Ao longo de setenta anos de vida, o hotel Novo Mundo,
na orla da praia do Flamengo, viveu dias de glória e outros nem tanto. Símbolo
de luxo e elegância da antiga capital, recebia em seus leitos presidenciáveis,
artistas e atletas da Seleção Brasileira. Vizinho do Palácio do Catete,
residência presidencial, viu seu status decair de cinco para quatro estrelas
quando a capital federal foi transferida para Brasília. Sobreviveu à
transferência dos melhores hotéis da cidade para Copacabana, Ipanema e Leblon.
Superou a hiperinflação dos anos 80, o confisco da poupança nos anos Collor e a
estagnação econômica do final dos anos 90. Mas sucumbiu à crise atual, que
afeta o setor de comércio e serviços. Entre as unidades da federação, o estado
é o que mais fecha lojas comerciais; a situação se repete no município.
O prédio de doze andares e 230 quartos encerrou as
atividades no último 25 de março com dívidas acumuladas e baixo movimento. O
Novo Mundo foi o 13º hotel fechado na cidade desde o fim das Olimpíadas, em
2016. Os grandes eventos sediados no Rio, e que atraíram investimentos públicos
e privados, atrasaram a entrada da capital carioca na crise econômica
que assolou o país em 2014. Mas depois dos Jogos Olímpicos, tanto a cidade
quanto o estado mergulharam numa crise da qual não conseguem sair.
Segundo dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo), enquanto o setor apresentou reação no país em 2018,
com mais aberturas do que fechamentos de estabelecimentos comerciais em quinze
dos 27 estados brasileiros, o Rio teve o pior resultado da federação, enquanto
São Paulo obteve o melhor resultado no ranking de abertura líquida de lojas com
vínculos empregatícios. No saldo anual, entre o número de lojas abertas e
fechadas, São Paulo aparece na primeira posição, com saldo de 3 883 lojas
abertas – seguido por Santa Catarina (1 706) e Minas Gerais (940). Já o estado
do Rio aparece na última posição, com saldo negativo de 997 lojas fechadas,
atrás de Amapá (-142) e Pará (-374).
A tendência não se verifica só na comparação com os
estados. Dados da CNC sobre os municípios de São Paulo e Rio mostram que, entre
janeiro e julho de 2018, a cidade de São Paulo fechou o período com 899 lojas
abertas, enquanto a capital carioca teve 419 lojas fechadas.
Para Fabio Bentes, economista da CNC, a diferença entre a
reação dos dois estados à crise está no nível de dependência de cada um deles
do setor público, e na contribuição da indústria para o dinamismo da economia.
“São Paulo é menos dependente do setor público que o Rio. O
emprego não está tão atrelado ao estado quanto o Rio, um estado em crise,
diga-se. Por isso, é natural que São Paulo tenha capacidade de recuperação
maior. O segundo ponto é que a economia do estado e da capital de São Paulo
conseguem nesse momento tirar proveito de uma demanda maior do mercado externo
do que do interno. Durante a recessão, uma saída para indústria foi voltar a
atenção para as exportações. Isso ajudou a aquecer a economia, contribuiu para
a criação de postos de trabalho e com isso dinamizou o comércio. Já a cidade do
Rio de Janeiro é mais dependente do setor de serviços, justo aquele que
encontra maior dificuldade em superar a crise e que depende mais do mercado
interno que está estagnado”, disse Bentes.
Curiosamente, diz o economista da CNC, a situação é pior na
capital: “Se falássemos do fechamento de lojas no estado do Rio, teríamos um
quadro um pouco menos dramático do que na capital. No estado você consegue ver
indústria de exportação de veículos que não tem na capital, o setor de petróleo
que está fora da capital.”
Rodolpho Tobler, economista da Fundação Getulio Vargas e
coordenador da Sondagem do Comércio do FGV IBRE, diz que a economia do Rio está
num círculo vicioso: “Temos um estado inchado, que não consegue equilibrar suas
contas, gasta mais do que arrecada, com uma inflada folha de pagamento do
funcionalismo público. Enquanto o estado não conseguir mostrar capacidade para
reduzir gastos e equilibrar as contas, não fica atrativo para novos
investimentos de empresas. E a crise fiscal também dificulta o pagamento de
salários de trabalhadores do setor público, o que ajuda a afetar o poder de
compra da população, impactando o comércio. Enquanto o mercado de trabalho
estiver lento e a confiança do consumidor for baixa, tudo influencia para que o
comércio siga mais devagar do que outros setores”, disse Tobler. “Já São Paulo
tem as contas públicas mais equilibradas nesse momento.”
No setor de comércio, em 2018, segundo o Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged), a cidade de São Paulo criou 5 928 postos de
trabalho, enquanto a cidade do Rio criou 1 108. No setor de serviços, a
diferença é ainda maior. O Rio abriu 2 558 postos de trabalho, e São Paulo, 50
033 postos. No setor de hotelaria e alimentação, o Rio fechou o ano com 96
desempregados. São Paulo, por outro lado, fechou 2018 com a oferta de 7 690
vagas.
Em 2014, segundo a Associação de Hotéis do Rio de Janeiro
(Abih-RJ), a taxa de ocupação hoteleira na cidade do Rio chegou a 72%. Nos anos
seguintes, os números caíram para 66% em 2015. Em 2016, 58%. Em 2017, 52%. E em
2018, 53%.
A partir de dados do Banco Central, o pesquisador Marcel
Balassiano, da FGV, analisou a atividade econômica em treze estados
brasileiros. Verificou que o Rio de Janeiro foi o único estado que apresentou
recuo na Taxa Real Anual de Crescimento, caindo 0,9%. Em seu estudo, assinalou:
“A recessão econômica levou a uma considerável redução da arrecadação do ICMS,
principal fonte de receita do Estado; queda do preço do petróleo, já que
royalties e participação especial do petróleo e gás natural são a segunda fonte
mais importante de receita; forte crescimento das despesas com pessoal e
encargos sociais; questão previdenciária, com um déficit próximo de 9 bilhões
de reais.”
“A reforma da Previdência se mostra importante, inclusive,
para o saneamento das contas dos estados e municípios. E para o Rio, em
especial, a previdência é até mais importante. Com essa dependência do setor
público, o Rio chegou a ficar com grave problema de pagamentos de salários de
categorias como policiais e professores. E isso afeta o desempenho da economia
como um todo, e do comércio principalmente”, afirma Balassiano.
Rodolpho Tobler disse ainda que a crise política com
ex-governadores e parlamentares presos por corrupção é um agravante para o
atoleiro em que o Rio se encontra. “O atual quadro político contribui para um
ambiente de incertezas para investimentos financeiros no Rio. E a gente precisa
superar esse quadro de incertezas para atrair investimentos, aquecer o mercado
de trabalho e fazer o comércio do Rio voltar a reagir.”


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