Fabio Giambiagi, O Globo
Todo democrata fica admirado quando assiste na televisão ao
espetáculo do primeiro-ministro indo para a Câmara dos Representantes do Povo,
na Grã-Bretanha, prestar contas do seu mandato.
Seja com o tom cortante de uma Lady Thatcher, com o carisma
de Tony Blair ou com o estilo acinzentado dos sucessores deste, é difícil não
sentir inveja do espetáculo que é o debate de alto nível propiciado por essa
prática ancestral.
Mesmo quando há uma intensa rivalidade política em jogo, o
ataque parlamentar não é incompatível com o diálogo, ainda que permeado pelas
tensões inerentes à disputa política. O antagonismo entre conservadores e
socialistas na Espanha é uma marca das disputas partidárias naquele país.
Lembro sempre o discurso ferino com o qual o líder da
oposição saudou o então jovem primeiro-ministro Aznar — até então visto,
equivocadamente, como uma figura apagada e sem destaque — após anos de
estrelato de Felipe González na condução dos destinos do país: “Em geral, a
oposição pede para os governantes irem embora.
Neste caso, porém, eu lanço outro tipo de desafio, depois
destes anos nos quais o atual partido oficialista dedicou-se apenas ao
exercício da crítica e vos digo: ‘Governem!’”. Salta aos olhos o teor ofídico
do discurso. E, não obstante isso, no meio dessa rivalidade foi possível gestar
acordos que foram muito importantes para os avanços do país, como os Pactos de
Moncloa e de Toledo.
Já enfatizei neste espaço no passado a necessidade de
construir alianças em nome da governabilidade, seja para permitir a formação de
uma coalizão governante que consiga apoiar uma série de reformas no Congresso,
seja no sentido de ampliar o espaço do centro no jogo político, evitando
radicalizações que podem comprometer, justamente, a viabilidade dessas
reformas.
Um ingrediente importante, porém, desse clima que terá que
ser construído é o bom relacionamento entre governo e oposição, para além das
“pancadas por baixo da mesa” que são comuns ao jogo político-partidário em
qualquer democracia.
Explico: por maior que seja o entrosamento entre os membros
de um governo — e o leitor sabe como será difícil cultivar a harmonia entre os
sete ou oito partidos que continuarão sendo necessários para montar uma
coalizão que consiga ter 308 votos na Câmara de Deputados para aprovar uma
Proposta de Emenda Constitucional —, o dia a dia do país será complicado se a
oposição agir única e exclusivamente com o propósito de criar problemas para o
governo.
A não ser em democracias de fachada, nas quais na prática o
governante pode tudo; ou em situações excepcionais em que um presidente ou primeiro-ministro
forma uma maioria parlamentar acachapante — como no caso da França atualmente
—, para que o Congresso possa operar é preciso ter algum grau de boa vontade da
oposição.
Isso envolve certas regras de fair play, baseadas em parte
nas boas normas da educação e, também, no pressuposto de que um dia os papéis
podem se inverter e quem é oposição pode vir a ser governo e depender dessa
mesma compreensão.
Vimos no Brasil, em 2015, numa situação extrema, com a
discussão da famigerada “pauta bomba” em plena “guerra quente” entre Eduardo
Cunha e Dilma Rousseff, o tipo de problemas que um Congresso hostil pode
causar.
Seria um desastre que algo assim se repetisse no futuro. Por
isso, será muito importante que, em 2019, existam condições de diálogo entre o
governo e a oposição. Isso significa ter os interlocutores certos em cada lado.
A rivalidade política não deve ser incompatível com a cordialidade.
Vou dar aqui um pequeno e modesto depoimento pessoal. Não
sou político e nem um técnico muito rodado em negociações com parlamentares,
mas, sendo participante relativamente ativo do debate econômico, já tive
oportunidade de debater com deputados que tinham posições antagônicas com as
minhas.
Não obstante isso, foi um prazer manifestar as ideias de
forma civilizada, sem nenhuma agressividade ou acusação descabida, diante de
pessoas educadas como os deputados Arlindo Chinaglia, Alessandro Molon ou Chico
Alencar.
O Parlamento precisa resgatar a cordialidade que existia no
trato entre Jarbas Passarinho e Nelson Marchezan, de um lado; e Paulo Brossard,
Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, de outro... na época do governo militar!
Nenhum comentário:
Postar um comentário