Crise de candidatos laranja se agrava, fecha cerco a PSL
e complica Bolsonaro
A crise gerada pelas
denúncias de que aliados de Jair Bolsonaro teriam
utilizado recursos públicos na campanha de candidatos de fachada, somada às
suspeitas de cobrança de "pedágio" a funcionários no gabinete do
filho do presidente, Flávio Bolsonaro,
na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro ganharam mais força nos últimos
dias com a divulgação de novos depoimentos e mensagens de envolvidos nos casos.
Um assessor de Flávio admitiu em depoimento ao Ministério Público que
transferia dois terços do salário a Queiroz todos os meses. Também foram
divulgadas mensagens nas quais um assessor do ministro
do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, cobrava a devolução de verbas a uma
candidata que recebeu fundos partidários às vésperas da eleição. Além disso,
duas candidatas do PSL teriam recebido expressivos repasses para produzir
milhões de panfletos pouco antes do pleito. As novas descobertas, que começam a
fechar o cerco ao PSL na crise das candidaturas laranjas, trazem mais
complicações ao presidente, que nas últimas semanas vem tentando se descolar de
uma série de escândalos envolvendo seus correligionários.
No centro da crise, estão as fortes suspeitas de um esquema
de desvio de recursos públicos destinados ao PSL, partido de Bolsonaro. Parte
dessa verba teria sido destinada a candidaturas de fachada por dirigentes da
sigla. O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), foi apontado no
início deste mês pela Folha de São Paulo como patrocinador do
esquema em Minas Gerais, onde foi reeleito deputado federal. Segundo o jornal,
o agora ministro (que dirigia o diretório estadual do PSL) teria autorizado o
repasse da verba partidária a quatro candidatas laranjas durante a campanha eleitoral,
e a verba teria ido parar na conta de empresas ligadas aos seus assessores na
Câmara.
O ministro nega as acusações, mas na última quarta-feira a
ex-candidata a deputada estadual Cleuzenir Barbosa (PSL-MG) apresentou ao
Ministério Público uma mensagem de Whatsapp na qual um
assessor de Álvaro Antônio, Haissander de Paula, cobra a devolução de
verba pública de campanha para destiná-la a uma empresa ligada a outro assessor
do político. Em depoimento, Barbosa contou que foi pressionada a transferir a
metade dos 60.000 reais que havia recebido do partido para a conta da gráfica
de um irmão de Roberto Soares, também assessor do ministro.
Jair Bolsonaro não fez comentários públicos sobre as
suspeitas envolvendo o titular do Turismo, mas o caso
das candidaturas laranjas chegou a ser tema de conversa entre ele e o
ex secretário-geral da presidência, Gustavo Bebianno. A pedido de Bolsonaro,
Bebianno assumiu a presidência do PSL durante a campanha eleitoral do ano
passado e foi peça fundamental para a eleição do presidente. Responsável por
autorizar transferências feitas pelo diretório nacional a candidatos, ele nega
que estivesse envolvido em qualquer esquema. Bolsonaro, porém, ofereceu
tratamentos diferenciados aos dois ministros supostamente envolvidos nos
escândalos. Na última segunda-feira, Bebianno
foi demitido em meio à crise do Planalto, impulsionado por uma queda
de braço travada publicamente pelo filho do presidente, Carlos Bolsonaro.
Verbas para milhões de panfletos a dois dias da eleição
O fato de duas candidatas do PSL haverem
destinado recursos públicos para a confecção de mais de 10 milhões de panfletos
a apenas dois dias antes da eleição inflamou ainda mais as suspeitas do desvio
de verbas por meio de candidaturas laranjas. Nesta sexta-feira, O Globo publicou
que o partido transferiu 268.000 reais nas vésperas do pleito para as campanhas
das candidatas a deputada Gislani Maia (Ceará) e Mariana Nunes
(Pernambuco), que gastaram praticamente todo o valor recebido da executiva
nacional da sigla em gráficas entre os dias 5 e 6 de outubro.
