O presidente da República é formalmente Jair Bolsonaro, mas
parece que não é ele quem exerce o poder de fato, e sim seus filhos.
O episódio em que Carlos Bolsonaro levou à execração pública
um ministro de Estado deixou claro quem é que tem autoridade no Executivo –
gente que pretende governar sem ter recebido um único voto para isso e que, por
sua condição familiar, naturalmente tem sobre o presidente mais influência do
que qualquer outro ministro, provavelmente mesmo aqueles qualificados de
“superministros”. É lícito supor que, em momentos de crise – e o que não falta
nesse governo recém-inaugurado é crise –, será aos filhos que Jair Bolsonaro
dará ouvidos, e não a seus auxiliares. É a “filhocracia” instalada de vez no
Palácio do Planalto.
O poder de Carlos Bolsonaro ficou evidente quando este se
sentiu à vontade para, pelo Twitter, chamar publicamente o ministro da
Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, de mentiroso. Segundo Carlos
Bolsonaro, Bebianno mentiu ao dizer que havia conversado “três vezes” com Jair
Bolsonaro sobre a crise instalada no governo por conta das suspeitas,
levantadas por reportagens da Folha, de que o PSL – partido do
presidente – desviou recursos do Fundo Partidário para candidaturas “laranjas”
na eleição do ano passado. Seriam candidaturas constituídas apenas para receber
o dinheiro e gastá-lo em gráficas e outros serviços pertencentes a dirigentes
do partido. O ministro Bebianno presidia o PSL na época dos fatos.
Por meio de sua conta no Twitter, Jair Bolsonaro, ainda no
hospital, passou adiante a mensagem do filho, corroborando-a. Isso tornou
insustentável a permanência de Bebianno no governo. É como se Bolsonaro tivesse
demitido seu ministro via Twitter, uma humilhação poucas vezes vista na
história recente do País.
Como já alertamos neste espaço, governar não é tuitar – e o
Twitter não é o Diário Oficial, onde se publicam as decisões
administrativas do governo. Mas o presidente, estimulado pelos filhos, parece
totalmente entregue à balbúrdia irracional das redes sociais, inclinando-se a
tomar decisões de supetão, ao sabor de cliques e “likes”. Para delírio de seus
seguidores no Twitter, Bolsonaro e filhos tentaram “lacrar” o ministro Bebianno
– isto é, no jargão das redes sociais, pretenderam expor sua “mentira” com a
divulgação de um áudio em que o presidente diz a Bebianno, por telefone, que
não quer falar com ele.
É constrangedor que um presidente da República se comporte
dessa maneira. Um chefe de governo cônscio de seu papel institucional teria
simplesmente demitido seu ministro, sem transformar a crise num espetáculo
online. Mais importante que isso, porém, é o fato de que Bolsonaro parece
tratar assuntos de Estado como se fossem problemas domésticos. “É uma coisa de
louco. É inimaginável uma coisa dessas. Tem de ter separação. Casa do
presidente é uma coisa, palácio é outra”, disse a deputada Joice Hasselmann
(PSL-SP), bolsonarista de primeira hora.
Essa confusão entre o governo e a família Bolsonaro tende a
deixar todos os ministros em alerta – ninguém, ao que parece, está a salvo das
intrigas promovidas pelos filhos do presidente. Ficou claro que Bolsonaro pai
não hesitará em queimar publicamente quem quer que ouse contrariar qualquer um
de seus filhos – mesmo um dos mais leais assessores do presidente, como
Bebianno.
Essa bagunça é um preocupante indicativo da desarticulação
do governo às vésperas de apresentar ao Congresso sua proposta de reforma da
Previdência. Em condições normais já não seria nada fácil obter os votos para
aprovar essa reforma. Diante do enfrentamento público do presidente com gente
de seu partido e dentro do governo, motivado pelos interesses pessoais dos
filhos, será muito mais difícil convencer parlamentares de outros partidos a se
juntar à base. Assim, um governo que tem pouco mais de 40 dias parece
precocemente envelhecido, consumido por lutas internas que, como num reality
show, podem ser acompanhadas ao vivo pelas redes sociais. Jair não é bom pai.
Não soube ensinar a seus filhos os limites de comportamento que devem
respeitar. E os meninos não são bons filhos. Não percebem que, agindo
trefegamente, podem comprometer a Presidência do pai. Se a família tivesse lido
Kant, saberia que o homem não é nada além daquilo que a educação faz
dele.
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