“Não se pode fazer política com fígado, conservando o rancor
e ressentimentos na geladeira. A Pátria não é capanga de idiossincrasias
pessoais. É indecoroso fazer política uterina, em benefício de filhos, irmãos e
cunhados. O bom político costuma ser mau parente”. A frase-alerta de Ulysses
Guimarães se ajusta com perfeição ao atual momento do País. Contrariando o
“Doutor Diretas”, Jair Bolsonaro resolveu arriscar o governo, ao menos neste
início, para se tornar um bom parente. Claro que não tinha como dar certo. Pela
primeira vez, a família de um presidente participa institucionalmente da vida
política do País. Nem a oposição consegue tisnar a imagem do governo de maneira
tão evidente quanto os três filhos do presidente. Não importa as intenções de
cada um, mas a conduta pública deles. Hoje, com o cenário que se criou, em que
questiúnculas domésticas são confundidas com questões de Estado, o que fica
aparente aos olhos de todos é que o presidente da República Jair Bolsonaro só é
o mandatário do País formalmente, mas quem exerce o poder de fato são seus
rebentos. Quem o Brasil elegeu afinal?
Desde a posse, a relação de Bolsonaro com seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo se tornou o principal fator de instabilidade do governo. O episódio mais rumoroso em que Carlos Bolsonaro foi o pivô da demissão de Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, é ilustrativo sobre quem é que goza de autoridade no Executivo. Com as bênçãos do presidente, Carlos não só se sobrepõe a ministros como comanda uma espécie de poder paralelo em Brasília. Não há quem o segure, e o único para quem presta continência é o pai.
Desde a posse, a relação de Bolsonaro com seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo se tornou o principal fator de instabilidade do governo. O episódio mais rumoroso em que Carlos Bolsonaro foi o pivô da demissão de Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, é ilustrativo sobre quem é que goza de autoridade no Executivo. Com as bênçãos do presidente, Carlos não só se sobrepõe a ministros como comanda uma espécie de poder paralelo em Brasília. Não há quem o segure, e o único para quem presta continência é o pai.
Uma troca de mensagens entre Bolsonaro e Eduardo revelada em
2017 esclarecem bem como se dá a relação entre o pai agora presidente e seus
filhos. Eduardo Bolsonaro faltara à sessão de eleição do presidente da Câmara
porque tinha viajado aos Estados Unidos para comprar uma arma. Bolsonaro ficou
irritadíssimo. Afinal, tinha ele mesmo se lançado à Presidência da Câmara.
Conquistou apenas quatro votos. Poderia ter tido cinco, se seu filho estivesse
presente. Bolsonaro já começa a conversa num tom incomum entre um pai e seu
filho: “Papel de filho da puta que você está fazendo comigo. Tens moral para
falar do Renan?”, escreve ele. Renan, no caso, é Renan Bolsonaro, o filho
caçula do presidente, que não apresenta qualquer ação política até agora.
Entrou na história como Pilatos no Credo. “Compre merdas por aí. Não vou te
visitar na Papuda”, continua. A reação de Eduardo revela também um grau de
agressividade inusual entre pais e filhos: “Quer me dar esporro, tudo bem.
Vacilo foi meu. Achei que a eleição só fosse semana que vem. Me comparar com o
merda do seu filho, calma lá”.
A família na intimidade
Em algumas postagens, revela-se aí como se trata na
intimidade a família Bolsonaro. Algumas pessoas que passaram a integrar a
campanha e o governo e a lidar com Bolsonaro e seus filhos avaliam que há na
forma como transcorre essa relação um grau perigoso de complicação. Bolsonaro
já está no quarto casamento. Seus filhos são de três mulheres diferentes. O que
se verifica é que tal situação gera uma relação familiar em permanente estado
de ebulição, que acaba por interferir no ambiente em que vive e trabalha o
presidente.
Embora seja o mais novo dos três, Carlos, conhecido na
família e entre amigos como Carluxo, foi o primeiro a ingressar na política.
Elegeu-se em 2000 para uma vaga na Câmara de Vereadores pouco depois de
completar 18 anos. A entrada de Carlos na política já foi pivô de uma questão
familiar complexa. Bolsonaro não queria que sua ex-mulher Rogéria Nantes Braga
Bolsonaro se reelegesse vereadora. Empurrou Carlos para a disputa com esse
objetivo. Carlos aceitou derrotar sua mãe, depois de um complicado processo em
que ficara três anos sem falar com o pai por conta do divórcio litigioso. Jair
Bolsonaro, assim, colocou mãe e filho como adversários na disputa eleitoral.
Hoje, o presidente fez as pazes com Carlos e também com Rogéria. Mas quem
conhece a família interpreta que o presidente sente-se em dívida com Carlos por
ter aceitado tal papel. E, por essa razão, não consegue conter o temperamento
daquele que ele mesmo chama de “meu pitbull”. Livre, leve e solto, Carluxo
indicou para o governo Tércio Arnaud e José Sales. No Planalto, são seus olhos
e ouvidos Léo “Índio”, primo que já foi 58 vezes ao local, mais até que
Bolsonaro.
Se com o pai, Carlos conseguiu contornar o conflito e
desenvolver um sentimento de admiração, o mesmo não ocorre com o irmão mais
velho, Flávio, que é senador da República. Apesar de ser também filho de
Rogéria, Carluxo não se dá bem com Flávio. Aqueles que são próximos da família
afirmam que o que interfere na relação entre os irmãos é o ciúme. Carlos chegou
a querer ser ele o candidato ao Senado. Mas o escolhido foi Flávio. Assim como
o irmão, Flávio também tem sido fonte de dor de cabeça para o presidente. Foi
dele a causa da primeira crise enfrentada por Bolsonaro assim que assumiu a
Presidência. Uma investigação do Coaf, no começo do ano, detectou movimentação
estranha em suas contas. Hoje o fio deste novelo é tão extenso que ninguém
arrisca como se chegará ao final.
Ao contrário dos irmãos, Eduardo Bolsonaro sempre se revelou
avesso à política. Quem o conhece, garante que Eduardo prefere o surfe. Em
dezembro, enquanto seu pai e irmão Carluxo cuidavam da transição do governo,
ele disputava a etapa carioca do campeonato com amigos na Praia da Reserva, na
Zona Oeste do Rio. Mas até mesmo Eduardo parece inebriado com o poder. Ele
arrisca incursões na área externa. E, como os outros dois rebentos, consegue o
que quer. Como, por exemplo, emplacar pessoas de sua confiança na assessoria
especial da Presidência para assuntos internacionais, caso de Filipe G.
Martins, um jovem professor de política internacional. O próprio chanceler,
Ernesto Araújo, para chegar lá teve de ter o aval de Eduardo Bolsonaro. Na
Apex, o 03 encaixou uma dileta amiga: Letícia Catel, cujo estilo “tiro, porrada
e bomba” já rendeu demissões e bate-bocas no órgão. O pai parece aprovar. Ou
não reprovar, o que na prática dá no mesmo. Durante viagem do presidente
Bolsonaro a Davos, lá estava Eduardo estrategicamente acomodado na poltrona ao
seu lado no avião presidencial. A ala militar do governo, que Bolsonaro segue e
respeita, já deu o recado. Com filhos assim, o presidente não precisa de
oposição. Urge colocá-los na linha.;
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