Sabia que Darwin não passaria incólume por este governo.
Inclusive escrevi um artigo prevendo esta hipótese. Nele, falava de um filme
americano do século passado, cujo título no Brasil foi “O vento será tua
herança”.
Na verdade, o filme era sobre um júri onde se discutia o
ensino da teoria da evolução nas escolas. Ficou conhecido como o júri do
macaco.
Darwin esteve no Brasil. Parte de sua teoria foi elaborada a
partir da experiência em Galápagos. Outro dia, percorri seu caminho no interior
do Rio, dentro do território de Maricá. Observava as possíveis plantas que
Darwin viu e, ao passar por um casarão da fazenda, vislumbrei a grande pedra da
qual, segundo se diz, os escravos se jogavam. A passagem de Darwin pelo Brasil
não se limitou à natureza. Ele se impressionou com a escravidão, à qual ele e sua
família se opunham na época.
A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, lamentou que
a igreja evangélica tenha perdido espaço para Darwin nas escolas brasileiras,
nas quais o criacionismo não é ensinado. O ministro da Ciência, Marcos Pontes,
já fez a defesa de Darwin. De qualquer forma, ainda existe no ministro da
Educação uma desconfiança em torno da ciência, tema que também abordei no
artigo anterior.
O GLOBO tentou comprar uma autobiografia de Damares. Não deu
certo porque a edição de “Jesus sobe no pé de goiaba” foi suspensa. O interesse
do GLOBO em Damares é o de repórter. O meu é de escritor. Ela é a grande
personagem deste princípio de governo.
Imaginei até uma série de ficção, que começaria com uma
ministra de cabelos longos com as mãos na mesa de uma de suas três secretárias,
alguns carros usados no pátio, dizendo: “De agora em diante, neste país, menino
se veste de azul, menina se veste de rosa”.
Eu a sigo com um olhar fascinado desde a história de ter
visto Jesus na goiabeira. Estava pronto para defendê-la dos lobos do ceticismo,
mas ela mesma recuou. Disse que era uma fantasia de criança.
O recuo a torna uma personagem mais complexa ainda. Se viu
Jesus na goiabeira e está relativizando, sua visão é sinal de que não quer
enfrentar os céticos.
Mas se foi apenas uma fantasia infantil, por que
apresentá-la como se tivesse acontecido de verdade? Aí entraríamos num outro
território, o do também fascinante personagem de Sinclair Lewis, chamado Elmer
Gantry. No cinema, foi vivido por Burt Lancaster. Era um genial manipulador.
Limito-me a observar os primeiros passos do governo, mas,
sinceramente, não é o caso ainda de fazer oposição. A fase ainda é a de Sancho
Pança, limitando-me a dizer: “Olha mestre, olha o que está dizendo.”
O governo retirou o Brasil do Tratado de Migração da ONU.
Disse que o fez em nome da soberania nacional. Mas o tratado não era
vinculante. Apenas uma tentativa de organizar o maior caos que a humanidade
vive, os deslocamentos em massa.
Bolsonaro falou como se o Brasil estivesse na mira de
multidões de refugiados. Mas não está. Na verdade, temos mais brasileiros no
exterior do que estrangeiros procurando o Brasil.
Não se pensou no destino dos brasileiros lá fora. Não podem
ser vistos com má vontade, uma vez que seu país é tão fechado a acordos sobre o
tema?
Bolsonaro falou também que os imigrantes aqui devem saber
cantar o Hino Nacional. Minha avô, analfabeta, falava mal o português. Seria
uma tortura para ela cantar o Hino Nacional, mas isso não significa que não
gostasse do Brasil e não trabalhasse como uma moura.
Sinceramente, não sei se os EUA de hoje são o modelo para
uma política migratória. A Alemanha tem uma posição diferente. O Canadá, que me
parece mais adequado como referência, deveria ser também observado.
No Rio, um deputado do PSL, a propósito de um centro
indígena realmente decadente, declarou que quem gosta de índio deve se mudar
para a Bolívia. Se sua inspiração é militar, por que só o capitão Bolsonaro,
descartando Marechal Rondon? Talvez nem saiba quem foi Rondon.
Assim como o PT, os vencedores de agora parecem achar que o
Brasil começou com eles. A tarefa é sempre se lembrar do país imenso que não
cabe nas estreitas ideologias.
Artigo publicado no O Globo em 14/01/2019
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