Na esteira das recentes decisões do Supremo Tribunal
Federal, caciques do Congresso farejaram um vento favorável à retomada da
votação dos projetos de lei que regulamentam o abuso de autoridade – uma pauta
indigesta à Lava-Jato, e que dormita nos escaninhos das duas Casas há dois
anos. Se a movimentação se concretizar, será mais uma “canelada” no ministro da
Justiça, Sergio Moro – para usar um termo caro ao presidente Jair Bolsonaro.
Desde que entrou para o jogo político, Moro vem levando
cotoveladas e “carrinhos por trás”. Na última semana, os parlamentares
retiraram o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da Justiça
para alojá-lo na Economia. Há dois meses, o ministro teve de recuar da nomeação
de Ilona Szabó, mestre em estudos de conflito e paz e especialista em
segurança, para uma vaga de suplente do Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária.
O possível avanço dessa pauta seria também um chute na
canela do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que relatou o projeto das “10
medidas contra a corrupção”, no qual foi aprovado o destaque estabelecendo o
crime de abuso de autoridade. O alvo já era a Lava-Jato e os protagonistas da
operação, em particular os procuradores da República que faziam parte da
força-tarefa.
Esse clima propício à retomada da discussão sobre o abuso de
autoridade, na visão desse grupo de parlamentares, vem da inflexão do Supremo
em pautas consideradas éticas. Na última quinta-feira, sete ministros do STF
decidiram ratificar o decreto de indulto natalino editado pelo ex-presidente
Michel Temer em 2017, e que havia sido suspenso pelo ministro Luís Roberto
Barroso. O decreto reduziu para um quinto o tempo de cumprimento das penas de
condenados por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, beneficiando
inclusive condenados por corrupção.
Em outro julgamento o Supremo decidiu que as assembleias
legislativas têm poderes para revogar prisões ou medidas cautelares impostas a
deputados estaduais. Por seis votos a cinco, foram mantidos trechos das
constituições do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Norte e de Mato Grosso que
conferiam essa prerrogativa aos parlamentares estaduais.
É a reboque dessas decisões, e do azedume com o Planalto,
que ganhou corpo nos últimos dias o movimento de parlamentares influentes para
convencer o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ou o do Senado, Davi
Alcolumbre (DEM-AP), a pautarem a medida em uma das Casas.
A Câmara pode votar o projeto que os senadores aprovaram em
abril de 2017, autorizando a punição dos agentes públicos que praticarem
abusos, desde servidores de prefeituras, concursados ou terceirizados, a
integrantes do Ministério Público, juízes, deputados e senadores. Relatado pelo
então senador Roberto Requião, o texto exige a comprovação da intenção da
autoridade de prejudicar ou beneficiar a si próprio, por capricho ou satisfação
pessoal, para que fique caracterizado o crime de abuso.
Na ocasião, Sergio Moro – ainda como juiz titular da 13ª
Vara Federal de Curitiba – divulgou nota afirmando que receios mais graves
foram afastados, mas ele advertiu que o texto ainda merecia “críticas
pontuais”. O juiz e seus aliados haviam articulado para evitar a votação da
proposta – foi a primeira derrota do magistrado no Legislativo.
No Senado, aguarda análise o projeto que foi relatado pelo
então deputado Onyx Lorenzoni. Ele foi derrotado pela aprovação acachapante do
destaque do então líder do PDT, deputado Weverton Rocha (MA) – respaldado por
313 votos, quando bastava a maioria simples – que estabeleceu que magistrados e
integrantes do Ministério Público responderiam por crime de abuso de autoridade
quando praticassem conduta incompatível com o cargo.
Enigmas presidenciais
Bolsonaro flertou com a tragédia grega nos últimos dias quando desafiou o país a decifrar enigmas. A charada mais hermética foi o cataclismo vaticinado para estes dias. “Talvez tenhamos um tsunami na semana que vem, mas a gente vence o obstáculo com toda a certeza”.
Bolsonaro flertou com a tragédia grega nos últimos dias quando desafiou o país a decifrar enigmas. A charada mais hermética foi o cataclismo vaticinado para estes dias. “Talvez tenhamos um tsunami na semana que vem, mas a gente vence o obstáculo com toda a certeza”.
O presidente completou a frase voltando a falar em “erros”.
“Somos humanos, todos erram. Alguns erros são perdoáveis, outros não”. Há 15
dias, ele teve de se retificar pela tentativa de ingerência na queda dos juros.
“Tenho que ser sublime, senão dá tudo errado”, afirmou.
O tsunami seria uma alusão ao filho Flávio Bolsonaro
(PSL-RJ). Ontem foi revelado pelo jornal “O Globo” que o Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro autorizou no mês passado a quebra do sigilo bancário de Flávio e
do ex-policial Fabrício Queiroz, de seus familiares e de 88 funcionários do
gabinete – uma ampla devassa fiscal. Em nota divulgada à imprensa Flávio nega
qualquer erro: “Nada fiz de errado”.
Em outra declaração misteriosa, o presidente conciliou
répteis e anfíbios. “O pessoal fala muito em engolir sapo. Eu engulo sapo pela
fosseta lacrimal [sic] e estou quieto aqui, ok?” A fosseta loreal é um órgão
sensorial das serpentes.
O presidente poderia falar somente em “engolir sapos”, ou
seja, lidar com aborrecimentos e contrariedades inerentes ao exercício do
cargo. Mas cogitar a ingestão de um batráquio por um orifício minúsculo
evidencia a dimensão das aflições que o perseguem, e que vão além dos despachos
presidenciais.
Como um personagem do teatro grego, Bolsonaro vê-se acuado
por conflitos entre amigos, familiares e o exercício do poder. Sofre pressão do
guru Olavo de Carvalho, dos filhos – principalmente de Carlos Bolsonaro, com
quem estaria sem falar há semanas – e dos militares. A cúpula militar exige uma
resposta mais firme de Bolsonaro contra os ataques aos generais, mas ele
tergiversa.
Em “Édipo Rei”, de Sófocles, a esfinge desafiava os homens
de Tebas a decifrar seus enigmas para não devorá-los. Quando Édipo desvendou a
adivinhação, a esfinge jogou-se em um abismo. O presidente precisa manter o
suspense enquanto não encontra uma solução para os conflitos que atravancam o
governo.
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