Até a semana passada, o ex-ministro da Secretaria-Geral da
Presidência, Gustavo Bebianno, era um pote até aqui de mágoas. Na segunda-feira
18, ele deixou o governo 45 dias depois da posse de Jair Bolsonaro tachado de
mentiroso e traidor, principalmente pelo filho e vereador Carlos Bolsonaro, mas
também pelo próprio presidente e seu entorno. Seu mundo caiu – jamais esperava.
Sentiu-se escorraçado por alguém a qual dedicou os últimos dois anos de sua
vida, ao custo de muitas noites mal dormidas e viagens desgastantes de Norte a
Sul do País, e a quem carregou nas costas, para alçá-lo à Presidência da
República. Não por acaso, quando ainda estava sendo frito em fogo escaldante na
semana iniciada no dia 12 e já ciente de que seria a primeira vítima do
capitão, Bebianno enfileirou uma série de ameaças.
Na sexta-feira 16, quando Bolsonaro convocou o agora
ex-ministro ao Palácio do Planalto para um tête-à-tête, os dois quase se
engalfinharam. Na reunião em que também estavam presentes Onyx Lorenzoni e o
vice-presidente Hamilton Mourão, Bebianno exibiu aos presentes os áudios
vazados posteriormente (leia mais na página 28). Em seguida, disparou: “O
senhor está me chamando de mentiroso. Mentiroso é o senhor. Olha aí o senhor
não falando comigo”, disse Bebianno. “O senhor está usando seu filho Carlos
para me desgastar. Não é assim que se faz. O senhor vai se arrepender muito
disso”, prometeu. Ali mesmo Bebianno começou a desfiar seu rosário. Acusou
Bolsonaro de ser alguém que não cumpre compromissos. Disse que o presidente
havia prometido ao presidente do PRTB, Levy Fidelix, fiador de Mourão, pelo
menos três ministérios e o comando de uma empresa pública. Afirmou que ele
também prometera uma pasta para o ex-senador Magno Malta, do PR, um dos
principais líderes da sua campanha, mas, ao fim e ao cabo, não havia honrado
com a palavra. “O senhor não pode deixar seus companheiros feridos pelo
caminho”, reclamou. À imprensa, durante o fim de semana, um Bebianno embebido
em fúria pegou ainda mais pesado. Chamou o presidente de “fraco”, cogitou
“pedir desculpas ao País” pela “vergonha de ter acreditado nele”, “uma pessoa
louca, um perigo para o Brasil”.
Além da contabilidade da campanha, o ex-ministro e sua
esposa Renata Bebianno conhecem os bastidores do processo no STF
que livrou Bolsonaro da inelegibilidade
que livrou Bolsonaro da inelegibilidade
No auge de sua revolta, Bebianno fez confidências a um
círculo muito restrito de amigos. Na quarta-feira 20, ISTOÉ conversou com dois
desses interlocutores. A eles, Bebianno revelou ter armazenado ao menos quatro
bombas capazes de produzir estragos no epicentro de um governo já desgastado e
manquitolante. Quais sejam:
1 Sua mulher, a advogada Renata Bebianno foi a
responsável por toda a prestação das contas da campanha enviadas à Justiça
Eleitoral. Ela e Bebianno guardam em sua casa, no Rio de Janeiro, dentro de
enormes caixas, todos os documentos. Têm em seu poder, cópias de todos os
recibos, cheques, transferências bancárias. Guardaram recibo por recibo, que
podem ser usados a qualquer tempo caso achem conveniente.
2 Bebianno mantém em sua residência uma lista
com os nomes de todos os candidatos do PSL para os quais destinou os R$ 9,2
milhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Além do presidente Jair
Bolsonaro, o partido lançou 1.543 candidaturas a deputados estaduais, federais,
senadores e governadores em todo o País. O ex-ministro foi o responsável por
costurar os acordos regionais que deram sustentação à candidatura de Bolsonaro
e de expoentes da legenda. “Ele conhece todos os segredos da campanha”,
assegurou um de seus amigos mais próximos.
