domingo, 24 de fevereiro de 2019

AS BOMBAS DE BEBIANNO

Da ISTOÉ
Até a semana passada, o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, era um pote até aqui de mágoas. Na segunda-feira 18, ele deixou o governo 45 dias depois da posse de Jair Bolsonaro tachado de mentiroso e traidor, principalmente pelo filho e vereador Carlos Bolsonaro, mas também pelo próprio presidente e seu entorno. Seu mundo caiu – jamais esperava. Sentiu-se escorraçado por alguém a qual dedicou os últimos dois anos de sua vida, ao custo de muitas noites mal dormidas e viagens desgastantes de Norte a Sul do País, e a quem carregou nas costas, para alçá-lo à Presidência da República. Não por acaso, quando ainda estava sendo frito em fogo escaldante na semana iniciada no dia 12 e já ciente de que seria a primeira vítima do capitão, Bebianno enfileirou uma série de ameaças.
Na sexta-feira 16, quando Bolsonaro convocou o agora ex-ministro ao Palácio do Planalto para um tête-à-tête, os dois quase se engalfinharam. Na reunião em que também estavam presentes Onyx Lorenzoni e o vice-presidente Hamilton Mourão, Bebianno exibiu aos presentes os áudios vazados posteriormente (leia mais na página 28). Em seguida, disparou: “O senhor está me chamando de mentiroso. Mentiroso é o senhor. Olha aí o senhor não falando comigo”, disse Bebianno. “O senhor está usando seu filho Carlos para me desgastar. Não é assim que se faz. O senhor vai se arrepender muito disso”, prometeu. Ali mesmo Bebianno começou a desfiar seu rosário. Acusou Bolsonaro de ser alguém que não cumpre compromissos. Disse que o presidente havia prometido ao presidente do PRTB, Levy Fidelix, fiador de Mourão, pelo menos três ministérios e o comando de uma empresa pública. Afirmou que ele também prometera uma pasta para o ex-senador Magno Malta, do PR, um dos principais líderes da sua campanha, mas, ao fim e ao cabo, não havia honrado com a palavra. “O senhor não pode deixar seus companheiros feridos pelo caminho”, reclamou. À imprensa, durante o fim de semana, um Bebianno embebido em fúria pegou ainda mais pesado. Chamou o presidente de “fraco”, cogitou “pedir desculpas ao País” pela “vergonha de ter acreditado nele”, “uma pessoa louca, um perigo para o Brasil”.
Além da contabilidade da campanha, o ex-ministro e sua esposa Renata Bebianno conhecem os bastidores do processo no STF
que livrou Bolsonaro da inelegibilidade
No auge de sua revolta, Bebianno fez confidências a um círculo muito restrito de amigos. Na quarta-feira 20, ISTOÉ conversou com dois desses interlocutores. A eles, Bebianno revelou ter armazenado ao menos quatro bombas capazes de produzir estragos no epicentro de um governo já desgastado e manquitolante. Quais sejam:
1 Sua mulher, a advogada Renata Bebianno foi a responsável por toda a prestação das contas da campanha enviadas à Justiça Eleitoral. Ela e Bebianno guardam em sua casa, no Rio de Janeiro, dentro de enormes caixas, todos os documentos. Têm em seu poder, cópias de todos os recibos, cheques, transferências bancárias. Guardaram recibo por recibo, que podem ser usados a qualquer tempo caso achem conveniente.
2 Bebianno mantém em sua residência uma lista com os nomes de todos os candidatos do PSL para os quais destinou os R$ 9,2 milhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Além do presidente Jair Bolsonaro, o partido lançou 1.543 candidaturas a deputados estaduais, federais, senadores e governadores em todo o País. O ex-ministro foi o responsável por costurar os acordos regionais que deram sustentação à candidatura de Bolsonaro e de expoentes da legenda. “Ele conhece todos os segredos da campanha”, assegurou um de seus amigos mais próximos.
3 O ex-ministro conhece os bastidores do processo que garantiu a candidatura de Bolsonaro à Presidência. Bebianno foi quem contratou o advogado Antônio Pitombo para defender o presidente no episódio envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em que ele foi denunciado por “incitação ao estupro”. O caso foi parar no STF, porque os dois eram deputados e possuíam foro privilegiado, onde Bolsonaro respondeu a uma ação penal. Se fosse condenado, Bolsonaro teria se tornado inelegível, assim como aconteceu com Lula. Os dois advogados conseguiram que a Justiça Eleitoral não considerasse Bolsonaro ficha suja, como queriam os adversários. Bebianno ainda é advogado de Bolsonaro em todos os cinco processos (inclusive os criminais) que o presidente responde na Justiça.
4 O processo não contou só com a eficiência de Bebianno e Antônio Pitombo para evitar que o candidato do PSL ficasse fora da disputa. O papel da advogada Renata Bebianno, que já havia atuado no escritório de advocacia do jurista Sérgio Bermudes, no Rio, um dos maiores do País, foi fundamental. Aqui surge outro personagem. É que nesse escritório também trabalha como sócia a advogada Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima Mendes, mulher do ministro do STF, Gilmar Mendes.
A dúvida, agora, é se ele pretende acionar esse arsenal potencialmente tóxico. Uma equipe de bombeiros trabalha para evitar que Bebianno conte o que ele sabe e que pode respingar em Bolsonaro. Onyx Lorenzoni é um deles. O problema é que o episódio deixou claras escaramuças dentro do governo. Disputas de pontos de vista que podem criar novas arestas e gerar mais desgastes. Uma delas diz respeito à forma como o governo deve tratar a imprensa e os meios de comunicação. Os diálogos vazados mostram a indignação de Bolsonaro com o fato de Bebianno procurar estabelecer contatos com a imprensa. Uma reunião marcada na agenda de Bebianno com um representante da TV Globo foi o estopim de uma das crises. Desconfianças de vazamentos de informações para outros veículos seguiam na conversa. O presidente chegou a dizer que considerava Bebianno um “X9”, um “infiltrado” no governo para alimentar a imprensa. Deixou claro aí que seu pensamento não difere muito do de Carlos Bolsonaro, para quem o governo deveria cortar relações com a imprensa tradicional.
