Editorial O Estado de S.Paulo
Pobreza não se cria da noite para o dia. Em geral, é
resultado de anos de má administração, combinada com ideias equivocadas sobre o
papel do Estado na economia. Pode-se adiar seu aparecimento, pode-se até mesmo
dar a impressão de que se conseguiu erradicá-la, mas, cedo ou tarde –
geralmente cedo –, os erros vão resultar em degradação da renda de parte
significativa da população, que antes experimentou a ilusão da ascensão social.
Assim, não há como se dizer surpreso com a informação de que
52,168 milhões de brasileiros, ou um quarto da população total, encontravam-se
abaixo da linha de pobreza medida pelo Banco Mundial em 2016 – menos de US$
5,50 por dia –, conforme dados da Síntese de Indicadores Sociais de 2017,
recentemente divulgados pelo IBGE. Já no patamar de extrema pobreza, com US$
1,90 por dia, vivem cerca de 13,3 milhões de pessoas, ou 6,5% da população.
Esse imenso contingente não empobreceu em razão de alguma guerra ou catástrofe
natural, mas como consequência direta das decisões econômicas irresponsáveis
tomadas pela presidente cassada Dilma Rousseff, que geraram dois anos de
recessão, com alta inflação e crescente desemprego.
Os números resultam de uma nova métrica de pobreza do Banco
Mundial, razão pela qual foram apresentados sem comparação com pesquisas
anteriores. Mas é possível visualizar o tamanho do desastre a partir de dados
da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o mesmo tema, segundo os quais o total
de brasileiros abaixo da linha de pobreza saltou quase 20% em 2015, primeiro
ano do segundo mandato de Dilma Rousseff. Há ainda outra pesquisa, do Instituto
de Estudos do Trabalho, publicada pelo Valor, que mostra que, entre 2015 e
2016, mais de 9 milhões de pessoas engrossaram a fatia da população abaixo da
linha de pobreza. Para os autores desse estudo, o fenômeno teve seu início em
2014.
Uma parte desse aumento do número de pobres se deve à
aceleração da inflação, que em 2015 passou de 10%. Além disso, segundo disse ao
Estado Marcelo Néri, pesquisador da FGV e que presidiu o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) no governo de Dilma, houve congelamento do valor dos
benefícios do Bolsa Família entre 2015 e 2016, que a presidente se viu obrigada
a fazer como resultado direto da necessidade de cortar custos, depois do
descontrole de gastos dos anos anteriores.
Esse cenário contrasta brutalmente com a situação verificada
entre 2004 e 2014, a “era de ouro” do lulopetismo. Nesse período, o número de
pessoas que deixaram de ser consideradas pobres no País caiu, em média, cerca
de 10% ao ano. Foi o suficiente para que os petistas se jactassem da façanha de
ter tirado de 36 milhões a 40 milhões de brasileiros da miséria – os números
variam conforme o palanque. Para essa turma, tanto o impeachment de Dilma como
os processos judiciais contra Lula resultam de uma conspiração do grande
capital para impedir a continuidade da ascensão dos pobres.
Como os números mostram, porém, o “milagre” petista não
passou de empulhação. Milhões de brasileiros deixaram a linha de pobreza
exclusivamente em razão do Bolsa Família, isto é, o aumento da renda não se
amparava senão no benefício estatal. Isso significa que não foram criadas
condições para que a melhora socioeconômica dessa parcela da população se
consolidasse e se sustentasse no longo prazo.
A situação é ainda mais dramática justamente nas regiões do
País em que a dependência do Bolsa Família se tornou crônica, como no Nordeste
e no Norte, em que nada menos que 43% dos habitantes têm renda igual ou
inferior à estabelecida como linha de pobreza pelo Banco Mundial.
Felizmente, contudo, o quadro começa a mudar. Com o fim da
recessão, a retomada do emprego e a queda da inflação – resultados diretos da
troca de governo depois do impeachment –, o número de pessoas abaixo da linha
de pobreza já diminuiu neste ano, conforme informou Marcelo Néri, da FGV.
Segundo ele, o recuo da inflação foi o fator fundamental para essa reversão,
pois resultou em ganho real de renda. Em resumo, os pobres não precisam de
mágicos, e sim de governantes que respeitem os fundamentos da economia.
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