3 O ex-ministro conhece os bastidores do
processo que garantiu a candidatura de Bolsonaro à Presidência. Bebianno foi
quem contratou o advogado Antônio Pitombo para defender o presidente no
episódio envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em que ele foi denunciado
por “incitação ao estupro”. O caso foi parar no STF, porque os dois eram
deputados e possuíam foro privilegiado, onde Bolsonaro respondeu a uma ação
penal. Se fosse condenado, Bolsonaro teria se tornado inelegível, assim como
aconteceu com Lula. Os dois advogados conseguiram que a Justiça Eleitoral não
considerasse Bolsonaro ficha suja, como queriam os adversários. Bebianno ainda
é advogado de Bolsonaro em todos os cinco processos (inclusive os criminais)
que o presidente responde na Justiça.
4 O processo não contou só com a eficiência de
Bebianno e Antônio Pitombo para evitar que o candidato do PSL ficasse fora da
disputa. O papel da advogada Renata Bebianno, que já havia atuado no escritório
de advocacia do jurista Sérgio Bermudes, no Rio, um dos maiores do País, foi
fundamental. Aqui surge outro personagem. É que nesse escritório também
trabalha como sócia a advogada Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima Mendes,
mulher do ministro do STF, Gilmar Mendes.
A dúvida, agora, é se ele pretende acionar esse arsenal
potencialmente tóxico. Uma equipe de bombeiros trabalha para evitar que
Bebianno conte o que ele sabe e que pode respingar em Bolsonaro. Onyx Lorenzoni
é um deles. O problema é que o episódio deixou claras escaramuças dentro do
governo. Disputas de pontos de vista que podem criar novas arestas e gerar mais
desgastes. Uma delas diz respeito à forma como o governo deve tratar a imprensa
e os meios de comunicação. Os diálogos vazados mostram a indignação de
Bolsonaro com o fato de Bebianno procurar estabelecer contatos com a imprensa.
Uma reunião marcada na agenda de Bebianno com um representante da TV Globo foi
o estopim de uma das crises. Desconfianças de vazamentos de informações para
outros veículos seguiam na conversa. O presidente chegou a dizer que
considerava Bebianno um “X9”, um “infiltrado” no governo para alimentar a
imprensa. Deixou claro aí que seu pensamento não difere muito do de Carlos
Bolsonaro, para quem o governo deveria cortar relações com a imprensa
tradicional.
Passou do ponto
Aliados do presidente consideram que ele exagerou na dose. O
próprio Bolsonaro se mostrou preocupado em diálogo com Onyx, conforme conversa
telefônica vazada na quarta-feira 20 e cujo teor alcançou a imprensa em
Brasília. Na gravação, o presidente demonstra apreensão com uma nota publicada
na coluna da jornalista Mônica Bergamo, segundo a qual Bebianno estaria
reunindo documentos de campanha. O áudio deixa claro que Onyx tratou de
tranquilizar o presidente dizendo que Bebianno teria “dado a palavra” de que
não emitiria mais declarações sobre a crise:
— A Folha deu uma nota e o Antagonista acabou de reproduzir.
Ele (Bebianno) acabou de ligar e pediu para tirar, que é o seguinte…Que ele
estava preparando documentos e não sei o quê para atacar. Ele disse ao Jorge (Jorge
Oliveira, subchefe de Assuntos Jurídicos do Palácio do Planalto): o que eu
tinha pra fazer, eu fiz ontem (na entrevista à Jovem Pan). Eu não dou mais
nenhuma palavra, acabou tudo ontem. Eu estou te dando a minha palavra, ok?”.
Então, agora, no fim da tarde, para tu saber, eu vou lá dar uma conversada com
Bebianno — prometeu Onyx ao presidente.
