O presidente Bolsonaro dá a cada dia mais sinais de que está
com dificuldades de se comunicar, não apenas no sentido técnico do termo, mas,
sobretudo, no pessoal. No técnico, o movimento pendular característico de sua
gestão hoje favorece o bom senso do general Santos Cruz, que fez ontem a
apologia de uma comunicação sem viés ideológico, e aberta a todos.
A partir da Virgínia, nos Estados Unidos, o recado deve ter
convulsionado as redes sociais bolsonaristas. O presidente torna-se o Chacrinha
da política, aquele que veio não para explicar, mas para confundir.
A algaravia presidencial teve palavras animadoras para os
empresários, por exemplo, quando os chamou de “heróis” por empreenderem com uma
legislação que se torna um fardo. E foi tão crítico sobre as más condições de
nossa infraestrutura que deu a esperança de que a privatização será tocada
adiante com vigor.
Mas, no mesmo discurso, ontem na Firjan, acenou a uma
reconciliação com a classe política, ao mesmo tempo em que também a considerou
a causa dos problemas brasileiros.
“É nóis”, disse o presidente, incluindo-se, como político,
entre os responsáveis pelas desditas nacionais. A expressão popular é usada
corriqueiramente hoje em dia, significando adesão a um pensamento ou a uma
atitude. É também uma afirmação de identidade comum.
Enfim, o presidente cometeu um erro, mesmo no português
coloquial, pois a expressão tem um sentido positivo, e ali Bolsonaro estava
fazendo um diagnóstico negativo da classe política.
Ninguém replica nas redes sociais mensagens de que discorde.
Os Bolsonaros sabem muito bem usar esses novos meios. Portanto, não há
possibilidade de que a mensagem compartilhada pelo presidente sobre as
dificuldades de governar seja apenas uma distribuição aleatória de palavras
vãs.
Assim como é sintomático, e preocupante, o presidente ter
compartilhado um vídeo em que um suposto pastor congolês diz que Bolsonaro é o
escolhido por Deus para levar o país a um novo destino. Tudo o que alguém posta
no Facebook, no Twitter, e outros meios digitais tem um sentido, especialmente
quando se trata do presidente da República. A balbúrdia, que tanto temia o
ministro da Educação, está instalada, a ponto de haver provocações dos dois
lados.
A Câmara assumir a reforma da Previdência pode ser uma
tentativa de autoafirmação da classe política sobre o Executivo. Mas pode
também ser uma jogada de mestre do próprio Bolsonaro.
Os principais líderes da Câmara, até mesmo os do partido
teoricamente dele, o PSL, estão evitando uma aproximação. Temem, por exemplo,
que as manifestações convocadas para o dia 26 fracassem, ou entrem por um
terreno contra as instituições, da maneira que a convocação está sendo feita.
Mas também não querem perder esse momento se, como garantem
alguns, ele estiver em sintonia com o sentimento popular. A maioria quer mesmo
dar um toque pessoal da Câmara, para retirar do governo os louros pela
aprovação da reforma da Previdência, caso ela desencadeie uma retomada do
crescimento.
Ao mesmo tempo, os deputados ficarão com a responsabilidade
de aprovar uma reforma que seja eficaz, pois, do contrário, serão
responsabilizados por não darem condições de governabilidade a Bolsonaro. É
isso que ele está implantando preventivamente nas redes sociais, e em discursos
como os de ontem no Rio.
O que o presidente ganha com esse ambiente conturbado?
Motivos para mobilizar o núcleo duro de seu eleitorado, esse mesmo que está
organizando as manifestações do dia 26.
O PT sobrevive politicamente há anos com a adesão de cerca
de 30% do eleitorado, que se expande eventualmente na disputa eleitoral.
Bolsonaro quer mobilizar os seus 30%, suficientes para levá-lo com vantagem a
um imaginário terceiro turno.
A ideia é colocar o verde e amarelo nas ruas. Já houve outro
presidente que teve a mesma ideia, e não deu certo. O pessoal saiu de preto. O
ambiente político naquele momento do governo Collor era, porém, mais degradado
do que o que vivemos, embora os primeiros meses de Bolsonaro sejam os mais
conturbados de quantos já vivemos.
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