Fernando Henrique Cardoso gosta de relembrar uma cena na
qual o historiador Sérgio Buarque de Holanda discutia o tamanho de algumas
figuras do Império e ensinou: "Doutora, eles eram atrasados. Nós não temos
conservadores no Brasil. Nós temos gente atrasada."
Foi a gente atrasada que levou o Brasil a ser um dos últimos
países a abolir a escravidão e a adotar o sistema de milhagem para os
passageiros de aviões, deixando a rota Rio-São Paulo de fora.
É a gente atrasada quem trava
os projetos de segurança das barragensque tramitam no Senado, na Câmara e
na Assembleia de Minas Gerais.
Essa gente atrasada estagnou a economia durante o século 19
e, no 20, faliu as grandes companhias de aviação brasileiras. No 21, produziu
os desastres
de Mariana e Brumadinho.
Jair
Bolsonaro elegeu-se presidente da República com uma plataforma
conservadora, amparado pelo atraso. Sua campanha contra os organismos
defensores do meio ambiente foi a prova disso. Não falava em nome do
empresariado moderno do agronegócio, mas da banda troglodita que se confunde
com ele. Felizmente, preservou o Ministério do Meio Ambiente.
Outra bandeira de sua ascensão foi a defesa da lei e da
ordem. A conexão
dos "rolos" de Fabrício Queiroz com as milícias do Rio de
Janeiro ilustrou quanto havia de atraso na sua retórica. (O Esquadrão da Morte
do Rio surgiu em 1958 e anos depois alguns de seus "homens de ouro"
tinham um pé no crime.)
Nos anos 70, o presidente de Scuderie Le Cocq era
contrabandista, e o delegado Sérgio Fleury, grão-mestre do esquadrão paulista,
ilustre janízaro da repressão política, protegia traficantes de drogas.
Ronald Reagan e Margaret Thatcher foram conservadores, já os
patronos dos esquadrões foram e são simplesmente atrasados. Por isso, Nova York
e Londres são cidades seguras, enquanto o Rio é o que é. O detento Sérgio
Cabral dizia que favelas eram fábricas de marginais.
As mineradoras nacionais moveram-se nos escurinhos do poder,
e mesmo depois do desastre de Mariana bloquearam as iniciativas que aumentariam
a segurança das barragens. Deu
Brumadinho. As perdas da Vale nas Bolsas e com as faturas dos advogados
superarão de muito o que custaria a proteção de Brumadinho. Será a conta do
atraso.
Com menos de um mês de governo, Jair Bolsonaro foi
confrontado pela diferença entre conservadorismo e atraso. Seu mandato popular
ampara-se numa plataforma conservadora com propostas atrasadas. Muita gente que
votou nele pode detestar o Ibama e as ONGs do meio ambiente. Também pode achar
que bandido bom é bandido morto.
Quando acontecem desgraças como Brumadinho ou quando são
expostas as vísceras das milícias e seus mensalinhos, essas mesmas pessoas
mudam de assunto e o presidente fica só, como ficou o general João Figueiredo
depois do atentado do Riocentro.
O atraso é camaleônico. Escravocratas do Império tornaram-se
presidentes na República Velha. A Federação das Indústrias de São Paulo
financiou o DOI, aderiu à Nova República e varreu os crimes da ditadura para a
porta dos quartéis.
Trogloditas do agronegócio e espertalhões das mineradoras
sabem o que querem. Conviveram com o comissariado petista esperando por um
Messias. Tiveram-no. Quando a Vale caiu na frigideira, fizeram o que deviam e,
num só dia, venderam suas ações derrubando em R$ 71 bilhões o seu valor de
mercado.
Durante a campanha eleitoral, quando confrontado com os
problemas que encontraria na Presidência, Bolsonaro repetia um versículo do
Evangelho de João:
"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”
Brumadinho e suas relações com Fabrício Queiroz mostraram a
Jair Bolsonaro o verdadeiro rosto do atraso.
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