O procurador que chamou seu salário de R$ 24 mil de “miserê”
poderia ser nomeado porta-voz de um grupo que está espalhado pela máquina
pública. Sua desfaçatez representaria bem os partidos que tentaram engordar
seus caixas em mais um ano de crise. Serviria também ao político que move
montanhas para dar um cargo ao próprio filho.
Numa cultura de privilégios e cegueira deliberada,
servidores, parlamentares, dirigentes partidários e o presidente da República
tratam o Estado como patrimônio pessoal.
Um integrante do Ministério Público de Minas achou razoável
fazer queixa de sua remuneração numa reunião do órgão. “Já estou baixando meu
padrão de vida bruscamente, mas eu vou sobreviver”, afirmou. Num lamento, ele
disse que precisou reduzir seus gastos com cartão de crédito para R$ 8.000 por
mês.
Certas autoridades costumam deixar de lado o pudor quando
discutem seus interesses financeiros, mesmo quando as contas do governo estão
na pindaíba. A manobra desastrada dos partidos para colocar até R$ 3,7 bilhões
no fundo eleitoral e reduzir as regras de fiscalização desse dinheiro é uma
face desse pouco-caso.
O país ainda não conseguiu elaborar uma maneira justa e
responsável de financiar as campanhas depois que foram proibidas as doações
empresariais. É inexplicável, porém, que o Congresso tenha trabalhado só para
pegar mais recursos enquanto, na surdina, afrouxava as regras para a prestação
de contas.
Mas a república do miserê não se manifesta só em busca de
moedas no cofre. É a mesma força que impulsiona Jair Bolsonaro a colocar a
Presidência a serviço do esforço para emplacar um filho na embaixada brasileira
em Washington e a interferir em órgãos de investigação para proteger outro de
seus rebentos.
Governantes que atuam em causa própria são uma tradição
brasileira. Alguns podem tentar se esconder atrás da retórica da nova política
e de reformas econômicas, mas dificilmente conseguirão disfarçar suas ambições
particulares.
Nenhum comentário:
Postar um comentário