais terão autonomia para garantir à sociedade que nunca
mais presidentes populistas ou demagogos colocarão a estabilidade do país em
risco”, explicou. A ideia, porém, é rechaçada por economistas de peso. Maria da
Conceição Tavares, por exemplo, afirma que “Banco Central independente é uma
patetada”.
Discurso liberal contrário x atuação como parlamentar: Nos
últimos meses, Bolsonaro tem adotado discurso liberal e antiestatizante. Em
palestra nos EUA, defendeu a participação mínima do Estado na economia. A
postura atual bate de frente com sua atuação na Câmara. No segundo mandato de
FHC e nos oito anos de Lula no poder, Bolsonaro votou sistematicamente com o
PT, o que inclui projetos de intervenção estatal.
O verdadeiro Bolsonaro
Após o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defender a
união civil entre pessoas do mesmo sexo, em 2002, Bolsonaro protestou na
Câmara: “Se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”
Em 2010, durante um debate na TV Câmara sobre as mudanças na
lei que proibia os pais de darem palmadas nos filhos, o deputado disse: “O
filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, e já muda de
comportamento”
MISOGINIA E DESRESPEITO À MULHER
Bolsonaro atacou a deputada Maria do Rosário (PT), em
dezembro de 2014, ao afirmar que “ela não merece ser estuprada porque ela é
muito ruim, porque ela é muito feia. Não faz meu gênero. Jamais a estupraria”
Em uma palestra no Rio de Janeiro, Bolsonaro fez um
comentário machista sobre a própria filha: “Eu tenho 5 filhos. Foram 4 homens,
a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”
RACISMO
No início do ano, Bolsonaro teceu um comentário racista
durante uma palestra: “Fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava
sete arrobas. Nem pra procriador ele serve mais”. A declaração rendeu uma
condenação de R$ 50 mil por danos morais.
DEFESA DA DITADURA E DO RADICALISMO
“Não houve ditadura no Brasil. As pessoas tinham liberdade
para ir e vir, ir para a Disneylândia, voltar sem problemas. A ditadura era
para os bandidos, os vagabundos, então a lei era difícil para eles”, disse
Bolsonaro em entrevista ao Financial Times.
PRECONCEITO
Em 2011, o deputado não escondeu as ideias radicais que
defende até hoje: “Sou preconceituoso, com muito orgulho”.
TOTALITARISMO
No programa Pânico, da rádio Jovem Pan, em julho de 2016,
Bolsonaro foi além da defesa às torturas da ditadura militar:
“O erro da ditadura foi torturar e não matar”
Em maio de 1999, num programa de TV, ao defender o
fechamento do Congresso, ele disse: “No período da ditadura, deviam ter
fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique”
REPÚDIO AOS DIREITOS HUMANOS
O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do deputado
federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), publicou nas redes sociais uma foto do pai
segurando uma camisa com a frase: “Direitos humanos esterco da vagabundagem”
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