Passou do ponto
Aliados do presidente consideram que ele exagerou na dose. O próprio Bolsonaro se mostrou preocupado em diálogo com Onyx, conforme conversa telefônica vazada na quarta-feira 20 e cujo teor alcançou a imprensa em Brasília. Na gravação, o presidente demonstra apreensão com uma nota publicada na coluna da jornalista Mônica Bergamo, segundo a qual Bebianno estaria reunindo documentos de campanha. O áudio deixa claro que Onyx tratou de tranquilizar o presidente dizendo que Bebianno teria “dado a palavra” de que não emitiria mais declarações sobre a crise:
— A Folha deu uma nota e o Antagonista acabou de reproduzir. Ele (Bebianno) acabou de ligar e pediu para tirar, que é o seguinte…Que ele estava preparando documentos e não sei o quê para atacar. Ele disse ao Jorge (Jorge Oliveira, subchefe de Assuntos Jurídicos do Palácio do Planalto): o que eu tinha pra fazer, eu fiz ontem (na entrevista à Jovem Pan). Eu não dou mais nenhuma palavra, acabou tudo ontem. Eu estou te dando a minha palavra, ok?”. Então, agora, no fim da tarde, para tu saber, eu vou lá dar uma conversada com Bebianno — prometeu Onyx ao presidente.
O diálogo ainda revela outro temor de Bolsonaro: o destino das ações criminais nas quais é réu e que possuem Bebianno como advogado de defesa. — Você vai conversar com ele sobre as ações?”, pergunta Bolsonaro. Ao que Onyx confirma que sim. Então, o presidente acrescenta: — Se ele (Bebianno) me cobrar individualmente o mínimo (como advogado nas ações), eu tou f… Tem que vender uma casa minha para poder pagar” — desabafou Bolsonaro a Onyx.
Ouvido, Bebianno prometeu não cobrar nada de Bolsonaro. Disse ainda que “tudo o que ele fez foi por acreditar na causa (eleição do capitão)”. — Ele não deve nada pra mim e nem para os advogados que engajei — afirmou. Segundo apurou ISTOÉ, o ex-ministro deve anunciar oficialmente nos próximos dias sua desvinculação da defesa do presidente.
Bandeira branca
Amigos próximos garantem, no entanto, que a disposição, por ora, é de um cessar fogo por parte de Bebianno. A atitude guarda relação com o que o ex-ministro planeja para o seu futuro político. Os interlocutores de Gustavo Bebianno ouvidos por ISTOÉ asseguram que ele acalenta um desejo antigo: o de se lançar candidato à prefeitura do Rio no ano que vem. “Ele já está se articulando com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia”, contou um aliado de primeira hora de Bebianno. Não seria a primeira vez que os dois celebrariam uma aliança. Maia contou com a prestimosa ajuda de Bebianno para se reeleger deputado no Rio e também presidente da Câmara.
Enquanto não coloca de pé o projeto municipal, Bebianno se prepara para controlar o partido no plano nacional. O tema já se encontra na pauta de conversas com o deputado Luciano Bivar, hoje presidente do PSL. Está tão avançado que, por enquanto, sua intenção é mesmo deixar as munições guardadas. Ninguém garante, porém, que Bebianno não possa mudar de ideia. O problema é que os esquemas produzidos na campanha podem virar um rastilho de pólvora que nem mesmo o próprio Bebianno possa mais tarde controlar. Novos casos vão se tornando conhecidos a partir de outras apurações e personagens. Caso da candidata em Minas Gerais, Cleuzenir Barbosa, que conta detalhes de como funcionou o esquema sob o comando do ministro do Turismo. Ou do que revela ISTOÉ nesta edição sobre os novos rolos do PSL do Rio de Janeiro.
Quem também abriu o verbo foi o deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS). Segundo ele, o mesmo modus operandi se reproduziu no diretório gaúcho. Ele afirma que, por orientação de Bebianno, a candidata ao Senado, Carmem Flores, recebeu R$ 200 mil do Fundo Partidário. Foram feitos, segundo ele, 76 depósitos na conta dela durante seis dias. Ela acabou não se elegendo. Ele afirma que houve desvio de recursos. Que a candidata teria entregue dinheiro para seus parentes e que até os móveis do Diretório Estadual do Rio Grande do Sul teriam sido comprados numa loja que pertence a ela. “O senhor Gustavo Bebianno quis me tirar da campanha quando eu comecei a denunciar o caso”, afirma.
Autor de um projeto que pede a extinção do Fundo Eleitoral e que obriga o uso exclusivo do Fundo Partidário em despesas do partido, Bibo ameaça denunciar Bebianno para o Ministério Público Federal. Bibo pode estar movido por outros ressentimentos. Ele é um dos deputados que participou da comitiva da polêmica viagem feita à China antes da posse. Um dos “jumentos”, portanto, na qualificação feita pelo guru do governo, Olavo de Carvalho. O grupo anda ressentido pelo fato de nem Bebianno nem Luciano Bivar os terem defendido publicamente. Assim, caso o ministro recém-demitido atire, há gente disposta a trocar chumbo. Entre mortos e feridos, não vão se salvar todos.
Colaboraram Rudolfo Lago, Ary Filgueira e Wilson Lima
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