Jair Bolsonaro é um personagem político dos mais
transparentes. Não deixa dúvidas sobre a maneira como percebe o mundo à sua
volta – e as percepções mantidas pelos próprios personagens políticos (malucas
ou não) são ferramentas úteis para entender as decisões que eles tomam.
Bolsonaro se entende como escolhido por Deus para governar o Brasil. Missão que
não está conseguindo cumprir, segundo admite, pois é vítima de um “sistema” que
não se deixa moralizar, especialmente a esfera política.
Esse tipo de percepção explica a descrição que o presidente
faz de compromissos políticos necessários em qualquer regime representativo
democrático (como o brasileiro) como sendo “acertos” espúrios, sobretudo em
relação ao Legislativo. E o faz colocar o “povo”, que Deus o encarregou de
governar, como seu principal instrumento para quebrar de fora para dentro o
“sistema” que tornou o País “ingovernável”. Maluca ou não, é uma sequência
perfeitamente lógica.
Erros políticos ocorrem quando o personagem (no caso,
Bolsonaro), conduzido por suas percepções, substitui estratégia por aspirações
e acredita dispor de meios (pressão popular por meio de redes sociais, por
exemplo) para atingir seus fins (controlar os poderes Legislativo e
Judiciário). O chamado às ruas que o presidente implicitamente endossou é um
desses erros políticos tão crassos a ponto de suscitar uma pergunta: será que
não existiria por detrás uma forte jogada política?
Aparentemente, não. Esse chamado dividiu seus apoiadores e
mesmo uma estrondosa manifestação popular no dia 26 não diminui – ao contrário,
até amplia – as dificuldades de relacionamento do Executivo com o Legislativo.
Menos que estrondosa, e ele sai enfraquecido diretamente. A não ser que
Bolsonaro tenha no recôndito das reuniões de família pensado no impensável,
qual seria o próximo passo para tentar “emparedar” um Legislativo que, de fato,
avança – ajudado principalmente pela incompetência do governo – na direção de
um “parlamentarismo branco”?
Visões messiânicas da própria atuação em geral impedem
personagens políticos de amenizar relações conflituosas (como a atual entre
Executivo e Legislativo), pois isso demandaria formação de consensos, e
messiânicos tratam preferencialmente de impor a própria vontade, entendida ou
não como divina. Enxergam uma “revolução conservadora” numa onda disruptiva de
transformação composta por múltiplos elementos antagônicos, que se dedicam
agora a disputar o poder entre si (alguém acha que desapareceu a luta entre “ideólogos”
e a ala militar, por exemplo?).
Se é que alguma vez a teve, o governo Jair Bolsonaro está
perdendo o sentido de urgência para o que realmente importa e, no final das
contas, vai de fato definir seu sucesso ou fracasso. O rombo fiscal está se agravando,
a economia está estagnada, o crescimento não veio ainda, a arrecadação ficou
aquém, piorando dificuldades políticas, fechando opções de acomodação de
interesses – tudo isso diante do grande quadro de sempre, caracterizado por
infraestrutura precária (investimentos?), formação insuficiente de capital
humano (produtividade?) e excessivo fechamento do País.
Percepções equivocadas ou fortemente distorcidas da
realidade e do próprio papel conduzem personagem políticos a avaliações
equivocadas das relações de força e de poder e, por consequência, ao erro. O
problema é que não só o personagem em questão acaba sendo punido pelos fatos ou
pagando um preço alto em termos de perda de capacidade de conduzir, liderar,
governar. O País também.
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