Gislani foi a única a receber verba do partido no Ceará,
embora houvesse outras 18 candidatas pelo partido no Estado. Ela disse ao O
Globo que o material impresso continha imagens de outros candidatos,
mas sempre a seu lado. A maior parte da despesa da candidata (103,2 mil reais)
foi concentrada em uma única gráfica, a M C de Holanda Carvalho, cujo nome
fantasia é EH 8 Comunicação Visual. Apesar do investimento, Gislani só
conseguiu 3.501 votos. Em Pernambuco, o centro da polêmica envolve a
candidatura de Mariana Nunes, que obteve apenas 1.741 votos mesmo tendo usado
127.800 reais na campanha, segundo a prestação de contas entregue à Justiça
Eleitoral. A maior parte dos recursos (118.000 reais) foi transferida pelo
partido poucos dias antes da eleição e quase tudo (113.900 reais) foi gasto em
uma única gráfica para a confecção de cinco milhões de santinhos e um milhão de
adesivos.
Novas suspeitas sobre Flávio
Nos últimos dias, as suspeitas
que pairam sobre o senador Flávio Bolsonarotambém ganharam novos capítulos.
O filho mais velho do presidente já enfrentava há meses denúncias de cobrança
de "pedágio" aos funcionários de seu gabinete no período em que foi
deputado estadual no Rio de Janeiro. Agora, também surgiram indícios de que uma
funcionária de sua campanha pode ter sido remunerada com os recursos da
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A revista Crusoé publicou
nesta sexta-feira que teve acesso ao contrato de trabalho da promotora de
eventos Valdenice Meliga como funcionária da liderança do PSL na Casa. O contrato
teria sido firmado um dia depois de Meliga fechar acordo com o então líder do
partido, Flávio, para gerir as contas eleitorais da sigla. Não há menção de
remuneração por este trabalho na prestação de contas feita à Justiça Eleitoral.
Os acordos, conforme a revista, determinam que Valdenice Meliga trabalharia de
graça na campanha de Flávio ao Senado e acumularia um cargo na Alerj. O valor
do salário dela na Casa, porém, coincide com os cerca de 5.000 reais que a
própria funcionária teria estimado para os serviços prestados à campanha de
Flávio.
Além disso, nesta semana o Estadão divulgou o primeiro
depoimento colhido pelo Ministério Público do Rio sobre as movimentações
bancárias atípicas entre funcionários do gabinete do senador, identificadas
pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O ex-assessor Agostinho Moraes da Silva admitiu que depositava mensalmente
cerca de dois terços do salário que recebia na Casa — o equivalente a 4.000
reais — na conta de Fabrício
Queiroz, ex-motorista do agora senador. Segundo Silva, as transferências
eram um investimento na compra e venda de veículos exercidas por Queiroz. No
depoimento, ele também afirmou que Queiroz lhe devolvia de 4.500 reais a 4.700
reais em espécie todos os meses, como retorno do negócio, e que não tinha
conhecimento da existência de funcionários fantasmas no gabinete. Silva, porém,
não apresentou documentos que comprovassem suas declarações nem explicou porquê
Queiroz lhe devolvia o dinheiro em espécie e não por transferência bancária,
por exemplo.
A principal suspeita das autoridades que investigam o caso é
que o valor movimentado pelo motorista seja uma espécie de pedágio cobrado por
parlamentares de seus funcionários: os depósitos na conta de Queiroz eram
feitos por pelo menos 20 integrantes do gabinete de Flávio, e coincidiam com as
datas de pagamento da Assembleia Legislativa do Rio. O confisco de salários é
ilegal, mas
bastante difundido em assembleias, câmaras e prefeituras do país. Na TV,
Queiroz negou ser "laranja" dos Bolsonaro e afirmou que o dinheiro na
sua conta, que o Coaf considerou incompatível com seus rendimentos, é
proveniente de negócios realizados por ele com carros usados.
Flávio
Bolsonaro também é investigado no caso, além de responder por evolução
patrimonial irregular com a venda de imóveis tanto na esfera criminal quanto na
eleitoral, em razão da declaração
de patrimônio que concedeu à Justiça Eleitoral no ano passado. Na
última quinta-feira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, definiu
que as investigações criminais devem correr em primeira instância, sem foro
privilegiado. Em entrevistas que concedeu à televisão nos últimos meses, o
filho do presidente tem negado seu envolvimento nas irregularidades. Queiroz
e Flávio faltaram os depoimentos ao Ministério Público.
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