O diálogo ainda revela outro temor de Bolsonaro: o destino
das ações criminais nas quais é réu e que possuem Bebianno como advogado de
defesa. — Você vai conversar com ele sobre as ações?”, pergunta Bolsonaro. Ao
que Onyx confirma que sim. Então, o presidente acrescenta: — Se ele (Bebianno)
me cobrar individualmente o mínimo (como advogado nas ações), eu tou f… Tem que
vender uma casa minha para poder pagar” — desabafou Bolsonaro a Onyx.
Ouvido, Bebianno prometeu não cobrar nada de Bolsonaro.
Disse ainda que “tudo o que ele fez foi por acreditar na causa (eleição do
capitão)”. — Ele não deve nada pra mim e nem para os advogados que engajei —
afirmou. Segundo apurou ISTOÉ, o ex-ministro deve anunciar oficialmente nos
próximos dias sua desvinculação da defesa do presidente.
Bandeira branca
Amigos próximos garantem, no entanto, que a disposição, por
ora, é de um cessar fogo por parte de Bebianno. A atitude guarda relação com o
que o ex-ministro planeja para o seu futuro político. Os interlocutores de
Gustavo Bebianno ouvidos por ISTOÉ asseguram que ele acalenta um desejo antigo:
o de se lançar candidato à prefeitura do Rio no ano que vem. “Ele já está se
articulando com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia”, contou um aliado de
primeira hora de Bebianno. Não seria a primeira vez que os dois celebrariam uma
aliança. Maia contou com a prestimosa ajuda de Bebianno para se reeleger
deputado no Rio e também presidente da Câmara.
Enquanto não coloca de pé o projeto municipal, Bebianno se
prepara para controlar o partido no plano nacional. O tema já se encontra na
pauta de conversas com o deputado Luciano Bivar, hoje presidente do PSL. Está
tão avançado que, por enquanto, sua intenção é mesmo deixar as munições
guardadas. Ninguém garante, porém, que Bebianno não possa mudar de ideia. O
problema é que os esquemas produzidos na campanha podem virar um rastilho de
pólvora que nem mesmo o próprio Bebianno possa mais tarde controlar. Novos
casos vão se tornando conhecidos a partir de outras apurações e personagens.
Caso da candidata em Minas Gerais, Cleuzenir Barbosa, que conta detalhes de
como funcionou o esquema sob o comando do ministro do Turismo. Ou do que revela
ISTOÉ nesta edição sobre os novos rolos do PSL do Rio de Janeiro.
Quem também abriu o verbo foi o deputado federal Bibo Nunes
(PSL-RS). Segundo ele, o mesmo modus operandi se reproduziu no diretório
gaúcho. Ele afirma que, por orientação de Bebianno, a candidata ao Senado,
Carmem Flores, recebeu R$ 200 mil do Fundo Partidário. Foram feitos, segundo
ele, 76 depósitos na conta dela durante seis dias. Ela acabou não se elegendo.
Ele afirma que houve desvio de recursos. Que a candidata teria entregue
dinheiro para seus parentes e que até os móveis do Diretório Estadual do Rio
Grande do Sul teriam sido comprados numa loja que pertence a ela. “O senhor
Gustavo Bebianno quis me tirar da campanha quando eu comecei a denunciar o
caso”, afirma.
Autor de um projeto que pede a extinção do Fundo Eleitoral e
que obriga o uso exclusivo do Fundo Partidário em despesas do partido, Bibo
ameaça denunciar Bebianno para o Ministério Público Federal. Bibo pode estar
movido por outros ressentimentos. Ele é um dos deputados que participou da
comitiva da polêmica viagem feita à China antes da posse. Um dos “jumentos”,
portanto, na qualificação feita pelo guru do governo, Olavo de Carvalho. O
grupo anda ressentido pelo fato de nem Bebianno nem Luciano Bivar os terem
defendido publicamente. Assim, caso o ministro recém-demitido atire, há gente
disposta a trocar chumbo. Entre mortos e feridos, não vão se salvar todos.
Colaboraram Rudolfo Lago, Ary
Filgueira e Wilson Lima
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