O presidente Jair Bolsonaro está cansado. A revelação é do deputado Marco Feliciano (Pode-SP), um de seus aliados mais próximos, que encomendou uma corrente de orações pela proteção do mandatário e do governo aos seus mais de 4 milhões de seguidores.
“Notei no seu semblante, em sua fala ainda que descontraída, um cansaço”, disse Feliciano, em vídeo divulgado no sábado nas redes sociais. Segundo o parlamentar, que acompanhou Bolsonaro na viagem a Dallas, o presidente enfrenta uma “guerra fria” porque as forças que não o elegeram se uniram para paralisá-lo: “O que não conseguiram fazer com aquela facada na barriga estão tentando com punhaladas nas costas”.
Bolsonaro tem falado em exaustão de forma recorrente, embora ainda tenha pela frente 44 meses de mandato. Ao receber um senador em seu gabinete recentemente, apontou a cadeira presidencial e decretou: “Aquilo é uma desgraça”. Ao apresentador Sílvio Santos, disse que a Presidência só traz problemas. Há um mês e meio, desabafou: “Não nasci para ser presidente, nasci para ser militar”.
Caciques políticos interessados no avanço das reformas preocupam-se com dois fatores: o aparente esgotamento nervoso de Bolsonaro, e sua indisposição para ajustar a relação com o parlamento. A avaliação interna na cúpula do Congresso é que Bolsonaro tem comportamento ambíguo, porque admite a exaustão a interlocutores, ao mesmo tempo em que demonstra fôlego para o confronto.
Na semana passada, quando uma multidão foi às ruas em mais de uma centena de cidades protestar contra os cortes na área de educação, e o governo sofreu derrotas relevantes no Congresso, a maioria dos líderes acreditava que Bolsonaro faria gestos de conciliação ao Congresso.
Mas o que se viu neste começo de semana decisiva para o governo foi uma declaração de guerra. “O que eu tenho para oferecer é a humildade, a coragem de enfrentar grupos corporativistas”, disse o presidente ontem na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). O combate às corporações remete ao polêmico texto que ele compartilhou com aliados no fim de semana, segundo o qual o país seria “ingovernável” se ele continuasse resistindo a fazer “conchavos” com as “corporações”.
Bolsonaro alega cansaço, mas demonstra disposição para a briga. Afirma que “o que mais quer é conversar”, mas tenta apagar o fogo com gasolina. Ontem ele também reiterou os ataques aos políticos, dificultando ainda mais qualquer canal de diálogo com o Congresso, e via de consequência, a votação das reformas. “É um país maravilhoso que tem tudo para dar certo, mas o grande problema é a nossa classe política”, acrescentou, no mesmo discurso na Firjan.
Incomodado com a dimensão das manifestações contra o governo no dia 15, o presidente estimula a reação de seus apoiadores com os protestos convocados para o dia 26. Indiferentes às denúncias envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, defensores do governo marcharão em defesa da reforma da Previdência e do pacote anticrime do ministro Sergio Moro. Mas também contra os deputados do Centrão, que acusam de achaque ao governo, e contra o Supremo Tribunal Federal.
Paralelamente, haverá a tréplica dos estudantes já programada para o fim do mês, com o mote #dia30vaisermaior. A batalha das ruas é uma reedição da conturbada campanha eleitoral, quando grupos de brasileiros duelaram nos protestos #elenão – a maior concentração popular liderada por mulheres na história brasileira – e #elesim, em defesa do então candidato.
Parlamentares influentes lamentam a persistência de Bolsonaro no embate com a classe política. Há uma leitura de que o presidente tenta reeditar a fórmula praticada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que colocava o povo ao seu lado contra as chamadas “elites”. Segundo Lula, não era desejo desse segmento que a população de baixa renda comesse filé mignon ou viajasse de avião. Lula agia para garantir o apoio popular, mas não jogava o povo contra os políticos.
O problema, na visão desse grupo de parlamentares, é que a versão do “nós contra eles” de Bolsonaro instiga o povo contra os congressistas. Justamente os deputados e senadores que deverão votar as propostas de interesse do governo, como as reformas da Previdência e tributária, além do projeto de reestruturação da carreira dos militares – prioritário para o presidente.
Os atritos com os parlamentares impõem sucessivas derrotas ao governo no Congresso. A medida provisória que permitiu 100% de capital estrangeiro nas companhias aéreas prescreve amanhã. Justamente a norma que levou o ministro Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, a comemorar a chegada ao Brasil da AirEuropa, que geraria empregos, equilibraria a oferta de voos e reduziria os preços dos bilhetes, diante do colapso da Avianca. Agora o futuro da AirEuropa é incerto.
Apesar do azedume entre Congresso e Planalto, ainda há disposição dos líderes de aprovar um substitutivo para a MP que atualiza o marco legal do saneamento básico no país, e até mesmo a reestruturação do primeiro escalão. Mas o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) não deve retornar ao Ministério da Justiça.
Nesse campo de batalha, a cúpula da Câmara decidiu não se omitir diante da inércia presidencial em ajustar a articulação política e assumiu as rédeas da agenda econômica. Assim o Centrão dita o ritmo da reforma da Previdência, com o PR no comando da comissão especial. E o estreante João Roma (BA), do PRB, vai relatar um projeto de reforma tributária do Legislativo.
Em suma, Bolsonaro está pintado para a guerra e comanda um contingente expressivo, mas enfrenta defecções na brigada. A líder do governo, Joice Hasselmann (PSL-SP) ontem pediu paz. “É preciso baixar a guarda, chega de clima beligerante; não se consegue aliados atacando pessoas”, ensinou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário